O companheiro de viagem (Editora Cosac Naify), livro do húngaro Gyula Krúdi, um dos mais populares de seu país, cunhou uma expressão muito usada pela esquerda para justificar alianças estranhas ou incômodas. Escrito em 1918, em meio ao baixo astral que se seguiu à Primeira Guerra Mundial e ao colapso do Império Austro-Húngaro, o romance narra a conversa entre dois passageiros de um trem, entremeada por divagações sobre o passado e incidentes da viagem. A expressão “companheiro de viagem” define o tipo de relação que a presidente Dilma Rousseff mantém com o PMDB e outros aliados.
Não deixa de ser uma certa ingenuidade, porém, tratar o PMDB como mero companheiro de viagem. Essa não é uma aliança da qual a presidente Dilma possa abrir mão, a esta altura do campeonato, sem pôr em risco a própria candidatura à reeleição. O maior partido do país, ao contrário do PT, que surgiu dos movimentos sociais, construiu sua trajetória a partir do Congresso, onde está encastelado. Sua estratégia eleitoral é focada no poder local e na preservação do comando do Senado e da Câmara. A ocupação dos espaços na Esplanada dos Ministérios é consequência dessa estratégia, não é o seu objetivo central nas eleições. Ou seja, os caciques do PMDB não vão subordinar seus próprios interesses eleitorais aos do PT nos estados em troca de ministérios.
O melhor exemplo de como isso se passa vem do Ceará, onde o senador Eunício de Oliveira (PMDB) pleiteia o apoio do PT à sua candidatura a governador e não aceita abrir mão da candidatura à sucessão de Cid Gomes (Pros) para ser ministro da Integração Nacional, um dos cargos mais cobiçados pelos políticos nordestinos. Líder do PMDB no Senado, Eunício é tratado como companheiro de viagem. Era um aliado tão bom que chegou a ministro das Comunicações do governo Lula, mas não serve para ser governador do Ceará, onde o PT prioriza a aliança com os irmãos Cid e Ciro Gomes.
Outro companheiro de viagem é o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), principal esteio da eleição de Dilma Rousseff no estado em 2010. Seu candidato à sucessão é o vice-governador Luiz Fernando Pezão, que sempre teve boa relação com o Palácio do Planalto. O PT tem um candidato competitivo ao governo fluminense, o senador Lindberg Faria (PT), e dele não pretende abrir mão, enquanto a dupla Cabral e Pezão está em apuros eleitorais. O embate do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), com a presidente Dilma Rousseff tem esse por pano de fundo. Caso fosse apenas uma frustração devido à ocupação de um ministério, certamente Cunha já teria sido isolado.
Eduardo e Marina
Esse tipo de relação, porém, não é um privilégio da coalizão governista. Também ocorre entre o PSB do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, e a Rede, de Marina Silva. A aliança entre os dois não foi um ponto de chegada, é apenas um ponto de partida. A ex-senadora era a candidata de oposição com mais densidade eleitoral, mas rompeu com o PV — pelo qual disputou as eleições passadas e teve 19 milhões de votos — e resolveu fundar o seu próprio partido. Como não conseguiu registrá-lo em tempo hábil, ficou sem legenda. Entre se filiar a outro partido para ser candidata ou apoiar outro candidato de oposição, preferiu se aliar ao governador Eduardo Campos, que foi seu colega de Esplanada no governo Lula.
Marina Silva não desistiu de ter o seu próprio partido, nem de ser presidente da República. A Rede trata Eduardo Campos como companheiro de viagem e faz exigências para Marina compor a sua chapa como vice. Uma delas é acabar com a reeleição; outra, indicar os candidatos a governador onde tem aliados ligados à Rede. São os casos de Miro Teixeira (Pros) no Rio de Janeiro; José Antônio Reguffe (PDT), em Brasília; e Ricardo Yong (PPS), em São Paulo.
Aécio e Agripino
Podemos comparar a aliança do PSDB com o DEM a uma viagem pela Transiberiana, com seus 9,2 mil quilômetros de Moscou a Vladivostok. A aliança começou no governo Itamar Franco, tecida pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e pelo falecido deputado Luiz Eduardo Magalhães, filho do então governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, ambos do antigo PFL. Agora, anda meio congelada por causa do enfraquecimento do DEM e de algumas disputas regionais. Na terça-feira, o senador Aécio Neves, pré-candidato do PSDB à Presidência da República, teve uma conversa com o presidente da legenda, senador José Agripino Maia (RN). A razão do gelo entre as duas agremiações são o vice de Aécio e o apoio aos candidatos do DEM nos estados. O ex-prefeito César Maia, no Rio de Janeiro; e o deputado Ronaldo Caiado, em Goiás, não querem ser apenas companheiros de viagem.
Fonte: Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário