Por Luiz Zanin
Morreu, ontem, dia 1 de março, aos 91 anos, o cineasta francês Alain Resnais, autor de clássicos como Hiroxima, meu Amor e O Ano Passado em Marienbad. O diretor chegou a ser premiado no recente Festival de Berlim, quando apresentou seu último filme, Amar, Beber e Cantar. Por razões de saúde não compareceu ao festival alemão. Este filme é o fecho de uma obra extraordinária.
Resnais assina uma série de curtas-metragens (Van Gogh, 1948, Gauguin, 1950, Nuit et Bruillard, etc) até chegar ao seu primeiro longa-metragem, Hiroxima, meu Amor (1959), obra-prima cujo efeito no meio cinematográfico foi considerável. Em depoimento feito no ano passado na Mostra de São Paulo, o importante crítico francês Michel Ciment, da revista Positif, classificou Hiroxima como o maior divisor de águas do cinema contemporâneo. Mais influente do que toda a nouvelle vague junta, acrescentou.
O filme é a narrativa mais pungente da Segunda Guerra e do holocausto atômico, fatos que emergem do diálogo entre uma francesa (Emmanuelle Riva) e seu amante japonês (Eiji Okada). Ela conta como fora amante de um invasor alemão em Nevers durante a guerra, e a confissão, feita em sussurros, encontra eco nas palavras do homem, cuja vida foi inteiramente marcada pela explosão da bomba. Hiroxima é um filme-marco, um filme-farol, decisivo para todo o cinema que se fez depois dele.
Como clássico, não contém apenas seu resíduo, digamos, histórico, mas outras camadas de interpretação. Testemunha, também, a grande preocupação de Resnais com a memória e o tempo, que se expressaria de maneira ainda mais marcante em O Ano Passado em Marienbad, com o qual venceu o Leão de Ouro em Veneza, em 1961.
Resnais gostava de filmar apoiando-se em textos alheios. Em Hiroxima, no de Margueritte Duras; em Marienbad, no de Alain Robbe-Grillet, um dos nomes famosos do nouveau roman francês. Assim faria nos trabalhos seguintes “adaptando”textos de Caryol (em Muriel), David Mercer (Providence), Henri Laborit (Meu Tio na América), entre outros.
Com essa inspiração no trabalho literário alheio, Resnais manteve-se contemporâneo de si mesmo e foi atravessando fases diferentes do cinema mundial sempre fiel ao seu estilo. Nem sempre faz um cinema fácil. Pelo contrário, seus filmes exigem uma postura atenta do espectador, como contrapartida ao empenho artístico do realizador. Por exemplo, em Providence, um velho escritor sofrendo de doença terminal (John Gielgud), narra sua vida em meio a um processo alucinatório. Apenas dessa maneira podemos decodificar o filme e, uma vez instalados no exercício delirante do personagem, podemos segui-lo à vontade.
De qualquer forma, um filme de Resnais não é nunca uma coisa só. Em Muriel – Tempo de Retorno (1963), uma mulher tenta minimizar o tédio evocando a memória de um seu amor do passado. Enquanto isso, um personagem vive atormentado por uma lembrança da guerra da Argélia, na qual uma jovem de nome Muriel foi torturada até a morte. Essas franjas de realidade entram de maneira a mais surpreendente nos filmes de Resnais, mesclando o real bruto à mais subjetiva das narrativas dos personagens. Fazia com perfeição esse laço entre o real e o imaginário, o sujeito movendo-se no tortuoso pano de fundo da História.
Alguns dos últimos filmes de Resnais foram inspirados em textos do dramaturgo inglês Alan Ayckbourn. Fumar/Não Fumar é um fantástico exercício de probabilidades, em que toda uma trama é alterada pelo simples fato de um personagem fumar um cigarro, ou não fazê-lo. Ervas Daninhas mostra a obsessão de um personagem masculino (André Dussolier) por uma mulher (Sabine Azéma), de quem encontra a carteira perdida na rua. O testamento de Resnais, Amar, Beber, Cantar também é baseado em Ayckbourne.
O filme ganhou em Berlim o Prêmio Alfred Bauer, destinado a estimular a inovação cinematográfica. Não faltou quem ironizasse que tal prêmio fosse dado a um diretor de 91 anos. Mas faz todo sentido: quantos diretores jovens contemporâneos têm em si a chama de invenção de um Resnais?
Apesar de difícil, muitas vezes o cinema de Resnais conseguiu comunicar-se com o público. Medos Privados em Lugares Públicos, com sua ciranda de amores frustrados, comoveu o público paulistano a ponto de manter-se por dois anos seguidos em cartaz na cidade, no Cine Belas Artes. Foi uma espécie de redescoberta do cineasta no Brasil.
O fato é que, sempre fiel a um estilo cerebral e reconhecível, sua assinatura, Resnais reinventou-se a cada filme, a partir do material literário que tinha em mãos. Um não era parecido com o outro, embora todos tivessem a matriz comum da sua autoria.
Resnais morreu jovem.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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