
À caça de jornalistas estrangeiros
REVOLTA DO MUNDO ÁRABE
Adeptos de Mubarak agridem e prendem repórteres e membros de ONGs. ONU deixa o Egito
Fernando Duarte
Enquanto o centro do Cairo vivia novas batalhas entre partidários do presidente Hosni Mubarak e manifestantes pró-democracia, jornalistas estrangeiros se tornavam alvo de uma campanha repressora, que não poupou sequer membros de organizações de direitos humanos, e que parecia destinada a afastar a mídia do palco dos enfrentamentos. Carros de equipes de reportagem foram apedrejados, equipamentos arrancados e quebrados e jornalistas agredidos, enquanto o governo acusava estrangeiros de fomentarem os protestos. Mais de 20 profissionais foram detidos segundo o "Washington Post", e o paradeiro de pelo menos um deles era desconhecido.
A fúria dos partidários do governo egípcio resultou na primeira morte de um estrangeiro, um grego espancado e esfaqueado nas imediações da Praça Tahrir, morrendo no lobby do hotel Ramsés Hilton. O hotel, um dos mais usados pela mídia estrangeira, usado até ontem pelo GLOBO, devido à vista para o ponto central dos protestos, tornou-se um alvo - com o cerco de manifestantes e o convite para se retirar. Se na semana passada o Ramsés Hilton serviu de hospital de campanha para opositores, ontem se transformou em cárcere para os jornalistas. Vândalos o invadiram duas vezes.
- Apenas no meio da tarde o Exército veio proteger o hotel. Os manifestantes passaram muito tempo jogando pedras e todos os equipamentos de imagem foram confiscados pela segurança - contou ao GLOBO o brasileiro Otávio Mendes, produtor da CBC, do Canadá.
Mendes tentou comandar um plano de retirada, mas esbarrou na recusa de motoristas de táxi a levar estrangeiros, temendo ataques. Nem ofertas de US$200, equivalente a 30 vezes o salário mínimo egípcio, convenceram os taxistas. Uma entrevista do vice-presidente Omar Suleiman ajudou a disseminar a ideia de que os estrangeiros estariam fomentando os protestos.
- Quando existem manifestações desse porte, há estrangeiros que virão e tirarão vantagem. Eles têm interesse em aumentar a energia dos protestos - disse o premier à TV estatal.
Estados Unidos criticam ataque sistemático
Em Washington, o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, considerou inaceitável "o ataque sistemático" à imprensa. A secretária de Estado, Hillary Clinton, disse que "o governo egípcio deve demonstrar sua vontade em garantir aos jornalistas a capacidade de registrar os eventos".
Entre os detidos estão dois jornalistas do "New York Times", soltos na manhã de ontem, e dois do "Post", mais seu tradutor. Dois profissionais da al-Jazeera foram arrancados do carro e detidos. Outros três da mesma emissora foram presos e soltos. Um sexto está desaparecido. O brasileiro Luiz Antônio Araujo, do jornal gaúcho "Zero Hora", foi atacado a socos e pontapés na Praça Tahrir. O grupo, que estava armado com pedras e pedaços de pau, levou a máquina fotográfica e tentou roubar seu passaporte.
Movimentar-se é difícil e perigoso. Um repórter grego foi ferido na perna por uma chave de fenda. O carro de Anderson Cooper, da CNN, foi atingido por uma pedra. Na véspera, Cooper e sua equipe já haviam sido atacados na rua.
O Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) denunciou a campanha do governo para difamar estrangeiros, mostrando-os como espiões em missão para desestabilizar o país. O CPJ registrou 15 incidentes de intimidação, prisão e agressão a jornalistas apenas ontem - classificados como "repulsivos" pela organização Repórteres sem Fronteiras (RSF).
- Parece que o objetivo é esvaziar o Cairo da mídia estrangeira - declarou Giles Lordet, diretor de investigações do RSF.
Num indício de que a situação fugiu ao controle, as Nações Unidas começaram a remover seus cerca de 350 funcionários do país - que junto às famílias formam um grupo de cerca de 600 pessoas - para a ilha de Chipre. Ativistas de direitos humanos também estiveram na mira: um centro usado por ONGs como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch foi ocupado pela polícia e 12 pessoas, presas.
No Ramsés Hilton, um grupo de brasileiros, formado por integrantes do GLOBO, "O Estado de S. Paulo" e "Folha de S. Paulo", conseguiu deixar o hotel de manhã, mas não sem antes passar pela revista numa barreira do Exército. Foram confiscados uma fita cassete e um cartão de memória com fotos dos protestos. Quem buscava estender sua reserva eram informado de que a lotação estava esgotada - apesar de o hotel ter 855 quartos. Procurado pelo GLOBO, um recepcionista sugeriu a saída o mais rápido possível:
- Eles (os manifestantes) sabem que vocês estão aqui. Saiam porque vai ficar perigoso.
Com agências internacionais
FONTE: O GLOBO
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