Folha de S. Paulo
Nosso problema não é a polarização do
discurso dos políticos, mas a esmagadora polarização social
Viradas de ano são intervalos dedicados a
mensagens aspiracionais utópicas. Ninguém as leva a sério, inclusive seus
autores. Previsivelmente, este 2025 começou com o chamado, dirigido aos
políticos, pelo fim da polarização.
A súplica não será atendida —mas, de qualquer forma, erra o alvo.
O discurso polarizador tornou-se estratégia política: um cálculo frio sobre ganhos eleitorais. Não é de agora. "Nós contra eles" forma uma gramática da política populista desde o século 19. O PT a exercita há décadas –e chegou ao poder nas suas asas. Bolsonaro e os seus a conduziram até um ápice, na tentativa de preparar a ruptura da ordem democrática. Nenhum dos campos rivais desistirá da ferramenta, ao menos enquanto ela produzir os resultados almejados.
O ponto relevante é outro: a contaminação das
relações sociais pela polarização que percola da superfície partidária.
Ilustração didática: os comentários de leitores à notícia sobre as ameaças de um
policial contra a jornalista Natuza Nery num supermercado paulistano.
Há, claro, uma maioria que, constatando o óbvio, solicita a punição do
agressor. Contudo, refletindo uma doença social, sobram os praticantes de
fuzilamentos simbólicos.
Na defesa do policial delinquente, emergem
expressões como "ratos vermelhos" e "ratos corruptos",
versão bolsonarista do "gusanos" castrista. Um valente chega a
escrever que, diante de um jornalista da Globo, faria "o mesmo que esse
policial". Em linha similar, mas simulando condenar a agressão, alguns
opinam que, na condição de figura pública, a jornalista fica "sujeita a
esse tipo de importunação".
O "outro lado", digamos assim,
sai-se melhor –mas nem tanto. Dele, emana o mais clássico chavão,
"nazifascismo", aplicado genericamente a rivais políticos de Lula.
Hitler, nada menos. No auge do delírio, saudoso do "controle social da
mídia", um pensador profundo declara que "a Folha de
S.Paulo é culpada por isso" pois "alimenta a direita" e
"sempre foi neonazista".
De acordo com um clichê, a sociedade
brasileira nunca foi tão "politizada". De fato, é o contrário. A
febre de proclamações políticas obtusas que escorrem pelas redes sociais e
contaminam as conversas cotidianas, no bar ou à mesa de jantar, evidencia o
fenômeno da despolitização social.
Hannah
Arendt percebeu que um traço singular do totalitarismo encontra-se
na colonização das instituições sociais e da vida privada pela política.
"Tudo é político!" –o lema compartilhado por extremistas de direita e
esquerda, pregadores religiosos e militantes identitários foi inventado pelos
regimes consagrados ao extermínio radical da divergência política.
O sistema democrático caracteriza-se, em
tempos normais, pela segregação da política aos processos eleitorais e às
manifestações reivindicatórias. As pessoas esperam que o governo administre as
coisas, fugindo à tentação de administrar as mentes. Votam, às vezes protestam
nas ruas. Fora disso, querem que os políticos as deixem em paz, com seus amigos
e afetos, seus hobbies e suas diversões.
Nosso problema não é a polarização do
discurso dos políticos, mas a esmagadora polarização
social. Ou, dito de outro modo, a despolitização radical do discurso
político das pessoas comuns. Tempos anormais. Feliz 2025.
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