"Mais do mesmo." É o que tem sido dito das medidas adotadas diante da desaceleração da economia brasileira e recrudescimento da crise nos países ricos. Estaria sendo repetida a bem-sucedida receita da crise de 2008, que teria se limitado a uma marolinha nessas praias.
Na época, a política fiscal teria sido central e as desonerações tributárias tido papel decisivo.
Temos mesmo memória curta? O Brasil sofreu das mais profundas recessões do pós-guerra, ainda que das mais rápidas. Aquela crise não veio do exterior nem passou por descontrole fiscal, como antes. O crédito é que foi central, tanto para o mergulho (derivativos quebraram empresas, bancos e convenções) quanto para o resgate (puxado por bancos públicos e endividamento familiar).
O ativismo fiscal foi pífio em relação aos pacotes adotados mundo afora, valeu-se de aumento de gasto pré-crise, que estabilizou (pesados benefícios sociais e folha salarial), mas pouco acelerou (taxa de investimento público aquémda histórica e dos emergentes). A renúncia tributária foi maior na fase posterior de expansão do que na de combate à crise.
O Brasil foi um dos raros, se não o único dentre as maiores economias, que não promoveram qualquer reforma estrutural em resposta à crise. Não foi por falta de expertise (nos anos 90, promoveu transformações econômicas, da desestatização até a responsabilidade fiscal).
Se o governo nada mudou, o setor empresarial e bancário o fez e muito: houve profunda reestruturação patrimonial, com maior presença externa (que compra até churrascaria) e maior intervenção estatal (inclusive por meio dos bancos federais e dos fundos de pensão). O que resultou em aumentar ainda mais o já alto grau de concentração de nossa economia. Foi uma crise e um ajuste de estoque.
Turbinados pelo crédito, vendas e consumo seguiram em firme expansão, em flagrante contraste com a produção interna - a da indústria mal voltou ao pré-crise, o mesmo no caso do crédito livre para empresas. Tornou-se uma economia cada vez mais viciada em consumo. Há um limite, a começar pelas famílias para pagarem suas dívidas, e o cenário se complica.
O exterior não será alternativa, ao contrário... Restariam os investimentos, mas os públicos empacam (na centralização federativa e na inépcia gerencial) e os privados já mostram que o espírito animal vira uma medrosa corrida por liquidez (as operações compromissadas do Banco Central cresceram R$ 156 bilhões em quatro meses, dos quais um terço a vencer em duas semanas).
Repetindo o roteiro traçado por Keynes, o governo brasileiro já voltou a se endividar, justamente quando investe menos, porque está a dar saída à preferência pela liquidez.
A dívida bruta subiu em 2,6 pontos do PIB no quadrimestre, chegou a 56,8% na medida mais favorável (ou 64,9% no conceito internacional). Essa dívida pública (bruta), muito acima da média dos emergentes, reduz o espaço para maior ativismo fiscal.
Mudou o problema, não a resposta. Se não há ameaça de recessão (curta), há de estagnação (longa). No Brasil, em vez do estoque, o fluxo é que ora deve preocupar.
Não existe uma sociedade só de consumo, até porque esbarra na infraestrutura carente. Mesmo que sobre crédito para consumo, pode minguar para giro e ser inócuo o estatal para investimento (se for para substituir fonte própria de recursos). Muitos profetizam no exterior que a nova crise deve ser mais grave e longa que a passada.
Surge nova oportunidade para retomar a agenda de reformas estruturais - que não foi perdida, mas negada no Brasil. É hora de rever a posição e reformar o sistema tributário, o orçamento público, a seguridade social e o sistema financeiro.
Já existem iniciativas parlamentares nessas matérias e o governo dispõe de uma folgada maioria para aprová-las.
Falta muito mais vontade política para abandonar o conservadorismo, que peca não por fazer "mais do mesmo", mas porque faz o "mesmo" diante do que está sendo visto como uma ameaça muito maior de crise. Precisamos fazer mais!
José Roberto Afonso, economista, doutor pela Unicamp
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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