Correio Braziliense
No Brasil, hoje, não existe um projeto de
modernização capaz de forjar um novo consenso político nacional e incorporar a
grande massa da população
Um bom programa para um fim de semana com
cara de poucos amigos é assistir ao clássico do cinema italiano O Leopardo (Il
Gattopardo, 1963), estrelado por Burt Lancaster, Claudia Cardinale e Alain
Delon, do diretor italiano Luchino Visconti (1906-1976). Com base na obra do
siciliano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957), o filme retrata a
decadência da aristocracia agrária da Sicília, no contexto da Segunda Guerra da
Independência e Unificação da Itália (1859-1860), e está disponível na Netflix.
Ao resgatar memórias pessoais e seu idealizado e nostálgico passado aristocrático, Lampedusa expressa um ponto de vista conservador sobre o Risorgimento. Em 1860, Garibaldi luta no movimento de unificação da Itália. D. Fabrizio (Burt Lancaster) é um aristocrata que tenta manter o antigo modo de vida, apesar dos tempos de mudança. Para ele, a ascensão da burguesia é uma ameaça. Contudo, numa manobra astuta, combina o casamento do seu sobrinho Tancredi (Alain Delon) com Angélica (Claudia Cardinale), filha de um rico e influente administrador de propriedades. Fiel a seus valores, D. Fabrizio afirma: "A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude".
Certas coisas no Brasil também mudam para
continuar como estão. "Não há mais nada parecido com um saquarema do que
um luzia no poder", carimbou o político pernambucano Antônio Francisco de
Paula Holanda Cavalcanti de Albuquerque ao definir a política partidária da
elite brasileira no Segundo Reinado. Referia-se à atuação dos partidos Liberal
(luzias) e Conservador (saquaremas) durante o Segundo Reinado. Saquarema é o
nome do município fluminense onde o Visconde de Itaboraí tinha uma fazenda. Ali
o grupo conservador se reunia com frequência. Luzia era uma referência à
pequena cidade mineira de Santa Luzia, onde ocorreu a maior derrota dos
liberais nas revoltas de 1842.
Saquaremas e luzias tinham a mesma origem
social e muitos interesses comuns. Após o Golpe da Maioridade (1940), Dom Pedro
II resolveu mediar as disputas entre ambos e exercer seu poder moderador. Em
1853, essa política atingiu seu auge, com a formação do "Ministério da
Conciliação", liderado por Honório Carneiro Leão, o Marquês de Paraná, que
contou com a participação de conservadores e liberais, ainda que se
digladiassem nas províncias. Esse ministério deu estabilidade política ao país
e possibilitou avanços institucionais que seriam impossíveis num ambiente de
ferrenha disputa pelo poder, mas também serviu para prolongar no tempo o regime
de trabalho escravo.
Os saquaremas defendiam a centralização do
poder; os luzias pregavam a monarquia federativa, opondo-se ao Poder Moderador
e ao Senado vitalício, dominado pelos conservadores. Saquaremas dominaram o
Segundo Reinado; luzias, a República Velha. Seus líderes pensaram o Brasil, em
debates parlamentares, artigos de jornal, livros, brochuras, panfletos: Joaquim
Nabuco, Rui Barbosa, Campos Salles, Alberto Torres, para citar alguns. O centro
do debate era o papel do Estado no desenvolvimento e sua relação com a sociedade.
Metamorfose
Na história das nossas ideias políticas,
centralização do poder (autoritarismo) e descentralização (liberalismo) são um
tema central: idealistas orgânicos e idealistas utópicos; tradição
ibérica/estamento burocrático versus liberalismo irrealizado; autoritarismo
instrumental ou liberalismo doutrinário; iberistas e americanistas; idealistas
orgânicos e idealistas constitucionais. E os camaleões?
São répteis da família Chamaeleonidae e
incluem cerca de 195 espécies. Algumas são tão pequenas que medem apenas um
centímetro, enquanto outras podem medir até 60cm. Cada espécie de camaleão tem
suas cores e padrões. A mudança de cor é um meio de comunicação e não apenas de
camuflagem. Gostam de viver em cima de árvores e ficam parados esperando suas
presas, com sua grande língua protrátil e pegajosa, que pode atingir um metro
de distância. Seus olhos movem-se de maneira independente, num ângulo de até 180
graus. Qualquer semelhança com os políticos transformistas do nosso Congresso,
de todos os matizes, é mera coincidência.
No Brasil, hoje, não existe um projeto de
modernização capaz de forjar um novo consenso político nacional e incorporar a
grande massa da população. Estamos entre os modelos ultrapassados do
neoliberalismo e do nacional desenvolvimentismo, a dicotomia que dramatizou a
história recente da Argentina. A massa crítica intelectual e empresarial para
formular essa alternativa foi alijada da política. A maioria dos parlamentares
dedica-se à "transa" política, já não se orienta pelo bem comum, mas
pelos negócios. Tem narrativas voltadas para suas bolhas nas redes sociais.
Mas, como sempre, nem tudo está perdido. As instituições democráticas são robustas. As eleições são livres e respeitadas. Nas disputas municipais, a polarização extremada foi derrotada. Os partidos de centro, pragmáticos, saíram fortalecidos. E o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, supostamente enfraquecido, também já disse que é uma "metamorfose ambulante". O Centrão também tem seu valor para a sociedade. A velha "política de conciliação" manda um abraço.
Um comentário:
Começa com Cinema e termina com o Centrão,rs.
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