Valor Econômico
Exportações da China para o Brasil cresceram 24,9% de janeiro a outubro deste ano, a maior alta nas vendas para grandes parceiros
A criação de um mecanismo de diálogo rápido
com a China para monitorar disrupção nos fluxos de comércio entrou no radar, em
Brasília, refletindo a preocupação com uma escalada de guerra comercial a
partir de 2025.
As conversas com os chineses ganharam força
no pós-eleição de Donald Trump, com as suas ameaças de impor sobretaxas de 60%
sobre produtos chineses e de 20% sobre os de outros países e o risco de que
sejam reproduzidas por outros mercados relevantes. Não se esperava algo
concreto, ainda, na visita de Xi Jinping ao Brasil, ontem.
Se os Estados Unidos frearem a entrada de parte dos US$ 430 bilhões em produtos que importam da China a cada ano, as empresas chinesas tentarão, evidentemente, vendê-los para outros países, repetindo uma estratégia bem-sucedida quando Trump deflagrou a primeira guerra comercial, em 2018.
Um desvio de comércio já está ocorrendo em
carros elétricos. Sobretaxados nos EUA e na União Europeia, os veículos
elétricos chineses tomam o rumo de outros mercados, incluindo o Brasil, com
eventual dumping, deixando parceiros sem contrapartida de industrialização e na
mãos dos chineses.
A China ainda tem enorme capacidade de
fabricação e estoque. E, com esse excesso de bens, continua buscando mercados
externos.
Foi justamente para o Brasil que as
exportações da China mais cresceram neste ano, dentre os grandes parceiros: a
alta foi de 24,9% de janeiro a outubro deste ano, em relação ao mesmo período
do ano passado, pelas estatísticas chinesas. Em contrapartida, as exportações
brasileiras para a China ficaram estáveis (+0,3%). O saldo comercial continua
elevado do lado brasileiro.
O aumento de vendas da China para o Brasil em
2024 ocorre mesmo com uma forte defesa comercial acionada por Brasília. De 84
medidas antidumping em vigor, para combater preços deslealmente baixos que
prejudicariam a indústria nacional, 52 atingem produtos chineses (61,5% do
total). De 32 investigações em curso, 21 (52,3%) também visam a produtos
chineses.
Outro cenário em que o Brasil pode sofrer
dano colateral é com um entendimento entre Trump e Xi Jinping para evitar
aprofundamento de guerra comercial entre as duas maiores economias. Exigências
de Washington para mais vendas agrícolas poderiam levar Pequim a comprar mais
milho dos americanos, por exemplo, produto que o Brasil passou a vender muito
para o mercado chinês nos últimos anos.
O Brasil pode ser afetado também em outros
mercados com atitude mais truculenta de Trump com seus próprios aliados. Basta
ver o que ocorreu com o etanol no Japão durante a primeira guerra comercial de
Trump. Tóquio alterou as especificações técnicas do produto, por pressão dos
americanos, para induzir mais importação dos EUA, tomando fatias do produto
brasileiro. Isso foi só parcialmente revertido depois que Trump perdeu a
eleição, há quatro anos. Agora, outros aliados podem tentar agradá-lo na mesma
linha.
Bem além do comércio, é alinhamento
geopolítico que está sobre a mesa. Mauricio Claver-Carone, ex-presidente do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e que assessora Trump, propôs que
qualquer mercadoria embarcada em porto controlado pela China na América Latina
seja submetida às mesmas sobretaxas de 60% prometidas para produtos chineses.
Seria uma advertência no rastro da inauguração do porto de Chancay, no Peru,
pelo presidente Xi Jinping. Se essa ideia prosperar em Washington, interesses
chineses no Brasil em infraestrutura seriam alvejados em algum momento.
Mesmo sem Trump, a Ásia implementa
gradualmente uma série de mega-acordos que irão gerar desvio de comércio em
desfavor de exportações brasileiras e de investimentos que o país gostaria de
atrair.
A guerra tarifária acenada por Trump e a
resposta dos governos estrangeiros e dos mercados de câmbio moldarão o comércio
global e os resultados do fluxo de investimentos diretos estrangeiros (IDE),
concordam certos especialistas.
Ou seja, o comércio mundial poderá acelerar a
mudança de paradigma. Não são mais as regras definidas na Organização Mundial
do Comércio (OMC) que irão realmente reger as trocas. A visão de Trump é de
impor negociações ou exigências bilaterais, país por país, também em função de
afinidades com os dirigentes ou interesses geopolíticos.
Javier Milei, da Argentina, já foi a Miami
pedir a Trump a negociação de um acordo comercial, ignorando regras do
Mercosul. Poderia obter algumas concessões comerciais, pelo menos para um jogo
de cena com seu melhor amigo.
A situação não é “business as usual”.
Comércio administrado tende a aparecer mais.
Um mecanismo de diálogo rápido entre o Brasil
e a China poderá ajudar a evitar o pior e, eventualmente, fazer ajustes para
frear mais turbulências no comércio.
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