A inflação de outubro pode ter sido uma boa notícia para o governo e um alento para os mais otimistas. Depois de uma alta de 0,57% em setembro, os preços ao consumidor subiram apenas 0,42% no mês passado, detalhe destacado quase com entusiasmo em alguns dos primeiros comentários profissionais. Com esse resultado, o aumento no ano chegou a 5,05% e já ficou muito acima da meta oficial, de 4,5%, mas quem se importa com isso? Se o número de outubro se repetir neste mês e no próximo, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) terá subido 5,93% em 2014 - um resultado praticamente igual ao de 2013, de 5,91%. Pelo quinto ano consecutivo o dado final ficará na vizinhança de 6%. A presidente Dilma Rousseff e seus auxiliares poderão manter o discurso oficial sobre a inflação sob controle e sempre dentro da meta - como se a margem de tolerância de 2 pontos porcentuais fosse parte da meta.
Por enquanto, esse resultado é só uma esperança, justificada pela aparente melhora do cenário no mês passado. Até outubro, a inflação de 12 meses, 6,59%, continuou acima do "teto da meta", uma distorção conceitual muito conveniente para a retórica do governo.
Enquanto o público engolir essa licença poética, os defensores da política oficial poderão continuar proclamando a seriedade e a eficácia da política anti-inflacionária, mesmo com a inflação brasileira muito acima dos níveis observados na maior parte dos emergentes. Inflação acima dos padrões produz muito mais que estragos no orçamento dos consumidores e no planejamento das empresas. Também desajusta o câmbio, torna a produção nacional menos competitiva e prejudica a geração de emprego industrial.
Mas a inflação terá mesmo perdido impulso? No atacado, os preços aumentaram 0,73% em outubro, depois de um recuo de 0,18% em setembro, como informou nesta semana a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Quedas no atacado nem sempre se transmitem ao varejo, especialmente quando a demanda dos consumidores é muito forte. Mas aumentos acabam quase invariavelmente afetando os preços nas etapas seguintes de processamento e de comercialização e acabam chegando, de alguma forma, às lojas, feiras e supermercados.
Além disso, a inflação tem sido e continuará sendo afetada pela liberação gradual de preços contidos politicamente. As tarifas de eletricidade já têm sido aumentadas, mas ainda há ajustes pela frente. A isso é preciso acrescentar os prováveis efeitos da seca. A geração hidrelétrica ainda será prejudicada por algum tempo e isso poderá resultar em preços maiores nos próximos leilões de energia.
O Banco Central (BC) aumentou de 5% para 5,3% a projeção de alta dos preços administrados por contrato e monitorados. Para 2015 está projetada uma alta de 6%, segundo a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Essas estimativas foram divulgadas na quinta-feira de manhã. Horas depois, a Petrobrás anunciou reajustes de 3% para a gasolina e de 5% para o diesel. A Petrobrás, segundo estimativa do mercado, perdeu uns R$ 2,4 bilhões este ano com o controle de preços. Novos aumentos, segundo analistas, provavelmente ocorrerão em 2015.
Mas é preciso levar em conta outros fatores inflacionários, mais constantes e de efeito mais amplo. Em outubro, 64,7% dos itens incluídos no IPCA foram reajustados. Em setembro, 61,4% dos itens haviam encarecido. A difusão dos aumentos mostra condições de mercado muito propícias ao repasse de preços mais altos. Pode-se apontar em cada mês este ou aquele vilão da inflação - a alimentação, o transporte, a energia elétrica, etc. Mas o vilão de fato é a política focada mais no consumo do que no investimento e na produção.
Essa política marcou os últimos 12 anos de governo. Em cada Ata do Copom há referências ao descompasso entre consumo e oferta e a uma "demanda robusta", alimentada pelo gasto público, pela expansão do crédito e por aumentos salariais maiores que os ganhos de produtividade. Mantida essa política, a inflação continuará longe da meta e o cenário de baixo crescimento e desajustes fundamentais ficará muito mais feio.
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