domingo, 25 de dezembro de 2022

Samuel Pessôa* - Caminho para Haddad

Folha de S. Paulo

Se o novo governo levar a uma trajetória que garanta a solvência do Tesouro, a grande vitoriosa será a democracia

Lula iniciou seu governo negociando com o Congresso Nacional um aumento de gasto de R$ 150 bilhões, aproximadamente. A principal atribuição de seu ministro da Fazenda será construir as condições para que esse início de governo com pé trocado não comprometa o mandato de Lula.

Há caminhos. A política fiscal tem dois impactos diretos sobre a economia. O primeiro é o impacto do gasto e da receita do setor público no equilíbrio entre a oferta e a demanda de bens e serviços. A política pode ser expansionista ou contracionista.

Adicionalmente, o desenho de longo prazo da política econômica e a confiança (ou não) na capacidade da liderança de gerenciar o conflito distributivo na sociedade podem indicar (ou não) que a dívida pública será paga sem a necessidade da elevação da inflação. Esse é o segundo impacto da política fiscal na economia.

É importante que a política fiscal seja contracíclica. Se há sinais de que a economia se encontra a plena carga com baixo desemprego, salários subindo além da produtividade do trabalho e inflação pressionada, a política fiscal precisa ser contracionista. Esse é o caso para 2023.

O gasto primário da União em 2022 foi de 18,2% do PIB. Esse número considera as revisões recentes na série do PIB e que o acerto da União com o município de São Paulo, por causa do campo de Marte, não representa gasto primário.

O gasto primário em 2023, segundo o Projeto de Lei Orçamentária anual (PLOA 2023), é, de acordo com nossas estimativas, de 17,5% do PIB. Com a autorização de R$ 150 bilhões, irá para 19% do PIB, 0,8 ponto percentual superior ao gasto de 2022.

Para que a política fiscal seja contracionista, será necessário que Haddad não execute todo o espaço fiscal aberto pela PEC e que, adicionalmente, haja elevação de impostos. A reoneração do PIS/Cofins e do IPI, que foram oportunisticamente reduzidos por Bolsonaro em ano eleitoral, elevará a receita em uns R$ 80 bilhões.

Esta será a primeira tarefa do ministro: garantir o atendimento da principal promessa de campanha de Lula, bem como de recursos para áreas do Estado que foram subfinanciadas no governo Bolsonaro, e, simultaneamente, promover política fiscal contracionista em 2023.

A segunda tarefa do ministro será construir com o Congresso Nacional uma regra fiscal que substitua o teto dos gastos e que sinalize redução da dívida pública como proporção da economia em um horizonte não muito longo.

O ingrediente necessário será a capacidade da liderança do presidente Lula em negociar com a sociedade e com o Congresso Nacional medidas que elevem os impostos e reduzam gastos e subsídios, de forma a sinalizar solvência do Tesouro Nacional.

Se o ministro for bem-sucedido em sua segunda tarefa, a percepção de risco cairá, e o câmbio buscará valores no intervalo de R$ 4 a R$ 4,5 por dólar. A forte queda da inflação propiciada por esses movimentos de mercado permitirá que o Banco Central corte rapidamente os juros.

Faz dez anos que ocupo este espaço. A principal agenda foi o contrato social da redemocratização e, a partir do segundo mandato de Dilma, nossa crise fiscal, ou seja, nosso conflito distributivo.

Se Lula conseguir produzir uma trajetória da política fiscal que garanta a solvência do Tesouro Nacional, a grande vitoriosa terá sido a democracia brasileira. Em geral, crises fiscais produzem crises institucionais e rupturas políticas e, muitas vezes, recessão democrática. Oxalá a liderança de Lula escreva nova página de nossa história.

*Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Lendo e aprendendo.