domingo, 25 de dezembro de 2022

Míriam Leitão - Sobre elogios e cobranças

O Globo

Há um admirável retorno aos valores civilizatórios, mas erros como a demora na área ambiental e a hegemonia do PT nos ministérios

O presidente Lula disse que prefere cobranças à tapinha nas costas. Ótimo. Essa é a visão de um governante democrático. Nas linhas seguintes haverá os dois. Elogios e cobranças. Há um admirável retorno a valores civilizatórios em certas nomeações. Contudo, ao contrário do que o presidente disse que faria, este é um governo do PT. O hegemônico PT domina quase tudo. Os que foram para a campanha por considerar que a união de forças era a forma de proteger a democracia foram tratados até agora como “os outros”. Na área econômica há uma inquietante homogeneidade de pensamento. Na área ambiental, muita demora. Na agricultura tenta-se a conciliação com o inaceitável.

A decisão sobre o Ministério do Meio Ambiente ficou para a última semana. Isso contrasta com a crucial importância do tema. Tudo se encaminha para que Marina Silva volte ao trabalho que ela fez tão bem. Mas antes é preciso lembrar ao presidente que essa agenda é dele. Durante os seus governos, o desmatamento despencou. Seu primeiro ato, ao ser eleito, foi ir ao Egito e, diante do mundo, se comprometer com o desmatamento zero. Qualquer retrocesso será trágico.

Pareceu num determinado momento, como ouvi de uma autoridade, que fritavam Marina usando Simone Tebet e depois diziam que Simone faz exigências demais. Ambas têm valor e qualificação e nas conversas com Lula na sexta esclareceram seus pontos de vista. Simone disse que nunca reivindicou ministério algum. Que seu nome foi relacionado ao Desenvolvimento Social porque ela coordenou essa área a pedido do vice-presidente. Admitiu que chegou a pensar no Ministério da Educação pelo valor que dá ao tema, mas na transição viu que havia muitas pessoas preparadas para o cargo. Sobre o Meio Ambiente, para o qual foi sondada, deixou claro que jamais o aceitaria se isso prejudicasse Marina.

Marina, por sua vez, lembrou na conversa que a Autoridade Climática é órgão técnico, não é para ela. Os repórteres Bianca Gomes e Manoel Ventura do O GLOBO ouviram de fontes do PT que a intenção é reconduzir Marina ao Meio Ambiente. Simone foi sondada para alguns ministérios. Não houve conversa sobre Planejamento, mas esse é o ponto em que ela mais diverge do governo. Ela se cercou de liberais na campanha. O que houve nos casos de Marina e de Simone? Conversa de menos, intrigas demais e as velhas frituras.

Os integrantes da equipe econômica têm qualidades profissionais relevantes, mas o ideal é que dentro da equipe houvesse mais diversidade de pensamento econômico, especificamente sobre a questão fiscal. O Orçamento tinha que ser refeito porque era um desastre, mas fechou com uma previsão de déficit de R$ 231,5 bilhões. É hora de ligar o alerta fiscal.

Um acerto notável - e aí vai um tapinha nas costas - é o respeito à autonomia do Banco Central. Será um desafio para todos. Haddad tem lembrado que essa é a primeira vez na nossa história em que um ministro da Fazenda e o presidente da República não têm qualquer intimidade com a autoridade monetária. E é mesmo. Roberto Campos Neto foi escolhido pela identidade com o governo Bolsonaro. Só agora a autonomia do BC está sendo testada.  

Na Agricultura, o presidente Lula pensa em nomear o ruralista Carlos Fávaro. Ele é relator de um dos piores projetos do pacote da destruição, o PL da Grilagem, que torna mais fácil legalizar terras públicas ocupadas criminosamente. Essa era a agenda de Bolsonaro. Será mantida? O bom agronegócio precisa ser fortalecido para garantir a proteção ambiental, a inserção no mundo e a balança comercial.

O governo Lula não tem a cara de frente democrática, mas na quinta-feira ganhou as cores da diversidade. A escolha de seis mulheres, de negros, de pessoas que indicam a recuperação de valores universais merece elogios. No Ministério da Saúde a escolha técnica é uma vitória. Foi nesse campo que perdemos quase 700 mil vidas. Nísia Trindade, da Fiocruz, é a chance do recomeço. Anielle Franco, escolhida para a luta antirracista, tem força simbólica e uma história de atuação social. Sílvio Almeida é filósofo, jurista, que pode colocar a pasta dos Direitos Humanos no rumo certo. O feminismo de Cida Gonçalves será um avanço após esse tempo de ideias medievais. Margareth Menezes terá a oportunidade de refazer a política cultural.

Como hoje é Natal termino iluminando a esperança que esses nomes carregam. Feliz Natal!

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Lendo hoje,o Natal foi ontem,rs.

Anônimo disse...

O hegemônico PT ressuscita seus velhos zumbis pro "novo" ministério de Lula.