segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Oficina Irritada – Carlos Drummond de Andrade


Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.


Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.


Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.


Casamento do Céu e do Inferno
No azul do céu metileno
a lua irônica
diurética
é uma gravura de sala de jantar.


Anjos da guarda em expedição noturna
velam sonos púberes
espantando mosquitos
de cortinados e grinaldas.


Pela escada em espiral
diz-que tem virgens tresmalhadas,
incorporadas à via-láctea,
vaga-lumeando...


Por uma frincha
o diabo espreita com o olho torto.

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