• Classe média autêntica já é a parcela da sociedade na qual sobressai a disposição para melhorar de vida. Não é mais o que a esquerda chamava de pequena burguesia
- O Globo
Em outubro de 1930, ao chegar aos 40 anos e já de olho na aposentadoria, a Primeira República bateu o pino, a sucessão presidencial saiu de controle e o candidato oficial venceu, mas não levou. Armou-se, então, a solução em termos militares, mas o bom senso e a negociação para evitar o pior levaram ao poder, como presidente provisório, Getúlio Vargas. Provisório, mas durável. E se manteve no cargo até 1945 (sem passar pelo crivo das urnas). Assim como fora levado, Vargas também veio a ser retirado do poder, 15 anos depois, pelas mesmas Forças Armadas. Voltaria, mas pelas urnas, em 1951 (cinco anos depois de ser despejado). Era o Brasil ainda rural, população de 30 milhões. Sem classe média com peso nas urnas.
No final da Segunda Guerra Mundial, com o sucesso militar das democracias, os brasileiros saíram às ruas para apressar a nossa volta à democracia, depois de oito anos de ditadura. Com a eleição à vista, recomeçou para valer a restauração das liberdades políticas. Os privilégios reservados a poucos ofendiam a muitos.
Já em 1964 foi a classe média que fixou seu perfil e levou às ruas a juventude da maior parcela da sociedade. Uma classe média que começava então a mostrar a contribuição ao seu alcance, e já a caminho de somar, na responsabilidade política, a maior parcela da sociedade. Já dá para reconhecer a consciência e o peso do seu papel histórico na democracia.
Um olhar atual mais atento deixa claro que o Brasil já é, com razoáveis sobras, capaz de operar a classe média com determinação para fazer, da democracia, hábito renovável pelas urnas.
Já é tempo também de ver com outros olhos o que se entende por classe média numa sociedade que, depois de fartar-se dos padrões rurais, limitados por natureza (e escassez de recursos), foi seduzida pelo espírito de competição.
A classe média autêntica já é a parcela da sociedade na qual sobressai a disposição para melhorar de vida, em todos os sentidos. Não é mais o que a esquerda chamava de pequena burguesia. Já se sente a grande classe, com a qual o Brasil pode contar. Não falta mais, para consolidá-la, a consciência política universal e a responsabilidade social.
A expansão social da classe média está, politicamente, mais de acordo com tempos voltados para o futuro. Foi o futuro que tocou a campainha. A classe média fala melhor o português, arranha o inglês e não comete mais tantos erros de concordância gramatical. Nem faz cara de boba quando ouve língua estrangeira.
A verdade que incomoda a esquerda é que a classe média brasileira não brotou da evolução política, mas do salto social a partir da industrialização. As constituições brasileiras não eram livros de cabeceira dos cidadãos e a política não se dava ao respeito dos próprios políticos, depois que despiam a indumentária de constituintes e voltavam as costas aos cidadãos.
O problema do atraso político nacional já não é o brasileiro de classe média despolitizada e provinciana. Há menos temor em relação aos disparates políticos, e mais consciência de que é possível chegar a um equilíbrio democrático sem recorrer a expedientes e subterfúgios.
O Brasil — queiram ou não aqueles que estão com a batata quente na mão — pode não divisar, com clareza, o futuro, mas dá para sentir que a classe média não só existe como tal, mas se expande com maior rendimento do que a concorrência: superou o hábito de olhar para trás, como se a História fosse livro de ficção. Já é para valer.
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Wilson Figueiredo é jornalista
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