Blog do Noblat / Metrópoles
No mundo letrado, o analfabeto é torturado
todos os minutos em que está desperto. É como se carregasse um chicote elétrico
dentro do cérebro
No seu brilhante e emotivo discurso de
posse, o Ministro Silvio Almeida listou, um por um, os grupos que precisam ter
seus direitos humanos relembrados, afirmando que eles não seriam esquecidos.
Mas não citou aos mais de 10 milhões de brasileiros analfabetos.
Diante da violência da tortura a que foram submetidos os presos políticos no passado, do sofrimento diante do racismo contra os negros e dos preconceitos contra gays e transsexuais, o Brasil esquece a violência cometida contra quem sobrevive no mundo letrado sem saber ler seu próprio idioma: a tortura de caminhar pelas cidades sem ler o nome de cada rua, sem saber o remédio que toma ou o ônibus em que sobe.
No mundo letrado, o analfabeto é torturado
todos os minutos em que está desperto. É como se carregasse um chicote elétrico
dentro do cérebro, desfechado cada vez que precisa ler um texto em frente. Além
de torturado, ao analfabeto se nega empregos, porque todos exigem
alfabetização; deslumbramentos com a beleza da literatura; prazer de ler carta
de um filho; certeza de estar diante da bandeira correta de seu país, onde há
um lema escrito. Mesmo assim, ignora-se analfabetismo como privação de Direito
Humano e por isto eles foram esquecidos da Anistia, dos governos seguintes e
dos discursos atuais.
Deixar a questão do analfabetismo para os
educadores é o mesmo que deixar a questão da tortura para os médicos. Estes
podem cuidar das feridas, mas a intenção de acabar com a maldade é moral, e a
decisão para isto é política. A tarefa técnica da erradicação do analfabetismo é
da educação, mas a decisão é política e a gestão deve ser papel do Ministério
dos Direitos Humanos: para abolir a tortura do analfabetismo e abrir portas da
liberdade que não existe plenamente para quem não sabe ler. A anistia libertou
aos presos políticos, mas apenas soltou aos analfabetos, porque não lhes deu o
mapa para orientar-se na vida.
Por isto, o governo Lula precisa retomar o
programa de erradicação do analfabetismo, iniciado pelo MEC no primeiro ano de
seu governo, logo paralisado por ficar preso à pedagogia e não à ética. Para
ter continuidade, o Ministério dos Direitos Humanos precisa dizer também:
“analfabetos do Brasil, vocês não serão esquecidos”.
*Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador
2 comentários:
Mais uma aula magistral do professor Cristovam! Infelizmente, os zumbis petistas que estão sentados nas principais cadeiras do governo federal não ouvem as vozes que vêm de fora do seu partido. A esperança que os analfabetos sejam realmente atendidos é mínima.
A pequena Cuba não tem analfabetos. O bananão do agro-negócio tem mais de dez milhões. Cristovam Buarque tem razão analfabetismo é uma forma de tortura.
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