Lula sente-se ameaçado. De fato, está. Seu governo corre o risco de receber
diploma de improbidade com o julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal
Federal (STF). E seu partido pode levar uma surra histórica nas urnas de 7 de
outubro - como mostra o último Datafolha. São as razões do desespero que levou
o ex-presidente a pedir socorro a alguns dos partidos da base do governo,
constrangendo-os a subscrever uma nota dirigida "à sociedade
brasileira" na qual se tenta colocar o chefão do PT a salvo das suspeitas
a respeito de seu verdadeiro papel no escândalo do mensalão.
Como não pegaria bem atacar diretamente o STF injusto ou o eleitorado
ingrato, a nota volta-se contra os partidos da oposição, que tiveram a ousadia
de sugerir ampla investigação sobre quem esteve de fato por detrás da trama
criminosa do mensalão, conforme informações atribuídas ao publicitário Marcos
Valério pela revista Veja.
A propósito dessa suspeita natural que a oposição não teve interesse ou
coragem de levantar em 2004, o comportamento do ex-presidente no episódio
merece, de fato, algum "refresco de memória". Quando o escândalo
estourou, Lula declarou que se sentia traído e que o PT devia pedir desculpas
ao País; depois, em entrevista à televisão em Paris, garantiu, cinicamente, que
seu partido havia feito apenas o que todos fazem - caixa 2; finalmente, já
ungido pelas urnas, em 2006, lançou a tese que até hoje sustenta: tudo não passou
de uma "farsa" urdida pelas "elites" para "barrar e
reverter o processo de mudanças" por ele iniciado, como afirma a nota.
Por ordem do chefão essa manifestação de desagravo a si próprio foi
apresentada pelo presidente do PT, o iracundo Rui Falcão, a um grupo
selecionado de aliados. Da chamada base de apoio ficaram de fora o PP de
Valdemar Costa Neto e o PTB de Roberto Jefferson, ambos sendo julgados pelo
STF. O documento leva a assinatura dos presidentes do PT e de cinco outras
legendas: PSB, PMDB, PC do B, PDT e PRB. Seus termos obedecem ao mais rigoroso
figurino da hipocrisia política. Iniciam por repudiar a nota em que PSDB, DEM e
PPS, "forças conservadoras", "tentaram comprometer a honra e a
dignidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva". E a classificam
como "fruto do desespero diante das derrotas seguidamente infligidas a
eles pelo eleitorado brasileiro".
Para PT e aliados, numa velada referência ao processo do mensalão, as
oposições "tentam fazer política à margem do processo eleitoral, base e
fundamento da democracia representativa, que não hesitam em golpear sempre que
seus interesses são contrariados". Nenhuma referência, é claro, ao fato de
que, no momento, os interesses que estão sendo contrariados são exatamente os
de Lula e do PT. Mas, em matéria de fazer o jogo de espelho, acusando os
adversários exatamente daquilo que ele próprio faz, o lulopetismo superou-se em
alusão explícita ao julgamento do mensalão: "Os partidos da oposição
tentam apenas confundir a opinião pública. Quando pressionam o STF, estão
preocupados em fazer da Ação Penal 470 um julgamento político, para golpear a
democracia e reverter as conquistas que marcaram a gestão do presidente
Lula".
Nos últimos dias, os sintomas de desespero nas hostes lulopetistas
traduziram-se em despautérios de importantes personalidades do partido. O
presidente da Câmara dos Deputados acusou o ministro Joaquim Barbosa de ser
falacioso ao denunciar a compra de apoio parlamentar pela quadrilha que,
segundo a denúncia da Ação Penal 470, era chefiada por José Dirceu. O senador
Jorge Viana (PT-AC), ex-governador do Acre, ele próprio investigado pela
suspeita de compra de votos, voltou ao tema do "golpe contra o PT". E
o deputado federal André Vargas (PT-PR), chefe da equipe nacional de Comunicação
do partido, revelou sua peculiar concepção de transparência da vida pública ao
condenar a transmissão ao vivo das sessões plenárias do STF como "uma
ameaça à democracia". São esses os combatentes da "batalha do tamanho
do Brasil" convocada pelo desespero de Lula&Cia. Convocação atendida
também pelo cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, em esfuziante
entrevista no jornal Valor de sexta-feira.
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