domingo, 19 de março de 2023

Cristovam Buarque* - Os esquecidos da anistia

Blog do Noblat / Metrópoles

No mundo letrado, o analfabeto é torturado todos os minutos em que está desperto. É como se carregasse um chicote elétrico dentro do cérebro

No seu brilhante e emotivo discurso de posse, o Ministro Silvio Almeida listou, um por um, os grupos que precisam ter seus direitos humanos relembrados, afirmando que eles não seriam esquecidos. Mas não citou aos mais de 10 milhões de brasileiros analfabetos.

Diante da violência da tortura a que foram submetidos os presos políticos no passado, do sofrimento diante do racismo contra os negros e dos preconceitos contra gays e transsexuais, o Brasil esquece a violência cometida contra quem sobrevive no mundo letrado sem saber ler seu próprio idioma: a tortura de caminhar pelas cidades sem ler o nome de cada rua, sem saber o remédio que toma ou o ônibus em que sobe.

No mundo letrado, o analfabeto é torturado todos os minutos em que está desperto. É como se carregasse um chicote elétrico dentro do cérebro, desfechado cada vez que precisa ler um texto em frente. Além de torturado, ao analfabeto se nega empregos, porque todos exigem alfabetização; deslumbramentos com a beleza da literatura; prazer de ler carta de um filho; certeza de estar diante da bandeira correta de seu país, onde há um lema escrito. Mesmo assim, ignora-se analfabetismo como privação de Direito Humano e por isto eles foram esquecidos da Anistia, dos governos seguintes e dos discursos atuais.

Deixar a questão do analfabetismo para os educadores é o mesmo que deixar a questão da tortura para os médicos. Estes podem cuidar das feridas, mas a intenção de acabar com a maldade é moral, e a decisão para isto é política. A tarefa técnica da erradicação do analfabetismo é da educação, mas a decisão é política e a gestão deve ser papel do Ministério dos Direitos Humanos: para abolir a tortura do analfabetismo e abrir portas da liberdade que não existe plenamente para quem não sabe ler. A anistia libertou aos presos políticos, mas apenas soltou aos analfabetos, porque não lhes deu o mapa para orientar-se na vida.

Por isto, o governo Lula precisa retomar o programa de erradicação do analfabetismo, iniciado pelo MEC no primeiro ano de seu governo, logo paralisado por ficar preso à pedagogia e não à ética. Para ter continuidade, o Ministério dos Direitos Humanos precisa dizer também: “analfabetos do Brasil, vocês não serão esquecidos”.

*Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador

2 comentários:

Anônimo disse...

Mais uma aula magistral do professor Cristovam! Infelizmente, os zumbis petistas que estão sentados nas principais cadeiras do governo federal não ouvem as vozes que vêm de fora do seu partido. A esperança que os analfabetos sejam realmente atendidos é mínima.

Fernando Carvalho disse...

A pequena Cuba não tem analfabetos. O bananão do agro-negócio tem mais de dez milhões. Cristovam Buarque tem razão analfabetismo é uma forma de tortura.