Helena Regina Lobo da Costa
Nesta semana, o Supremo analisa o chamado "núcleo político" da
Ação Penal 470, formado por réus acusados de prática de corrupção passiva
(dentre outros crimes), que teriam recebido vantagem econômica em troca de
votos no Congresso Nacional.
Esses atos inserem-se no contexto da representação política brasileira, que
merece ser refletida, para que se possa compreender mais profundamente o tema.
Evidentemente, o sistema, por si, não gera, tampouco justifica a suposta
prática de corrupção por parte dos representantes eleitos.
Como se sabe, o Presidente da República é escolhido a partir de votação
majoritária, sendo eleito pela maioria absoluta dos votos válidos diretos dos
cidadãos. Já o Senado, por ser o representante da Federação, tem três
representantes para cada Estado e para o Distrito Federal. Assim, no Senado,
não há vinculação direta entre o número absoluto de votos válidos de eleitores:
o Estado brasileiro mais populoso tem idêntico número de representantes do
Estado menos populoso.
A Câmara dos Deputados, por sua vez, tem representação proporcional, sendo
formada por no mínimo 8 e no máximo 70 deputados de cada Estado, de acordo com
a população correspondente. Além disso, vigora o sistema de listas partidárias,
compostas pelos membros mais votados de cada partido ou coligação. O número de
cadeiras cadeiras obtidas pelos partidos é proporcional à soma dos votos em
todos os candidatos daquele partido ou coligação.
Outro dado importante é o de que o sistema partidário brasileiro é
multipartidário - diferentemente, por exemplo, dos Estados Unidos, onde é
bipartidário. As alianças entre esses partidos, nos diferentes Estados,
municípios e no nível federal, variam bastante, não se podendo identificar, via
de regra, uma orientação fundada em ideologias e princípios, mas, em geral, em
interesses conjunturais, locais ou temporais específicos.
Nesse contexto, nem sempre um presidente eleito com ampla maioria de votos
conta, no Congresso Nacional, com apoio da maioria dos representantes. Isso
ocorre, evidentemente, não apenas no Brasil, mas também em outros sistemas, e
há uma razão política para isso.
A ideia deste equilíbrio de forças é, exatamente, o de concretizar a
democracia: diferentes órgãos de representação votando projetos de alteração na
legislação brasileira, com vistas a garantir a prevalência da vontade popular.
O grande desafio, portanto, ocorre no momento da discussão de projetos de
interesse do Executivo a serem votados no Congresso.
Entretanto, e infelizmente, nesses momentos, nossa história mostra que o
recurso a atendimento de interesses privados de representantes em troca de seus
votos não foi exceção. Isso não é culpa do sistema eleitoral. Certamente, há
pontos a serem aperfeiçoados, mas somente com uma mudança de mentalidade dos
operadores e atores desse sistema se poderá alterar o foco dos alinhamentos
políticos.
É preciso amadurecer as discussões sobre propostas, as alianças políticas em
torno de projetos ou ideias e a oposição fundada em discordância de concepções.
E, evidentemente, isso é algo a ser concretizado não apenas na representação
federal, mas também na estadual e municipal.
Ainda que pareça utópico e ingênuo, a grande discussão pública que o
julgamento da Ação Penal 470 gerou somente levará a mudanças políticas se esse
momento for utilizado menos para a catarse e mais para a (re)construção
política.
De nada adiantará nos escandalizarmos com os fatos discutidos no julgamento
se, nas eleições que se avizinham, não soubermos escolher candidatos com base
em projetos, ideias e propostas. Deixemos de ser mero expectadores, tomemos as
rédeas de nosso futuro político.
Helena Regina Lobo da Costa é professora doutora da Faculdade de Direito da
USP.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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