sábado, 4 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

8 de janeiro, o nosso "Dia da Infâmia"

Correio Braziliense

Em 8 de janeiro de 2023, uma horda de radicalizados, mobilizada por agitadores profissionais, invadiu e depredou as sedes dos Três Poderes, declarando guerra à democracia brasileira

Em 8 de dezembro de 1941, o então presidente Franklin Roosevelt proferiu aquele que ficou conhecido como o "Discurso da Infâmia", em uma sessão conjunta do Capitólio. Vinte e quatro horas antes, o Japão atacara as bases militares norte-americanas em Pearl Harbor, no Havaí, e nas Filipinas — em declaração de guerra aos Estados Unidos e ao Império Britânico. Em 8 de janeiro de 2023, uma horda de radicalizados, mobilizada por agitadores profissionais, invadiu e depredou as sedes dos Três Poderes, declarando guerra à democracia brasileira.

Naquele domingo, na redação deste Correio Braziliense, os jornalistas se reuniram entre aturdidos com o vandalismo e desconfiados de que o ataque não era gesto isolado de extremismo político. A única certeza que tinham era de que estavam diante de um momento tristemente histórico. Aos poucos, foi ficando claro que aqueles ensandecidos eram parte de uma sequência programada de agressões e tumultos que vinha desde o segundo turno da eleição presidencial, em outubro de 2022.

A fileira de eventos mostrava o Estado Democrático de Direito em perigo. Na data do segundo turno, eleitores do Nordeste tiveram o direito ao voto prejudicado por blitze da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Decretado o resultado, estradas pelo país foram bloqueadas por indivíduos inconformados com o que as urnas eletrônicas trouxeram. Em 12 de dezembro de 2022, data da diplomação do presidente eleito, um quebra-quebra assustou Brasília, com veículos incendiados e tentativa de invasão da sede da Polícia Federal (PF). Na véspera do Natal, houve a frustrada explosão de uma bomba, colocada em um caminhão-tanque estacionado próximo ao aeroporto da capital. Somam-se ainda multidões nas portas dos quartéis do Exército, pedindo intervenção militar com discursos, faixas e cartazes.

A PF ligou os pontos. A reação da Justiça veio na medida da extensão da ameaça: prisões e condenações a altas penas por solaparem a democracia com métodos violentos. E mais: militares de alta patente estão presos por arquitetarem o golpe; personagens da política estão intranquilos em relação ao futuro; e tenta-se levar adiante, no Congresso, uma desonrosa anistia, em clara afronta ao Judiciário e à decência.

Na próxima quarta-feira, nosso "Dia da Infâmia" completa dois anos. Seu significado está muito acima de qualquer discurso. Os democratas, independentemente da corrente política, se lembrarão da data com consternação. Já aqueles que insistem na risível falácia de que foi uma "revolta popular" precisam ser observados cada vez mais de perto.

Prefeituras não devem ceder a populismo tarifário

O Globo

Apesar de impopular, reajuste de tarifas é necessário para manter transporte público funcionando

Passadas as eleições, pelo menos sete capitais brasileiras reajustaram as passagens de ônibus neste início de ano. Em São Paulo, onde a tarifa estava congelada desde janeiro de 2020, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) promoveu aumento de R$ 4,40 para R$ 5. Parlamentares do PSOL moveram ação para sustá-lo, mas o Tribunal de Justiça manteve a decisão. No Rio, Eduardo Paes (PSD) autorizou reajuste de R$ 4,30 para R$ 4,70 (o último ocorrera em 2023). Em Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD) subiu de R$ 5,25 para R$ 5,75 o valor das linhas convencionais (o último aumento acontecera em dezembro de 2023, depois de quatro anos de congelamento).

Não há dúvida de que se trata de medida impopular, com potencial para gerar insatisfação no eleitorado e com impacto inevitável na inflação. Mas os gestores não devem titubear em cumprir os contratos, como em qualquer serviço público. Praticar o populismo tarifário pode até render votos, mas só contribui para deteriorar ainda mais o transporte e aumentar as já sobrecarregadas despesas do município, num momento em que as prefeituras enfrentam desafio fiscal em nada diferente do encarado pelo governo federal.

O transporte, serviço essencial para os cidadãos, não deve ser tratado com base em critérios políticos, evitando reajustes em anos eleitorais e mantendo congelamentos insustentáveis. Como qualquer outra atividade, ele tem custo: funcionários, combustível, manutenção, renovação da frota, depredações — tudo isso representa despesas que aumentam ano a ano. Por isso os contratos preveem reajustes anuais.

É um erro imaginar que a população é beneficiada quando os gestores represam as tarifas, assim como são ilusórias as ideias de passe livre, tarifa zero e outras demagogias. O custo não deixa de existir, e alguém tem de pagar por ele. Em geral, o conjunto da população, mesmo aqueles que não viajam de ônibus, por meio de seus impostos. Para manter essas políticas eleitoreiras, as prefeituras gastam em subsídios recursos que poderiam ser destinados a outras áreas. No ano passado, São Paulo transferiu R$ 6,7 bilhões às empresas como compensação tarifária (o custo total do sistema foi de R$ 11,4 bilhões). O Rio gastou R$ 1,3 bilhão com subsídios à tarifa em 2024.

Mexer com tarifa de ônibus é sempre um tema sensível. Ainda reverberam os ecos de junho de 2013, quando protestos contra o aumento de R$ 0,20 no transporte público em São Paulo se espalharam pelo país, abarcando todo tipo de reivindicação e ganhando contornos de convulsão social. Mas os reajustes de tarifa não podem ficar condicionados ao humor dos passageiros. Nenhuma empresa privada se interessaria por operar um serviço cuja remuneração não cobre os custos de funcionamento.

Historicamente, a opção pelo modelo rodoviário fez dos ônibus protagonistas no transporte brasileiro. A despeito da hegemonia, em muitas cidades eles deixam a desejar, com veículos velhos, desconfortáveis, barulhentos e quase sempre lotados. Uma tarifa justa, para usuários e empresas, é fundamental para melhorar e manter a qualidade do serviço. Políticas públicas com foco nos mais necessitados, como bilhete único e integração entre vários meios de transporte, sempre serão mais eficazes que o populismo tarifário sem freios.

Apenas mobilização popular global será capaz de conter risco nuclear

O Globo

Desde a Segunda Guerra, nunca humanidade esteve tão próxima de conflito com armas atômicas

O Ano-Novo começou com os tradicionais votos de paz no mundo todo. Mas, infelizmente, voltou a pairar sobre o planeta o espectro da guerra nuclear. Em novembro, Vladimir Putin sancionou uma nova doutrina nuclear, permitindo o uso de armas atômicas diante da “agressão contra a Federação Russa por Estados não nucleares, com apoio de um Estado nuclear”. Foi mantida uma menção à proteção da “soberania”, critério que pode ser usado ao sabor das conveniências. Ninguém tem dúvida de que é um texto sob medida para justificar eventuais ataques à Ucrânia, apoiada por Estados Unidos e União Europeia na guerra com a Rússia. A nova doutrina aumentou as chances de Putin apertar o botão vermelho.

Embora o conflito russo-ucraniano seja o caso mais crítico, outras regiões também preocupam. Depois da nuclearização de Índia, Paquistão e da totalitária Coreia do Norte, o Irã é o país mais próximo de obter a bomba, apesar dos esforços do Ocidente — sobretudo de Israel e Estados Unidos — para evitar a ameaça de uma teocracia nuclear em pleno Oriente Médio. O arsenal chinês cresceu de 200 para 600 ogivas desde 2020 e poderá chegar a mil até 2030, de acordo com relatório do Pentágono. Em sua mensagem de Ano-Novo, Xi Jinping afirmou que a reunificação da China com Taiwan — estopim provável para um conflito bélico com o Ocidente — é “inevitável”. Países como Japão e Coreia do Sul, antes confiantes no poder dissuasório de seus aliados, passaram a falar em obter a bomba.

“Todas essas situações aumentam a probabilidade de que armas nucleares possam ser usadas”, disse ao GLOBO o físico Steve Fetter, da Universidade de Maryland, integrante do Boletim de Cientistas Atômicos, responsável pelo Relógio do Juízo Final, iniciativa que avalia quão perto do apocalipse nuclear está o planeta. Na última edição, faltavam 90 segundos até a “meia-noite” fatal, menor intervalo já registrado desde a criação do relógio, em 1947 (em 1991, faltavam 17 minutos).

Entre as potências nucleares, a situação não é nada tranquilizadora. Reportagem do GLOBO estima haver 12.100 ogivas nucleares no planeta, 90% em poder de russos e americanos. É menos de um quinto do que havia no auge da Guerra Fria, mas só as 4 mil prontas para uso imediato já seriam suficientes para destruir a Terra várias vezes. O último acordo nuclear entre Estados Unidos e Rússia expirará em fevereiro de 2026 e, pela primeira vez desde 1974, os dois países nem sequer conseguem conversar sobre o assunto.

Mesmo armas nucleares “táticas” têm hoje capacidade de destruição muitas vezes maior que as bombas que aniquilaram Hiroshima e Nagasaki, as únicas já usadas em guerras na História. Não basta um esforço diplomático global para conter o risco. Continua fundamental a vigilância do ecossistema de controle nuclear, além da mobilização das incontáveis entidades e organizações da sociedade civil que tratam do assunto. Mais que isso, é essencial a pressão popular em escala mundial para que o pior não aconteça. O tema precisa voltar a ganhar as ruas.

Saída de dólares precisa acender alerta no governo

Folha de S. Paulo

Com retirada de US$ 24,3 bilhões em dezembro, descrédito na política econômica torna o país e o real mais vulneráveis

Em dezembro do ano recém-encerrado, o país passou por uma reviravolta no balanço de entrada e saída de recursos em dólares. De janeiro a novembro, o saldo era positivo, com a entrada líquida de quase US$ 8,4 bilhões. Ao final de 2024, faltando computar apenas os dados de 30 de dezembro, a conta estava em um vermelho de quase US$ 16 bilhões.

Foi a maior inversão de rota ao menos desde as turbulências da estabilização da economia em 1995, após o Plano Real.

Trata-se aqui do chamado fluxo cambial —isto é, a diferença entre as divisas que entram e saem pelos canais do comércio exterior (exportações e importações) e financeiro (remessas de lucros e dividendos, aplicações financeiras, turismo e outros).

No último mês do ano, a fuga de dólares foi brutal, de US$ 24,3 bilhões, resultado de saídas de US$ 26 bilhões pelo canal financeiro e entradas de US$ 1,7 bilhão pelo canal comercial.

Não por acaso, a cotação da moeda americana ultrapassou o patamar de R$ 6, a despeito da venda de mais de US$ 30 bilhões das reservas e de um choque de juros por parte do Banco Central.

São usuais saldos negativos nesse período, dadas as remessas feitas por empresas e fundos de investimentos. Neste ano, os fluxos teriam sido atípicos, no dizer do comando do BC, devido a bons resultados das companhias em um ano de expansão surpreendente do Produto Interno Bruto.

Fato é que a reviravolta de 2024 ocorreu ao mesmo tempo em que disparou a desconfiança em relação à política econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em particular no que diz respeito às contas públicas.

A deterioração começara por volta de abril, devido a perspectiva de juros altos por mais tempo e dólar forte nos EUA e ao risco fiscal ampliado pelo afrouxamento das metas para os saldos do Tesouro Nacional. O descrédito, no entanto, deu um salto no final de novembro, com a péssima repercussão do plano frágil de contenção de gastos do Planalto.

É inevitável associar a debandada dos dólares ao tumulto financeiro provocado pela piora das expectativas para a inflação, os juros e a dívida pública. Este janeiro pode ajudar a dimensionar essa causalidade: com o fim do efeito sazonal, a partir de meados do mês, o normal seria o fluxo parar de piorar, ao menos —isso se o início do governo de Donald Trump nos EUA não envenenar um tanto mais o ambiente.

Deterioração adicional, superior à verificada em outros emergentes, significará que a irresponsabilidade orçamentária da administração petista causa ainda mais danos, com desvalorização extra do real, riscos maiores de inflação, altas de juros no mercado, crescimento econômico perigosamente menor e frustração da receita de impostos.

Dadas tais ameaças, não convém permitir que se teste a hipótese sobre a fuga de capitais. O governo precisa reconhecer os erros e agir, já com grande atraso.

Êxodo paulistano mostra nova dinâmica urbana

Folha de S. Paulo

População da maior metrópole do país encolhe, com impulso da busca por melhores condições de vida em cidades vizinhas

Habituada a surtos de expansão populacional desordenada desde o fim do século 19, sob o impulso do ciclo do café, das migrações e da industrialização acelerada, uma das maiores megalópoles do planeta aparenta, enfim, estar perdendo fôlego demográfico.

Após atingir o pico de 11,5 milhões de habitantes em 2019, a população da cidade de São Paulo vem encolhendo —o que não ocorria há pelo menos um século.

Segundo dados da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), a capital paulista registra nos últimos anos uma queda sutil, porém consistente, de 0,7% entre 2019 e 2023 (ou cerca de 80 mil pessoas a menos).

A três semanas de festejar os 471 anos de sua fundação, o município ostenta o título de mais caro do país e avançou 28 posições numa lista mundial de 226 cidades campeãs em custo de vida (atualmente ocupa o 124º lugar).

O discreto êxodo urbano tem suas razões. A pandemia de Covid impeliu moradores abastados para regiões adjacentes, com a conveniência do home office, mas também elevou o número de óbitos. O envelhecimento da população —com baixas taxas de natalidade— tem estimulado a busca por maior qualidade de vida em municípios menores.

A hipótese mais mencionada por analistas, contudo, é mesmo a questão econômica. A escalada do custo de vida, influenciada mais recentemente por inflação pressionada e alta do dólar, amplia os dispêndios com mobilidade, alimentação, saúde e serviços diversos em uma metrópole adensada e desigual.

O advento do trabalho remoto oferece a muitas famílias a oportunidade de viver nas cercanias de São Paulo —ainda com uma renda paulistana, mas menos despesas com mensalidades escolares, moradia e lazer, sem falar da sensação de segurança.

O desejo de respirar novos ares seduz a maioria: com medo da violência, 55% deixariam São Paulo se pudessem, indicou pesquisa Datafolha de 2022.

A ironia dessa movimentação inusual é que a alta dos preços também já começa a acompanhar os novos moradores, sobretudo na especulação imobiliária em cidades próximas no interior.

fenômeno da conurbação, quando há fusão entre duas ou mais cidades e forma-se uma grande mancha urbana contínua, está em franco desenvolvimento num eixo de 100 km entre as duas maiores regiões metropolitanas do estado, São Paulo e Campinas.

No caso paulista, parece romper fronteiras geográficas e econômicas, com impacto considerável no bolso de residentes.

O ‘Estadão’ e o jornalismo como causa

O Estado de S. Paulo

Este jornal chega aos 150 anos fiel a seu propósito inaugural: a defesa irrenunciável da liberdade, adaptando-se aos desafios de seu tempo sem jamais abandonar seus princípios editoriais

A publicação de um jornal manifestamente republicano em 4 de janeiro de 1875 foi, antes de qualquer coisa, um ato de extrema coragem de seus fundadores, em particular de Américo de Campos, Francisco Rangel Pestana e, pouco depois, Júlio Mesquita. Escrutinar o poder da Coroa foi apenas o primeiro dos inúmeros desafios que o futuro reservava para aquele então modesto periódico.

Recorde-se que, quando este jornal circulou pela primeira vez, há exatamente 150 anos, o Brasil vivia sob o regime monárquico. Aqui não havia cidadãos, mas súditos. Logo, não havia igualdade de todos perante a lei, muito ao contrário: havia escravidão. São Paulo era uma província com cerca de 837 mil habitantes, de acordo com o Censo de 1872. Daí o seu primeiro nome, A Província de São Paulo.

A Província de São Paulo também ganhou as ruas naquela segunda-feira como uma profissão de fé, uma afirmação de valores que, quando materializados em ações – seja pelo poder público, seja pela iniciativa privada –, têm o condão de fazer do Brasil um país mais livre, justo e próspero para todos. Um século e meio depois, o distinto leitor encontra em cada um dos editoriais publicados por este jornal a defesa aguerrida dos mesmíssimos compromissos assumidos em sua edição inaugural. Não por recalcitrância, mas por firmeza na crença de que a defesa da liberdade, em suas múltiplas dimensões, é irrenunciável e imune ao transcurso do tempo.

A rigor, a fundação deste jornal foi o desdobramento natural de um movimento cívico que culminaria, 13 anos depois, na abolição da escravidão no País e, logo em seguida, na Proclamação da República. Foi a partir desse evento que São Paulo deixou de ser uma província e o jornal adotou o nome pelo qual é conhecido até hoje: O Estado de S. Paulo.

Além da coragem, a marca deste jornal hoje sesquicentenário é a independência. Para servir à causa da liberdade e do respeito às leis, o Estadão se estabeleceu como uma empresa jornalística financiada por seus próprios meios. Só assim estaria livre para exercer um jornalismo profissional e independente, de modo a estar “em posição de escapar às interposições do governo, às paixões partidárias e às seduções inerentes aos que aspiram ao poder”, como enunciado já no primeiro editorial.

Desde então, o Estadão tem se adaptado a cada um dos desafios de seu tempo ao longo desses 150 anos, mantendo-se na vanguarda do jornalismo, mas sem jamais abandonar seus princípios fundadores e compromissos editoriais. Aquele jornal logo passaria para as rotativas elétricas para se firmar como um jornal moderno e dinâmico não apenas para São Paulo, mas para o Brasil.

Do papel às plataformas digitais, do linotipo aos algoritmos, este jornal registrou e absorveu todas as transformações dos meios de comunicação para continuar a cumprir o seu dever de informar a sociedade com rigor técnico, ética e respeito à verdade factual. Assim era no início, assim é hoje e assim sempre será.

A chamada revolução tecnológica trouxe inúmeros desafios. O Estadão, ao invés de receá-los, abraçou as novas possibilidades e adaptou-se a cada uma das demandas da sociedade do século 21, criando versões digitais de suas publicações, aumentando os investimentos em jornalismo de dados e, não menos importante, incorporando a excelência de sua produção editorial às novas plataformas audiovisuais a fim de diversificar os meios pelos quais chega até os seus leitores.

Quando pisou na redação de A Província de São Paulo pela primeira vez, ainda como redator, em 1888, Júlio Mesquita encontrou um jornal que tinha exatos 904 assinantes. Em 1927, ano de sua morte, 48.638 pessoas pagavam para receber O Estado de S. Paulo todos os dias em casa, como registra Jorge Caldeira, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras, em sua portentosa obra Júlio Mesquita e Seu Tempo (2015).

Essa extraordinária transformação de um periódico provinciano no jornal que o Estadão é hoje é a prova maior de que firmeza de propósito, respeito aos fatos e compromisso com a democracia e com o desenvolvimento do Brasil não saem de moda e ainda compensam.

O fim melancólico da Sete Brasil

O Estado de S. Paulo

Falência da empresa criada no segundo governo de Lula para ser a única fornecedora do pré-sal é comprovação de que não há mais lugar no País para delírios intervencionistas

Depois de oito anos e meio de um infrutífero processo de recuperação judicial, a Sete Brasil teve falência decretada pela Justiça. Em sua sentença, o juiz Luiz Alberto Carvalho Alves, da 3.ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, entendeu que a empresa “não apresenta mais condições para seu soerguimento” e mencionou ter sido constatada uma inadimplência praticamente integral da dívida calculada hoje em R$ 36 bilhões: 99,9614% dos créditos não foram pagos.

A Sete ainda pode recorrer da decisão em instância superior, mas o enorme prejuízo acumulado e a inoperância da empresa indicam que este seja, de fato, o fim melancólico de um projeto irreal e megalômano que coroou o igualmente megalomaníaco segundo mandato de Lula da Silva. Maravilhado com a descoberta do pré-sal, Lula fez da Petrobras o cerne de uma política nacional-desenvolvimentista que por pouco não colocou a própria petroleira no caminho da bancarrota.

Talvez a melhor síntese daquela época de devaneios – e corrupção – em série seja mesmo a Sete, criada do zero em 2010 a partir da obsessão do próprio Lula em transformar, num estalar de dedos, o Brasil numa potência industrial que ditaria os rumos da economia mundial. Do País sairiam navios portentosos e uma enxurrada de combustíveis refinados com tecnologia revolucionária, por meio de projetos bilionários embalados em um discurso ufanista que lembrava a campanha “O petróleo é nosso”, da era Vargas.

O governo conduziu fundos de pensão de estatais e bancos públicos e privados a se associarem à Petrobras, que seria minoritária na empresa para conferir-lhe um status privado. Para começar, de uma só tacada, 28 navios-sonda foram encomendados por um valor que correspondia, então, à metade de todo o orçamento da Petrobras. Depois de anos, a muito custo, apenas quatro foram entregues.

Durante as investigações da Operação Lava Jato – cujas decisões judiciais vêm sendo desmontadas pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal –, delações dos ex-funcionários da Petrobras João Carlos Ferraz e Pedro Barusco, que integravam a diretoria da Sete Brasil, indicaram que a mesma circulação de propinas que ocorria na Petrobras era replicada na nova empresa. O chamado “petrolão” foi um escândalo que tomou de arrasto a Petrobras e a levou ao patamar de empresa mais endividada do mundo, situação que exigiu uma rigorosa mudança nas regras de governança da empresa.

A corrupção, comprovada em depoimentos de tantos envolvidos no caso, foi um enorme prejuízo para empresa, mas a maior perda decorreu do modelo defendido por Lula da Silva, de tornar o Estado o indutor da economia – modelo este em que a Petrobras foi usada como braço do governo. Não cabe ao Estado brasileiro escolher as empresas “campeãs nacionais”, como fez o lulopetismo utilizando o BNDES; não cabe ao Estado impor a uma companhia de capital misto, como a Petrobras, projetos como o Comperj e a Refinaria Abreu e Lima, que juntos consumiram dezenas de bilhões de dólares e se mostraram um fiasco; não cabe ao Estado ditar a estratégia negocial de empresas privadas, como a Vale.

O quinto mandato do PT na Presidência da República tem sido menos voraz na relação com as empresas não por uma mudança conceitual, mas sim pelo trauma causado, principalmente, pelos horrores da década de 2010. Mesmo assim, o caráter intervencionista do lulopetismo se mostra presente em decisões como o incentivo à indústria naval, exigência de conteúdo local e a retomada de investimentos da Petrobras que já se mostraram deficitários, como os projetos em fertilizantes, uma ideia fixa de Lula, para os quais a companhia vai destinar US$ 900 milhões (em torno de R$ 5,4 bilhões), de acordo com seu plano estratégico recentemente divulgado.

Quando a Sete Brasil pediu recuperação judicial, em 2016, sua dívida era estimada em torno de R$ 19 bilhões. Hoje, é quase o dobro desse valor. A agonia da empresa, criada a partir de um arroubo irresponsável, é a prova de que não há mais lugar para delírios ufanistas que acabam sendo pagos por toda a sociedade.

A batalha do consignado

O Estado de S. Paulo

Sem acompanhar avanço da Selic, consignado para aposentados corre risco de extinção

O Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) vai se reunir agora em janeiro para tratar do teto de juros no crédito consignado para aposentados, atualmente em 1,66% ao mês, patamar baixo e cada vez mais defasado por conta da trajetória de alta da taxa Selic. O teto atual, no qual não se mexe desde junho de 2024, já é bastante limitado, o que na prática fez com que bancos privados, e também os públicos, tenham reduzido a oferta do produto em correspondentes bancários, por exemplo.

Em tese, toda vez que a Selic sofre alteração, o teto do consignado é ajustado. No entanto, apesar de o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central ter elevado por três vezes os juros de referência da economia brasileira no segundo semestre, em setembro, novembro e em dezembro, para os atuais 12,25%, o teto do consignado ficou congelado.

Os bancos, que já vinham sinalizando para o governo que o teto baixo compromete a oferta desse tipo de financiamento, alertam agora que, sem ajustes, a concessão de crédito consignado torna-se inviável mesmo em canais próprios de distribuição. Como o Copom já indicou que promoverá mais duas altas de 1 ponto porcentual cada em suas primeiras reuniões de política monetária no início de 2025, a questão do teto do consignado torna-se ainda mais relevante.

Criado em 2003, no primeiro mandato de Lula da Silva, o crédito consignado para aposentados converteu-se em um cabo de guerra entre governo e bancos nesta terceira passagem do petista pelo Planalto.

Para muitos aposentados, a contratação do consignado é o que torna possível fechar as contas do mês; para os bancos, esse tipo de empréstimo pessoal é vantajoso porque praticamente elimina o risco de inadimplência, uma vez que as parcelas do financiamento são descontadas diretamente da folha de pagamento do beneficiado.

A insistência do governo Lula, porém, em facilitar o acesso ao crédito – leia-se, pressão para que os bancos ignorem custos de operação e métricas de inadimplência e disponibilizem juros camaradas – vem gerando uma série de ruídos.

No ano passado, o CNPS, liderado pelo ministro da Previdência, Carlos Lupi, teve de voltar atrás após reduzir abruptamente o teto do consignado de 2,14% para 1,70%, o que fez com que os bancos, até mesmo a Caixa e o Banco do Brasil, interrompessem a oferta do produto. Após a reação, o governo fixou o teto, à época, em 1,97%.

No início de 2024, quando o Copom ainda promovia cortes na Selic, o CNPS seguia os passos da autoridade monetária e reduzia o teto do consignado. Agisse com coerência, e pensasse nos aposentados, o órgão ajustaria o teto para cima agora que a Selic voltou a subir.

Embora ninguém fique satisfeito pagando juros mais altos, sem a adequação das taxas, os bancos podem interromper de vez a disponibilidade do consignado, uma vez que não são obrigados a operar no prejuízo. Ao CNPS, cabe elevar o teto, impedindo que o consignado deixe de ser uma opção disponível para aposentados e pensionistas. Pior para os aposentados será se, na ausência do consignado, tiverem de recorrer a opções mais caras, como o crédito pessoal ou, pior, os agiotas.

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