Correio Braziliense
Trump ameaça, mas, no extremo, aceita
negociar. Não vai à guerra, pretende fazer bons negócios para suas empresas e
seus protegidos
O ano de 2025 pode ser o das grandes revelações. Boas ou más, depende do ponto de vista, mas a chegada da direita norte-americana, obtusa e retrógrada, ao poder em Washington terá o poder de esclarecer muita coisa. Trump se insinua como uma espécie de vingador do tempo, capaz de com uma ou duas canetadas restituir os Estados Unidos aos melhores momentos de sua história. São tentativas autênticas, porém sem qualquer fundamento na realidade. Ele vai se embaraçar nos problemas do dia a dia, nas questões menores e nos grandes problemas mundiais. Os americanos não estão mais sozinhos na liderança do mundo.
Pequeno exemplo veio da tragédia em Nova
Orleans. Um motorista alucinado atropelou dezenas de pessoas, matou 15 e,
depois, trocou tiros com a polícia na Bourbon Street. Foi morto. Trump atacou
imediatamente os estrangeiros, que seriam piores que os nacionais. Ocorre que o
motorista da camionete era norte-americano, nascido no Texas, e veterano do
Exército dos Estados Unidos. Mais norte-americano, impossível. O problema,
portanto, começa dentro de casa. Seria fácil atacar estrangeiros e colocar nas
costas deles todos os males que afligem o grande irmão do norte. Hitler acusou
os judeus. Trump ataca os vizinhos, árabes, negros, chineses e até os europeus.
Ele não tem noção do alcance de suas palavras.
Os Estados Unidos constituem um país de
migrantes. Os primeiros a chegar na nova terra foram ingleses protestantes que
fugiam da perseguição religiosa. Mas diversos povos europeus, assolados pela
fome, miséria e desemprego, tentaram a sorte na América. A experiência
democrática, a inexistência de um rei, a liberdade religiosa, a de imprensa e a
democracia fizeram surgir um novo experimento político-representativo naquele
território, antes dominado por índios. Agredir os estrangeiros de certa forma é
agredir a própria história do país. A nova direita, com Trump, terá que fazer
opções, e nenhuma delas será fácil.
Mas a perspectiva de governo Trump impõe
respeito e cautela. As principais correntes de comércio internacional
anteciparam compras e o envio de mercadorias para o mercado norte-americano. O
porto de Los Angeles teve um aumento de 19% no seu movimento. Os chineses
entupiram os portos brasileiros de automóveis elétricos, que poderão ser
reexportados para o mercado do norte. Quem exportar para os Estados Unidos
antes de 20 de janeiro — data da posse — evita a cobrança de uma sobretaxa que
vai onerar muito os produtos naquele mercado. Cada exportador tem a própria
política para se desviar do que vem por aí. O mundo vai conhecer uma guerra de
tarifas sem precedentes. É difícil prever o vitorioso nesse conflito.
O problema tem nome. É a China. Desde o final
da Segunda Guerra Mundial, o governo de Washington se acostumou a trabalhar com
plena liberdade no campo econômico e no político. A guerra fria com os
soviéticos foi uma disputa que se espalhou pelo mundo por causa de Cuba, na
América, e da China, na Ásia. O regime de Fidel Castro não assusta mais
ninguém, a União Soviética acabou. Mas os chineses ascenderam a posição de
segunda maior economia do planeta, expandiram sua influência política pela
África e pela América Latina. No ano 2000, o maior parceiro comercial dos
países sul-americanos eram os Estados Unidos. Em 2024, o maior parceiro
comercial é a China. Os Estados Unidos são o terceiro maior, atrás da União
Europeia. A notável queda de influência é percebida em Washington. A resposta é
a truculência de Trump.
As prometidas sobretaxas ameaçadas por Trump
constituem um aspecto da truculência. Ele pretende partir para cima dos países
do Brics que tentam encontrar uma alternativa ao dólar. O Brasil vai presidir
neste ano a reunião do grupo que pretende encontrar outra moeda para reduzir a
dependência da moeda norte-americana nas transações internacionais. Ele
responde a isso com mais ameaças de sobretaxas e outras restrições. Ele é um
belicista, porém é um empresário. Isso o distingue da nossa versão da direita tupiniquim.
Bolsonaro não entende nada de economia, nem pensou em fazer a economia
brasileira crescer. Ele se concentrou em manter o poder. Trump, ao contrário,
sabe que precisa fazer a roda da economia girar. Ele ameaça, mas, no extremo,
aceita negociar. Não vai à guerra, pretende fazer bons negócios para suas
empresas e seus protegidos. Seu Deus é o dólar.
O novo presidente dos Estados Unidos promete
expulsar os migrantes que, segundo ele, envenenaram a vida no país. Se ele
conseguir, o que é difícil, vai acabar com a mão de obra barata no mercado
norte-americano. Quem faz a colheita das frutas na Califórnia são os latinos.
Quem limpa banheiros, corta grama e cuida das crianças são os latinos que ele
quer expulsar. Os africanos dirigem os táxis. Se ocorrer a expulsão em massa, a
vida vai ficar muito mais cara para o americano médio.
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