Adriana Carranca
Marcos Valério Fernandes de Souza vive com medo, teme se tornar
"arquivo morto", dizem as poucas pessoas ainda próximas do empresário
condenado a 40 anos de prisão no julgamento do mensalão. Desde que entrou no
Supremo Tribunal Federal com um pedido de delação premiada - quando o réu
oferece mais informações sobre crimes em troca de benefícios -, o
"homem-bomba" que promete levar à Justiça novas revelações sobre o
escândalo capazes de atingir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
raramente deixa o flat para onde se mudou sozinho há pouco mais de um mês.
Quando o faz, usa um carro blindado. Também passou a ser acompanhado por um
segurança, assim como a sua mulher, Renilda Santiago.
A informação de que teria se separado dela por desentendimento entre o casal
foi um blefe. Valério deixou a casa para preservar a família, afastando-se da
mulher e dos dois filhos, confirmam os poucos amigos com quem ele ainda mantém
contato. Segundo um deles, o empresário procurou um psiquiatra e vive à base de
antidepressivos.
Embora com menos frequência, ele ainda vai ao escritório, em um prédio
comercial no centro de Belo Horizonte. Para seu Toyota Hilux SW4 modelo 2012 na
garagem e de lá não sai. Luciano, um funcionário faz-tudo, vai buscar o almoço
do chefe nas proximidades. A última vez que Valério foi visto em público nas
redondezas foi há cerca de um mês, num tradicional restaurante de comida
mineira que costumava frequentar, o Dona Lucinha. Estava com o filho. Ao sair
do local, ouviu de um homem do outro lado da calçada: "Ladrão, filho da
p...". Cabisbaixo, apressou o passo com o menino e não mais voltou.
Desde o início de outubro, ele deixou de levar o caçula de 11 anos à escola
como fazia. Em parte, por segurança. Em parte, por ser alvo de olhares
condenatórios e xingamentos. Com o início do julgamento do mensalão que levou
seu nome novamente às manchetes dos jornais, o menino passou a sofrer bullying
de colegas. Chorava todos os dias, não queria mais ir à aula. Os professores
convocaram uma reunião de emergência com pais e alunos para contornar o
problema.
Não satisfeito, Valério teria tentado transferir o filho da escola onde
cursa a 4.ª série por R$ 779,87 mensais, no bairro Cidade Jardim, na região
centro-sul, para outra também particular mais perto de casa, na Pampulha, zona
norte da cidade. O menino foi rejeitado pela direção por ser filho de quem é. O
mesmo se repetiu em outras escolas.
Valério decidiu então afastar-se. "Sua maior tristeza foi ter perdido a
festa de Dia das Crianças na escola", diz uma pessoa próxima do
empresário, com quem trabalhou por dois anos e continua mantendo amizade.
Estudante de psicologia, a filha mais velha de Valério estaria enfrentando algo
parecido. Um dia desses, deixou a aula de Ética I quando o professor anunciou
que o tema seria o próprio pai.
Renilda vive com os filhos em duas casas coladas uma à outra no bairro da
Pampulha, em Belo Horizonte. Uma casa de mesmo padrão vizinha à propriedade,
localizada no bairro de Bandeirantes, área de mansões próxima à Lagoa da
Pampulha, está à venda por R$ 2,8 milhões, o mesmo valor da multa que o
publicitário terá de pagar à Justiça para ressarcir os cofres públicos.
As casas têm muro altíssimo, cerca elétrica, câmeras e uma torre com guarita
e janelas com vidro à prova de balas. Embora seja possível ver movimento,
ninguém atende ao interfone. Renilda sai pouco. Essa semana fez apenas o
trajeto de casa à escola do caçula, no volante de um Kia Cerato prata 2013. O
segurança que a acompanha chega antes à casa, certifica-se de que não há
ninguém nas proximidades e abre o portão para Renilda, que entra rapidamente.
Ela e o menino só deixam o carro quando o portão se fecha.
A família passa fins de semana em uma fazenda arrendada por Valério no
município de Caetanópolis. Mesmo com os bens bloqueados, vivem uma vida
luxuosa. Além do citado, o empresário possui ainda um Mitsubishi Pajero e um
Mitsubishi Outlander, ambos 2011.
Todos os dias, Luciano passa na casa onde vivem Renilda e os filhos para
pegar a correspondência e outras coisas pedidas pelo empresário. Na terça-feira
deixou um saco de roupa suja com a empregada e saiu de lá levando pelo menos
uma dezena de camisas engomadas para Valério.
Seu advogado, Marcelo Leonardo, um dos mais renomados e caros criminalistas
do País, não explica como o cliente mantém o padrão de vida apesar de ter os
bens bloqueados ou para quem trabalha no escritório que mantém com Rogério
Tolentino, também réu no mensalão. Procurado, Tolentino respondeu, nervoso, que
não falaria. Leonardo diz que espera reduzir a pena de Valério calculada em 40
anos na dosimetria "à metade, pelo menos" e afirma ter entregue o
passaporte do cliente à Justiça em 2005. Sobre a delação premiada, afirma
repetidamente não ter "nada a declarar".
O superintendente da Polícia Federal em Belo Horizonte, Sergio Barbosa
Menezes, disse que ainda não recebeu ordem da Justiça para eventual proteção de
Marcos Valério.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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