Com investidores no foco, discurso é pragmático, sem aprofundar debates globais
Henrique Gomes Batista
RIO - O discurso de estreia da presidente Dilma Roussef em Davos se parece muito com o que de Fernando Henrique Cardoso em 1998: a presidente “vendeu” o Brasil, foi pragmática, falou para Wall Street, justo no momento em que os investidores começam a “enjoar” dos emergentes. Uma estratégia diferente da primeira vez que seu “mentor” esteve no Fórum Econômico Mundial. Luiz Inácio Lula da Silva preferiu, em 2003, debater temas globais e propôs algo mais ousado ao sisudo evento: a criação de um fundo global de combate à pobreza.
Dilma, como FH no fim da década de 1990, discursou em um ano que disputará a reeleição. A presidente tratou dos impactos da crise global de 2008 da mesma forma que o tucano tentou afastar os fantasmas da crise asiática que teimavam em rondar o país. A análise dos três discursos deixa isso nítido: no de Lula, entre as palavras destacadas (veja nas nuvens ao lado), estão “fome” e “esperança”. Nos de Dilma e de FH, aparecem com peso termos como “bilhões”, “investimento” e “dólares”.
Números e números
Martelando nos números, Dilma disse que o sucesso está associado à parceria com os investidores. Divulgou cifras que indicam que o Brasil está se tornando uma nação de classe média. Gastou um terço
do tempo elogiando as concessões públicas — as mesmas que aqui geram polêmica se apresentadas como privatizações. A presidente tentou afastar impressões negativas, afirmando que o Brasil ainda cresce, controla a inflação e é fiscalmente responsável, apesar de, cada vez mais, brotarem dados contrários.
FH, em 1998, fez algo semelhante. Tentou afastar a tese de “contaminação” das crises que assolavam o mundo em desenvolvimento. Com um discurso também recheado de números, o tucano expôs, por 20 minutos, dados positivos do país e apresentou os avanços da privatização. Em 1999, um ano após a fria tarde na Suíça, contudo, o Brasil vivia a maxidesvalorização cambial e avançava para o racionamento energético e o apagão.
Dilma utilizou poucos minutos para falar de temas globais, como a “força” dos emergentes e uma vaga “necessidade de pensar a médio e longo prazo" a recuperação global. Da parte social, apenas disse que o Brasil se aproxima de diversas nações com o futebol, onde luta pela paz e pelo fim dos preconceitos, em sua fala final — improvisada — de três minutos sobre a Copa do Mundo. Dificilmente o discurso da presidente sobre as manifestações de junho terá forte repercussão.
Já Lula, em 2003, ao propor mudanças mundiais, talhava sua imagem de líder global. Seu discurso — facilitado pela estreia do mandato, sem nada ainda para provar e sem a pressão das urnas — foi analisado e debatido por figurões como Bill Clinton. Klaus Schwab, o empresário que preside o fórum, procurou o petista para criar uma força tarefa com a ideia de aproximar Davos de sua antítese, o Fórum Social Mundial, que fazia barulho em Porto Alegre. A proposta não avançou, mas deu créditos a Lula na busca por um protagonismo verde-amarelo, com mais espaço na ONU, no FMI, e a criação do G-20. Ambições que, ao que parece, não fazem parte do discurso de Dilma.
Fonte: O Globo
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