sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ditadura expulsa jornalistas para isolar Egito do mundo

Jornalista estrangeiros integrantes de ONGs se tornaram alvo de ataques, agressões, prisões e até expulsões, numa campanha repressora do governo Mubarak para afastar as principais testemunhas do palco de confrontos e isolar o Egito da opinião pública internacional. Mais de 20 profissionais foram detidos ontem, no segundo dia de selvageria, em que mais dez pessoas morreram. Dois repórteres da estatal brasileira EBC passaram 16 horas de terror, presos com olhos vendados, num cubículo sem água e comida, até serem expulsos do país. A ONU retirou 350 funcionários. A oposição convocou grande manifestação para hoje, apelidada de Dia do Ultimato. Em entrevista a TV americana ABC, Mubarak disse ter pensado em renunciar antes de setembro, mas desistiu por temer vácuo de poder.

À caça de jornalistas estrangeiros

REVOLTA DO MUNDO ÁRABE

Adeptos de Mubarak agridem e prendem repórteres e membros de ONGs. ONU deixa o Egito

Fernando Duarte


Enquanto o centro do Cairo vivia novas batalhas entre partidários do presidente Hosni Mubarak e manifestantes pró-democracia, jornalistas estrangeiros se tornavam alvo de uma campanha repressora, que não poupou sequer membros de organizações de direitos humanos, e que parecia destinada a afastar a mídia do palco dos enfrentamentos. Carros de equipes de reportagem foram apedrejados, equipamentos arrancados e quebrados e jornalistas agredidos, enquanto o governo acusava estrangeiros de fomentarem os protestos. Mais de 20 profissionais foram detidos segundo o "Washington Post", e o paradeiro de pelo menos um deles era desconhecido.

A fúria dos partidários do governo egípcio resultou na primeira morte de um estrangeiro, um grego espancado e esfaqueado nas imediações da Praça Tahrir, morrendo no lobby do hotel Ramsés Hilton. O hotel, um dos mais usados pela mídia estrangeira, usado até ontem pelo GLOBO, devido à vista para o ponto central dos protestos, tornou-se um alvo - com o cerco de manifestantes e o convite para se retirar. Se na semana passada o Ramsés Hilton serviu de hospital de campanha para opositores, ontem se transformou em cárcere para os jornalistas. Vândalos o invadiram duas vezes.

- Apenas no meio da tarde o Exército veio proteger o hotel. Os manifestantes passaram muito tempo jogando pedras e todos os equipamentos de imagem foram confiscados pela segurança - contou ao GLOBO o brasileiro Otávio Mendes, produtor da CBC, do Canadá.

Mendes tentou comandar um plano de retirada, mas esbarrou na recusa de motoristas de táxi a levar estrangeiros, temendo ataques. Nem ofertas de US$200, equivalente a 30 vezes o salário mínimo egípcio, convenceram os taxistas. Uma entrevista do vice-presidente Omar Suleiman ajudou a disseminar a ideia de que os estrangeiros estariam fomentando os protestos.

- Quando existem manifestações desse porte, há estrangeiros que virão e tirarão vantagem. Eles têm interesse em aumentar a energia dos protestos - disse o premier à TV estatal.

Estados Unidos criticam ataque sistemático

Em Washington, o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, considerou inaceitável "o ataque sistemático" à imprensa. A secretária de Estado, Hillary Clinton, disse que "o governo egípcio deve demonstrar sua vontade em garantir aos jornalistas a capacidade de registrar os eventos".

Entre os detidos estão dois jornalistas do "New York Times", soltos na manhã de ontem, e dois do "Post", mais seu tradutor. Dois profissionais da al-Jazeera foram arrancados do carro e detidos. Outros três da mesma emissora foram presos e soltos. Um sexto está desaparecido. O brasileiro Luiz Antônio Araujo, do jornal gaúcho "Zero Hora", foi atacado a socos e pontapés na Praça Tahrir. O grupo, que estava armado com pedras e pedaços de pau, levou a máquina fotográfica e tentou roubar seu passaporte.

Movimentar-se é difícil e perigoso. Um repórter grego foi ferido na perna por uma chave de fenda. O carro de Anderson Cooper, da CNN, foi atingido por uma pedra. Na véspera, Cooper e sua equipe já haviam sido atacados na rua.

O Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) denunciou a campanha do governo para difamar estrangeiros, mostrando-os como espiões em missão para desestabilizar o país. O CPJ registrou 15 incidentes de intimidação, prisão e agressão a jornalistas apenas ontem - classificados como "repulsivos" pela organização Repórteres sem Fronteiras (RSF).

- Parece que o objetivo é esvaziar o Cairo da mídia estrangeira - declarou Giles Lordet, diretor de investigações do RSF.

Num indício de que a situação fugiu ao controle, as Nações Unidas começaram a remover seus cerca de 350 funcionários do país - que junto às famílias formam um grupo de cerca de 600 pessoas - para a ilha de Chipre. Ativistas de direitos humanos também estiveram na mira: um centro usado por ONGs como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch foi ocupado pela polícia e 12 pessoas, presas.


No Ramsés Hilton, um grupo de brasileiros, formado por integrantes do GLOBO, "O Estado de S. Paulo" e "Folha de S. Paulo", conseguiu deixar o hotel de manhã, mas não sem antes passar pela revista numa barreira do Exército. Foram confiscados uma fita cassete e um cartão de memória com fotos dos protestos. Quem buscava estender sua reserva eram informado de que a lotação estava esgotada - apesar de o hotel ter 855 quartos. Procurado pelo GLOBO, um recepcionista sugeriu a saída o mais rápido possível:

- Eles (os manifestantes) sabem que vocês estão aqui. Saiam porque vai ficar perigoso.

Com agências internacionais

FONTE: O GLOBO

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