Folha de S. Paulo
Sua estátua fica em Copacabana, mas o canto
do poeta no Rio era o vão de pilotis do Palácio Capanema
Todo mundo sabe – principalmente os ladrões de óculos – que a estátua de Carlos Drummond de Andrade fica na avenida Atlântica. Obra do artista Leo Santana inspirada em foto de Rogério Reis, foi inaugurada em 2002, no centenário do poeta. Uma escolha de lugar perfeita, o que nem sempre ocorre com homenageados. Drummond está sentado num banco, de pernas cruzadas e de costas para a praia. Morando havia muitos anos entre Copacabana e Ipanema, já não se espantava com o mar.
Em 1944, Carlos, o funcionário público,
entrou pela primeira vez no Palácio Capanema, a sede do Ministério da
Educação no Castelo. Trabalhou no prédio durante quase 30 anos.
Escreveu no seu diário: "Lá embaixo, no jardim suspenso do Ministério, a
estátua de mulher nua de Celso Antônio, reclinada, conserva entre o ventre e as
coxas um pouco da água da última chuva, que os passarinhos vêm beber, e é uma
graça a conversão do sexo de granito em fonte natural".
No documentário "O Fazendeiro do Ar", de Fernando Sabino e David Neves, o burocrata
irreverente aparece e desaparece num esconde-esconde entre as pilastras do
Capanema. No recém-lançado "A Intensa Palavra" —seleção de crônicas
inéditas em livro publicadas no Correio da Manhã entre 1954 e 1969—, Drummond
flagra no Castelo um menino de 10 anos vendedor de limão soluçando com a cabeça
entre as mãos: "O rapa levou meus limões e arrebentou o caixote".
O Palácio Capanema —que escapou por pouco da arquitetura de destruição
promovida no governo Bolsonaro— será reaberto após 10 anos. Não há estátua de
Drummond, mas quem olha o vão de pilotis e a fachada com azulejos de Portinari
percebe uma sombra feliz.
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