8 de janeiro, o nosso "Dia da Infâmia"
Correio Braziliense
Em 8 de janeiro de 2023, uma horda de radicalizados, mobilizada por agitadores profissionais, invadiu e depredou as sedes dos Três Poderes, declarando guerra à democracia brasileira
Em 8 de dezembro de 1941, o então presidente Franklin Roosevelt proferiu aquele que ficou conhecido como o "Discurso da Infâmia", em uma sessão conjunta do Capitólio. Vinte e quatro horas antes, o Japão atacara as bases militares norte-americanas em Pearl Harbor, no Havaí, e nas Filipinas — em declaração de guerra aos Estados Unidos e ao Império Britânico. Em 8 de janeiro de 2023, uma horda de radicalizados, mobilizada por agitadores profissionais, invadiu e depredou as sedes dos Três Poderes, declarando guerra à democracia brasileira.
Naquele domingo, na redação deste Correio Braziliense, os jornalistas se reuniram entre aturdidos com o vandalismo e desconfiados de que o ataque não era gesto isolado de extremismo político. A única certeza que tinham era de que estavam diante de um momento tristemente histórico. Aos poucos, foi ficando claro que aqueles ensandecidos eram parte de uma sequência programada de agressões e tumultos que vinha desde o segundo turno da eleição presidencial, em outubro de 2022.
A fileira de eventos mostrava o Estado Democrático de Direito em perigo. Na data do segundo turno, eleitores do Nordeste tiveram o direito ao voto prejudicado por blitze da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Decretado o resultado, estradas pelo país foram bloqueadas por indivíduos inconformados com o que as urnas eletrônicas trouxeram. Em 12 de dezembro de 2022, data da diplomação do presidente eleito, um quebra-quebra assustou Brasília, com veículos incendiados e tentativa de invasão da sede da Polícia Federal (PF). Na véspera do Natal, houve a frustrada explosão de uma bomba, colocada em um caminhão-tanque estacionado próximo ao aeroporto da capital. Somam-se ainda multidões nas portas dos quartéis do Exército, pedindo intervenção militar com discursos, faixas e cartazes.
A PF ligou os pontos. A reação da Justiça veio na medida da extensão da ameaça: prisões e condenações a altas penas por solaparem a democracia com métodos violentos. E mais: militares de alta patente estão presos por arquitetarem o golpe; personagens da política estão intranquilos em relação ao futuro; e tenta-se levar adiante, no Congresso, uma desonrosa anistia, em clara afronta ao Judiciário e à decência.
Na próxima quarta-feira, nosso "Dia da Infâmia" completa dois anos. Seu significado está muito acima de qualquer discurso. Os democratas, independentemente da corrente política, se lembrarão da data com consternação. Já aqueles que insistem na risível falácia de que foi uma "revolta popular" precisam ser observados cada vez mais de perto.
O Globo
Apesar de impopular, reajuste de tarifas é
necessário para manter transporte público funcionando
Passadas as eleições, pelo menos sete
capitais brasileiras reajustaram as passagens de ônibus neste início de ano.
Em São Paulo,
onde a tarifa estava congelada desde janeiro de 2020, o prefeito Ricardo Nunes (MDB)
promoveu aumento de R$ 4,40 para R$ 5. Parlamentares do PSOL moveram ação para
sustá-lo, mas o Tribunal de Justiça manteve a decisão. No Rio, Eduardo Paes (PSD)
autorizou reajuste de R$ 4,30 para R$ 4,70 (o último ocorrera em 2023). Em Belo
Horizonte, Fuad
Noman (PSD) subiu de R$ 5,25 para R$ 5,75 o valor das linhas
convencionais (o último aumento acontecera em dezembro de 2023, depois de
quatro anos de congelamento).
Não há dúvida de que se trata de medida impopular, com potencial para gerar insatisfação no eleitorado e com impacto inevitável na inflação. Mas os gestores não devem titubear em cumprir os contratos, como em qualquer serviço público. Praticar o populismo tarifário pode até render votos, mas só contribui para deteriorar ainda mais o transporte e aumentar as já sobrecarregadas despesas do município, num momento em que as prefeituras enfrentam desafio fiscal em nada diferente do encarado pelo governo federal.
O transporte, serviço essencial para os
cidadãos, não deve ser tratado com base em critérios políticos, evitando
reajustes em anos eleitorais e mantendo congelamentos insustentáveis. Como
qualquer outra atividade, ele tem custo: funcionários, combustível, manutenção,
renovação da frota, depredações — tudo isso representa despesas que aumentam
ano a ano. Por isso os contratos preveem reajustes anuais.
É um erro imaginar que a população é
beneficiada quando os gestores represam as tarifas, assim como são ilusórias as
ideias de passe livre, tarifa zero e outras demagogias. O custo não deixa de
existir, e alguém tem de pagar por ele. Em geral, o conjunto da população,
mesmo aqueles que não viajam de ônibus, por meio de seus impostos. Para manter
essas políticas eleitoreiras, as prefeituras gastam em subsídios recursos que
poderiam ser destinados a outras áreas. No ano passado, São Paulo transferiu R$
6,7 bilhões às empresas como compensação tarifária (o custo total do sistema
foi de R$ 11,4 bilhões). O Rio gastou R$ 1,3 bilhão com subsídios à tarifa em
2024.
Mexer com tarifa de ônibus é sempre um tema
sensível. Ainda reverberam os ecos de junho de 2013, quando protestos contra o
aumento de R$ 0,20 no transporte público em São Paulo se espalharam pelo país,
abarcando todo tipo de reivindicação e ganhando contornos de convulsão social.
Mas os reajustes de tarifa não podem ficar condicionados ao humor dos
passageiros. Nenhuma empresa privada se interessaria por operar um serviço cuja
remuneração não cobre os custos de funcionamento.
Historicamente, a opção pelo modelo
rodoviário fez dos ônibus protagonistas no transporte brasileiro. A despeito da
hegemonia, em muitas cidades eles deixam a desejar, com veículos velhos,
desconfortáveis, barulhentos e quase sempre lotados. Uma tarifa justa, para
usuários e empresas, é fundamental para melhorar e manter a qualidade do
serviço. Políticas públicas com foco nos mais necessitados, como bilhete único
e integração entre vários meios de transporte, sempre serão mais eficazes que o
populismo tarifário sem freios.
Apenas mobilização popular global será capaz
de conter risco nuclear
O Globo
Desde a Segunda Guerra, nunca humanidade
esteve tão próxima de conflito com armas atômicas
O Ano-Novo começou com os tradicionais votos
de paz no mundo todo. Mas, infelizmente, voltou a pairar sobre o planeta o
espectro da guerra nuclear. Em novembro, Vladimir
Putin sancionou uma nova doutrina nuclear, permitindo o uso de
armas atômicas diante da “agressão contra a Federação Russa por Estados não
nucleares, com apoio de um Estado nuclear”. Foi mantida uma menção à proteção
da “soberania”, critério que pode ser usado ao sabor das conveniências. Ninguém
tem dúvida de que é um texto sob medida para justificar eventuais ataques à
Ucrânia, apoiada por Estados Unidos e União Europeia na guerra com a Rússia. A
nova doutrina aumentou as chances de Putin apertar o botão vermelho.
Embora o conflito russo-ucraniano seja o caso
mais crítico, outras regiões também preocupam. Depois da nuclearização de
Índia, Paquistão e da totalitária Coreia do Norte, o Irã é o país mais próximo
de obter a bomba, apesar dos esforços do Ocidente — sobretudo de Israel e
Estados Unidos — para evitar a ameaça de uma teocracia nuclear em pleno Oriente
Médio. O arsenal chinês cresceu de 200 para 600 ogivas desde 2020 e poderá
chegar a mil até 2030, de acordo com relatório do Pentágono. Em sua mensagem de
Ano-Novo, Xi Jinping afirmou que a reunificação da China com Taiwan — estopim
provável para um conflito bélico com o Ocidente — é “inevitável”. Países como
Japão e Coreia do Sul, antes confiantes no poder dissuasório de seus aliados,
passaram a falar em obter a bomba.
“Todas essas
situações aumentam a probabilidade de que armas nucleares possam ser usadas”,
disse ao GLOBO o físico Steve Fetter, da Universidade de Maryland, integrante
do Boletim de Cientistas Atômicos, responsável pelo Relógio do Juízo Final,
iniciativa que avalia quão perto do apocalipse nuclear está o planeta. Na
última edição, faltavam 90 segundos até a “meia-noite” fatal, menor intervalo
já registrado desde a criação do relógio, em 1947 (em 1991, faltavam 17
minutos).
Entre as potências nucleares, a situação não
é nada tranquilizadora. Reportagem do GLOBO estima haver 12.100 ogivas
nucleares no planeta, 90% em poder de russos e americanos. É menos de um quinto
do que havia no auge da Guerra Fria, mas só as 4 mil prontas para uso imediato
já seriam suficientes para destruir a Terra várias vezes. O último acordo
nuclear entre Estados Unidos e Rússia expirará em fevereiro de 2026 e, pela
primeira vez desde 1974, os dois países nem sequer conseguem conversar sobre o
assunto.
Mesmo armas nucleares “táticas” têm hoje
capacidade de destruição muitas vezes maior que as bombas que aniquilaram
Hiroshima e Nagasaki, as únicas já usadas em guerras na História. Não basta um
esforço diplomático global para conter o risco. Continua fundamental a
vigilância do ecossistema de controle nuclear, além da mobilização das
incontáveis entidades e organizações da sociedade civil que tratam do assunto.
Mais que isso, é essencial a pressão popular em escala mundial para que o pior
não aconteça. O tema precisa voltar a ganhar as ruas.
Saída de dólares precisa acender alerta no
governo
Folha de S. Paulo
Com retirada de US$ 24,3 bilhões em dezembro,
descrédito na política econômica torna o país e o real mais vulneráveis
Em dezembro do ano recém-encerrado, o país
passou por uma reviravolta no balanço de entrada e saída de recursos em
dólares. De janeiro a novembro, o saldo era positivo, com a entrada líquida de
quase US$ 8,4 bilhões. Ao final de 2024, faltando computar apenas os dados de
30 de dezembro, a conta estava
em um vermelho de quase US$ 16 bilhões.
Foi a maior inversão de rota ao menos desde
as turbulências da estabilização da economia em
1995, após o Plano Real.
Trata-se aqui do chamado fluxo cambial —isto
é, a diferença entre as divisas que entram e saem pelos canais do comércio
exterior (exportações e importações) e financeiro (remessas de
lucros e dividendos, aplicações financeiras, turismo e outros).
No último mês do ano, a fuga de dólares foi
brutal, de US$ 24,3 bilhões, resultado de saídas de US$ 26 bilhões pelo canal
financeiro e entradas de US$ 1,7 bilhão pelo canal comercial.
Não por acaso, a cotação da moeda americana
ultrapassou o patamar de R$ 6, a despeito da venda de mais de US$ 30 bilhões
das reservas e de um choque de juros por
parte do Banco Central.
São usuais saldos negativos nesse período,
dadas as remessas feitas por empresas e fundos de investimentos. Neste ano, os
fluxos teriam sido atípicos, no dizer do comando do BC, devido a bons
resultados das companhias em um ano de expansão
surpreendente do Produto Interno Bruto.
Fato é que a reviravolta de 2024 ocorreu ao
mesmo tempo em que disparou a desconfiança em relação à política econômica do
governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
em particular no que diz respeito às contas públicas.
A deterioração começara por volta de abril,
devido a perspectiva de juros altos por mais tempo e dólar forte
nos EUA e ao risco fiscal ampliado pelo afrouxamento das metas para os saldos
do Tesouro Nacional. O descrédito, no entanto, deu um salto no final de
novembro, com a péssima
repercussão do plano frágil de contenção de gastos do Planalto.
É inevitável associar a debandada dos dólares
ao tumulto financeiro provocado pela piora das expectativas para a inflação,
os juros e a dívida pública. Este janeiro pode ajudar a dimensionar essa
causalidade: com o fim do efeito sazonal, a partir de meados do mês, o normal
seria o fluxo parar de piorar, ao menos —isso se o início do governo de Donald Trump nos
EUA não envenenar um
tanto mais o ambiente.
Deterioração adicional, superior à verificada
em outros emergentes, significará que a irresponsabilidade orçamentária da
administração petista causa ainda mais danos, com desvalorização extra do real,
riscos maiores de inflação, altas de juros no mercado, crescimento econômico
perigosamente menor e frustração da receita de impostos.
Dadas tais ameaças, não convém permitir que
se teste a hipótese sobre a fuga de capitais. O governo precisa reconhecer os
erros e agir, já com grande atraso.
Êxodo paulistano mostra nova dinâmica urbana
Folha de S. Paulo
População da maior metrópole do país encolhe,
com impulso da busca por melhores condições de vida em cidades vizinhas
Habituada a surtos de expansão populacional
desordenada desde o fim do século 19, sob o impulso do ciclo do café, das
migrações e da industrialização acelerada, uma das
maiores megalópoles do planeta aparenta, enfim, estar perdendo
fôlego demográfico.
Após atingir o pico de 11,5 milhões de
habitantes em 2019, a população da cidade de São Paulo vem encolhendo —o
que não ocorria há pelo menos um século.
Segundo dados da Fundação Seade (Sistema
Estadual de Análise de Dados), a capital paulista registra nos últimos anos uma
queda sutil, porém consistente, de 0,7% entre 2019 e 2023 (ou cerca de 80 mil
pessoas a menos).
A três semanas de festejar os 471 anos de sua
fundação, o município ostenta o título de mais caro do país e avançou 28
posições numa lista mundial de 226 cidades campeãs em custo de vida (atualmente
ocupa o 124º lugar).
O discreto êxodo urbano tem suas razões. A
pandemia de Covid impeliu moradores abastados para regiões adjacentes, com
a conveniência
do home office, mas também elevou o número de óbitos. O
envelhecimento da população —com baixas taxas de natalidade— tem estimulado a
busca por maior qualidade de
vida em municípios menores.
A hipótese mais mencionada por analistas,
contudo, é mesmo a questão econômica. A escalada do custo de vida, influenciada
mais recentemente por inflação pressionada
e alta do dólar,
amplia os dispêndios com mobilidade, alimentação, saúde e serviços diversos em
uma metrópole adensada e desigual.
O advento do trabalho remoto oferece a muitas
famílias a oportunidade de viver nas cercanias de São Paulo —ainda com uma
renda paulistana, mas menos despesas com mensalidades escolares, moradia e
lazer, sem falar da sensação de segurança.
O desejo de respirar novos ares seduz a
maioria: com medo da violência, 55% deixariam
São Paulo se pudessem, indicou pesquisa Datafolha de 2022.
A ironia dessa movimentação inusual é que a
alta dos preços também já começa a acompanhar os novos moradores, sobretudo na
especulação imobiliária em cidades próximas no interior.
O fenômeno da
conurbação, quando há fusão entre duas ou mais cidades e forma-se
uma grande mancha urbana contínua, está em franco desenvolvimento num eixo de
100 km entre as duas maiores regiões metropolitanas do estado, São Paulo
e Campinas.
No caso paulista, parece romper fronteiras geográficas e econômicas, com impacto considerável no bolso de residentes.
O ‘Estadão’ e o jornalismo como causa
O Estado de S. Paulo
Este jornal chega aos 150 anos fiel a seu
propósito inaugural: a defesa irrenunciável da liberdade, adaptando-se aos
desafios de seu tempo sem jamais abandonar seus princípios editoriais
A publicação de um jornal manifestamente
republicano em 4 de janeiro de 1875 foi, antes de qualquer coisa, um ato de
extrema coragem de seus fundadores, em particular de Américo de Campos,
Francisco Rangel Pestana e, pouco depois, Júlio Mesquita. Escrutinar o poder da
Coroa foi apenas o primeiro dos inúmeros desafios que o futuro reservava para
aquele então modesto periódico.
Recorde-se que, quando este jornal circulou
pela primeira vez, há exatamente 150 anos, o Brasil vivia sob o regime
monárquico. Aqui não havia cidadãos, mas súditos. Logo, não havia igualdade de
todos perante a lei, muito ao contrário: havia escravidão. São Paulo era uma
província com cerca de 837 mil habitantes, de acordo com o Censo de 1872. Daí o
seu primeiro nome, A Província de São Paulo.
A Província de São Paulo também ganhou
as ruas naquela segunda-feira como uma profissão de fé, uma afirmação de
valores que, quando materializados em ações – seja pelo poder público, seja
pela iniciativa privada –, têm o condão de fazer do Brasil um país mais livre,
justo e próspero para todos. Um século e meio depois, o distinto leitor
encontra em cada um dos editoriais publicados por este jornal a defesa
aguerrida dos mesmíssimos compromissos assumidos em sua edição inaugural. Não
por recalcitrância, mas por firmeza na crença de que a defesa da liberdade, em
suas múltiplas dimensões, é irrenunciável e imune ao transcurso do tempo.
A rigor, a fundação deste jornal foi o
desdobramento natural de um movimento cívico que culminaria, 13 anos depois, na
abolição da escravidão no País e, logo em seguida, na Proclamação da República.
Foi a partir desse evento que São Paulo deixou de ser uma província e o jornal
adotou o nome pelo qual é conhecido até hoje: O Estado de S. Paulo.
Além da coragem, a marca deste jornal hoje
sesquicentenário é a independência. Para servir à causa da liberdade e do
respeito às leis, o Estadão se estabeleceu como uma empresa
jornalística financiada por seus próprios meios. Só assim estaria livre para
exercer um jornalismo profissional e independente, de modo a estar “em posição
de escapar às interposições do governo, às paixões partidárias e às seduções
inerentes aos que aspiram ao poder”, como enunciado já no primeiro editorial.
Desde então, o Estadão tem se
adaptado a cada um dos desafios de seu tempo ao longo desses 150 anos,
mantendo-se na vanguarda do jornalismo, mas sem jamais abandonar seus
princípios fundadores e compromissos editoriais. Aquele jornal logo passaria
para as rotativas elétricas para se firmar como um jornal moderno e dinâmico
não apenas para São Paulo, mas para o Brasil.
Do papel às plataformas digitais, do linotipo
aos algoritmos, este jornal registrou e absorveu todas as transformações dos
meios de comunicação para continuar a cumprir o seu dever de informar a
sociedade com rigor técnico, ética e respeito à verdade factual. Assim era no
início, assim é hoje e assim sempre será.
A chamada revolução tecnológica trouxe
inúmeros desafios. O Estadão, ao invés de receá-los, abraçou as novas
possibilidades e adaptou-se a cada uma das demandas da sociedade do século 21,
criando versões digitais de suas publicações, aumentando os investimentos em
jornalismo de dados e, não menos importante, incorporando a excelência de sua
produção editorial às novas plataformas audiovisuais a fim de diversificar os
meios pelos quais chega até os seus leitores.
Quando pisou na redação de A Província
de São Paulo pela primeira vez, ainda como redator, em 1888, Júlio
Mesquita encontrou um jornal que tinha exatos 904 assinantes. Em 1927, ano de
sua morte, 48.638 pessoas pagavam para receber O Estado de S. Paulo todos
os dias em casa, como registra Jorge Caldeira, escritor e imortal da Academia
Brasileira de Letras, em sua portentosa obra Júlio Mesquita e Seu Tempo (2015).
Essa extraordinária transformação de um
periódico provinciano no jornal que o Estadão é hoje é a prova maior
de que firmeza de propósito, respeito aos fatos e compromisso com a democracia
e com o desenvolvimento do Brasil não saem de moda e ainda compensam.
O fim melancólico da Sete Brasil
O Estado de S. Paulo
Falência da empresa criada no segundo governo
de Lula para ser a única fornecedora do pré-sal é comprovação de que não há
mais lugar no País para delírios intervencionistas
Depois de oito anos e meio de um infrutífero
processo de recuperação judicial, a Sete Brasil teve falência decretada pela
Justiça. Em sua sentença, o juiz Luiz Alberto Carvalho Alves, da 3.ª Vara
Empresarial do Rio de Janeiro, entendeu que a empresa “não apresenta mais
condições para seu soerguimento” e mencionou ter sido constatada uma
inadimplência praticamente integral da dívida calculada hoje em R$ 36 bilhões:
99,9614% dos créditos não foram pagos.
A Sete ainda pode recorrer da decisão em
instância superior, mas o enorme prejuízo acumulado e a inoperância da empresa
indicam que este seja, de fato, o fim melancólico de um projeto irreal e
megalômano que coroou o igualmente megalomaníaco segundo mandato de Lula da
Silva. Maravilhado com a descoberta do pré-sal, Lula fez da Petrobras o cerne
de uma política nacional-desenvolvimentista que por pouco não colocou a própria
petroleira no caminho da bancarrota.
Talvez a melhor síntese daquela época de
devaneios – e corrupção – em série seja mesmo a Sete, criada do zero em 2010 a
partir da obsessão do próprio Lula em transformar, num estalar de dedos, o
Brasil numa potência industrial que ditaria os rumos da economia mundial. Do
País sairiam navios portentosos e uma enxurrada de combustíveis refinados com
tecnologia revolucionária, por meio de projetos bilionários embalados em um
discurso ufanista que lembrava a campanha “O petróleo é nosso”, da era Vargas.
O governo conduziu fundos de pensão de
estatais e bancos públicos e privados a se associarem à Petrobras, que seria
minoritária na empresa para conferir-lhe um status privado. Para começar, de
uma só tacada, 28 navios-sonda foram encomendados por um valor que
correspondia, então, à metade de todo o orçamento da Petrobras. Depois de anos,
a muito custo, apenas quatro foram entregues.
Durante as investigações da Operação Lava
Jato – cujas decisões judiciais vêm sendo desmontadas pelo ministro Dias
Toffoli, do Supremo Tribunal Federal –, delações dos ex-funcionários da
Petrobras João Carlos Ferraz e Pedro Barusco, que integravam a diretoria da
Sete Brasil, indicaram que a mesma circulação de propinas que ocorria na
Petrobras era replicada na nova empresa. O chamado “petrolão” foi um escândalo
que tomou de arrasto a Petrobras e a levou ao patamar de empresa mais
endividada do mundo, situação que exigiu uma rigorosa mudança nas regras de
governança da empresa.
A corrupção, comprovada em depoimentos de
tantos envolvidos no caso, foi um enorme prejuízo para empresa, mas a maior
perda decorreu do modelo defendido por Lula da Silva, de tornar o Estado o
indutor da economia – modelo este em que a Petrobras foi usada como braço do
governo. Não cabe ao Estado brasileiro escolher as empresas “campeãs
nacionais”, como fez o lulopetismo utilizando o BNDES; não cabe ao Estado impor
a uma companhia de capital misto, como a Petrobras, projetos como o Comperj e a
Refinaria Abreu e Lima, que juntos consumiram dezenas de bilhões de dólares e
se mostraram um fiasco; não cabe ao Estado ditar a estratégia negocial de
empresas privadas, como a Vale.
O quinto mandato do PT na Presidência da
República tem sido menos voraz na relação com as empresas não por uma mudança
conceitual, mas sim pelo trauma causado, principalmente, pelos horrores da
década de 2010. Mesmo assim, o caráter intervencionista do lulopetismo se
mostra presente em decisões como o incentivo à indústria naval, exigência de
conteúdo local e a retomada de investimentos da Petrobras que já se mostraram
deficitários, como os projetos em fertilizantes, uma ideia fixa de Lula, para
os quais a companhia vai destinar US$ 900 milhões (em torno de R$ 5,4 bilhões),
de acordo com seu plano estratégico recentemente divulgado.
Quando a Sete Brasil pediu recuperação
judicial, em 2016, sua dívida era estimada em torno de R$ 19 bilhões. Hoje, é
quase o dobro desse valor. A agonia da empresa, criada a partir de um arroubo
irresponsável, é a prova de que não há mais lugar para delírios ufanistas que
acabam sendo pagos por toda a sociedade.
A batalha do consignado
O Estado de S. Paulo
Sem acompanhar avanço da Selic, consignado
para aposentados corre risco de extinção
O Conselho Nacional de Previdência Social
(CNPS) vai se reunir agora em janeiro para tratar do teto de juros no crédito
consignado para aposentados, atualmente em 1,66% ao mês, patamar baixo e cada
vez mais defasado por conta da trajetória de alta da taxa Selic. O teto atual,
no qual não se mexe desde junho de 2024, já é bastante limitado, o que na
prática fez com que bancos privados, e também os públicos, tenham reduzido a
oferta do produto em correspondentes bancários, por exemplo.
Em tese, toda vez que a Selic sofre
alteração, o teto do consignado é ajustado. No entanto, apesar de o Comitê de
Política Monetária (Copom) do Banco Central ter elevado por três vezes os juros
de referência da economia brasileira no segundo semestre, em setembro, novembro
e em dezembro, para os atuais 12,25%, o teto do consignado ficou congelado.
Os bancos, que já vinham sinalizando para o
governo que o teto baixo compromete a oferta desse tipo de financiamento,
alertam agora que, sem ajustes, a concessão de crédito consignado torna-se
inviável mesmo em canais próprios de distribuição. Como o Copom já indicou que
promoverá mais duas altas de 1 ponto porcentual cada em suas primeiras reuniões
de política monetária no início de 2025, a questão do teto do consignado
torna-se ainda mais relevante.
Criado em 2003, no primeiro mandato de Lula
da Silva, o crédito consignado para aposentados converteu-se em um cabo de
guerra entre governo e bancos nesta terceira passagem do petista pelo Planalto.
Para muitos aposentados, a contratação do
consignado é o que torna possível fechar as contas do mês; para os bancos, esse
tipo de empréstimo pessoal é vantajoso porque praticamente elimina o risco de
inadimplência, uma vez que as parcelas do financiamento são descontadas
diretamente da folha de pagamento do beneficiado.
A insistência do governo Lula, porém, em
facilitar o acesso ao crédito – leia-se, pressão para que os bancos ignorem
custos de operação e métricas de inadimplência e disponibilizem juros camaradas
– vem gerando uma série de ruídos.
No ano passado, o CNPS, liderado pelo
ministro da Previdência, Carlos Lupi, teve de voltar atrás após reduzir
abruptamente o teto do consignado de 2,14% para 1,70%, o que fez com que os
bancos, até mesmo a Caixa e o Banco do Brasil, interrompessem a oferta do
produto. Após a reação, o governo fixou o teto, à época, em 1,97%.
No início de 2024, quando o Copom ainda
promovia cortes na Selic, o CNPS seguia os passos da autoridade monetária e
reduzia o teto do consignado. Agisse com coerência, e pensasse nos aposentados,
o órgão ajustaria o teto para cima agora que a Selic voltou a subir.
Embora ninguém fique satisfeito pagando juros mais altos, sem a adequação das taxas, os bancos podem interromper de vez a disponibilidade do consignado, uma vez que não são obrigados a operar no prejuízo. Ao CNPS, cabe elevar o teto, impedindo que o consignado deixe de ser uma opção disponível para aposentados e pensionistas. Pior para os aposentados será se, na ausência do consignado, tiverem de recorrer a opções mais caras, como o crédito pessoal ou, pior, os agiotas.
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