domingo, 25 de dezembro de 2022

Elio Gaspari - Saudades da transição de Fernando Henrique para Lula

O Globo

Há 20 anos Fernando Henrique Cardoso passou a faixa a Lula numa transição que podia sinalizar um processo civilizado para o futuro. FH levou caneladas antes, durante e depois da eleição. Passou o governo a Lula com a marca da elegância durante um período de incerteza econômica. Convidou Lula e Marisa Letícia, mulher do petista, para um encontro no Alvorada e, dias depois, FH e Ruth Cardoso jantaram na Granja do Torto, colocada à disposição do presidente eleito. Está nas livrarias “Eles não são loucos”, do repórter João Borges. Ele conta os bastidores das iniciativas que garantiram a paz nacional. Agora, sem maiores piripaques na economia, a transição civilizada revelou-se uma ilusão. Ninguém sabe como Jair Bolsonaro se comportará. Restará apenas a amargura de uma tensão inútil.

Ministério de Lula

Até agora, o Ministério de Lula se parece com um automóvel que sai da oficina depois que o mecânico desmontou o motor, fez alguns acertos e trocou peças. Parece-se também com a salada de frutas de centro-direita que na política de Portugal denominou-se de “geringonça”. Lá, só se conseguiu avaliar a máquina quando ela começou a funcionar, e funcionou por quatro anos. Cá, só se vai saber se o carro com 37 ministros funciona direito quando ele estiver na estrada.

Reconciliação a irredutibilidade

Enquanto existirem presos e carcereiros alguém se lembrará da história de Nelson Mandela com Christo Brown, que vigiava a cela onde ele passou 18 dos 27 anos de encarceramento. O preso tornou-se presidente da África do Sul e o carcereiro continuou sua vida de humilde servidor público.

Ao encontrá-lo numa sessão do Congresso, Mandela o abraçou e pediu que sentasse ao seu lado para serem fotografados.

Mandiba, como era conhecido Nelson Mandela, queria reconciliar a África do Sul depois de décadas de segregação racial.

Depois de Bolsonaro, em menor medida, o Brasil precisa de paz.

O futuro ministro Flávio Dino desconvidou o futuro chefe da Polícia Rodoviária Federal porque ele exaltava o juiz Sergio Moro e comemorou a prisão de Lula. Se não devia tê-lo convidado, não deveria tê-lo desconvidado.

Dino escolheu o coronel da PM paulista Nivaldo César Restivo para a Secretaria Nacional de Políticas Penais. Há 31 anos, como tenente, ele estava na logística da operação policial que resultou no massacre de presos do Carandiru, onde foram mortos 111 presidiários. Nunca foi acusado de nada. Incriminá-lo por “estar presente” é um exagero.

Atribui-se a Restivo a afirmação, feita em 2017, de que o desfecho da operação foi “legítimo e necessário”.

O coronel é um servidor respeitado no sistema penal. Acusado, recusou o convite. Poupou Dino de um constrangimento.

Christo Brown nunca maltratou o preso Mandela.

Mau começo de ano

A partir do dia 1º de janeiro, todas as despesas de Jair Bolsonaro deverão caber na sua aposentadoria de R$ 80 mil por mês.

O Partido Liberal de Valdemar Costa Neto está com seus fundos congelados por ordem do ministro Alexandre de Moraes. De lá, não sairá um centavo.

Obras paradas

A julgar pela precisão estatística da equipe da transição, Jair Bolsonaro quase cumpriu sua promessa de acabar com o “ativismo” no Brasil. O vice-presidente eleito informou que há 14 mil obras paradas no país.

Retomar obras paradas é um bordão de todo governo que pretende alfinetar o antecessor, mas em 2016, quando Michel Temer assumiu, encerrando o primeiro ciclo petista, as obras federais paradas eram apenas 1,6 mil.

Trump mentiroso

A comissão da Câmara dos Estados Unidos aprimorou a forma de expor um mentiroso, fritando o ex-presidente Donald Trump pela sua conduta depois da eleição de 2020.

Pelo sistema convencional, quando um sujeito mente, mostra-se a verdade. A comissão valeu-se de uma nova tática. Mostrou 18 episódios nos quais Trump foi informado a verdade por colaboradores e, dias depois, mentiu dizendo o contrário do que lhe havia sido dito.

Dois exemplos:

No dia 15 de dezembro de 2020, antes do ataque ao Capitólio, Trump havia dito que um vídeo mostrava o transporte de votos falsos numa mala. O vice-procurador-geral, Jeffrey Rosen, corrigiu-o: “Não era uma mala. Era uma caixa. É o que se usa para transportar votos. Coisa benigna.”

Sete dias depois, Trump voltou à carga: “Na Georgia, uma câmera de segurança registrou quando funcionários mandaram que os escrutinadores saíssem da sala e despejaram sobre a mesa votos que estavam numa mala”.

No dia 1º de dezembro de 2020, o procurador-geral Bill Barr disse-lhe:

“Alguém já lhe contou que o senhor teve mais votos em Detroit do que na eleição passada? Em suma, não há indícios de fraude em Detroit.”

No dia seguinte Trump insistiu:

“Todo mundo viu o tremendo problema de Detroit... Lá apareceram mais votos do que eleitores.”

Moro em perigo

O mandato de senador de Sergio Moro está em perigo.

Na sua prestação de contas de candidato ao Senado ele usou recursos arrecadados para sua postulação natimorta à Presidência da República.

Quem entende do assunto calcula que o doutor tem pelo menos sete chances em dez de perder o mandato.

O navio fantasma

Porta-aviões são as joias das marinhas de guerra. O americano Enterprise participou de 20 combates no Oceano Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. O japonês Akagi foi o orgulho da marinha japonesa até 1942. Na batalha do Midway (na qual estava o Enterprise) ele foi danificado, e os japoneses resolveram afundá-lo para que não fosse capturado.

A Marinha brasileira teve dois porta-aviões. O Minas Gerais foi comprado aos ingleses em 1956, provocou uma briga com a Força Aérea nos anos 1960 e foi vendido em 2002 a uma empresa chinesa que pretendia transformá-lo em museu. Acabou vendendo-o como sucata.

O segundo foi o São Paulo, comprado à França em 2000 e vai entrar em 2023 como parte da história de batalhas ambientais e jurídicas. No ano passado seu casco foi vendido a uma empresa turca, como sucata. Como contém materiais tóxicos, nenhum porto o aceita, nem os turcos. Há meses ele vaga pelo oceano Atlântico como navio fantasma. O governo de Pernambuco não permite que o falecido São Paulo atraque em Suape.

Na semana passada as empresas que o arremataram mandaram uma carta a autoridades mundiais e às Nações Unidas protestando porque o governo brasileiro, que lhe deu autorização para deixar o país, não permite que retorne. Elas sustentam que “o resíduo exportado pertence ao Brasil”. Vagando pelo oceano, o casco do falecido porta-aviões já lhes custou 5 milhões de dólares. As empresas queixam-se de que não conseguem autorização para atracar o “resíduo”, como se ele não tivesse sido exportado com a papelada em ordem: “Afirmamos várias vezes que as autoridades brasileiras deveriam intervir responsavelmente a esse respeito e nos indicar um local para atracar, mas infelizmente não encontramos nenhuma resposta séria.”

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Carácoles!

Anônimo disse...

Trump mentiroso, Bolsonaro MENTIROSO! Ambos farinha do mesmo saco, canalhas golpistas e antidemocratas...