terça-feira, 31 de março de 2015

Míriam Leitão - Joga pedra no Levy

- O Globo

Para a difícil missão de pôr no lugar a bagunça feita na economia, o governo escalou um ministro da Fazenda que pensa completamente diferente da crença econômica que a presidente exibiu no primeiro mandato. Agora o manda para missões impossíveis no Congresso, como a de tentar impedir que entre em vigor uma lei sancionada. Se tudo der errado, o PT já sabe o que fazer: joga pedra no Levy.

Ontem, Levy foi o enviado especial ao território adversário. Foi conversar com o presidente do Senado e propôs o seguinte: que a regulamentação da lei da mudança na indexação da dívida dos estados e municípios seja adiada por um ano. Ouviu um não. O assunto já está na pauta e em regime de urgência. Hoje, irá à Comissão de Assuntos Econômicos e tentará de novo a missão impossível: convencer senadores a ficarem contra os interesses dos estados.

Levy encontrou sentado na cadeira de presidente do Senado um político que já sobreviveu a tudo. Renan Calheiros sabe sobreviver, isso ninguém pode negar. Agora, está diante de novo perigo, como um dos investigados na Operação Lava-Jato. Por que ele cederia a um governo que está em crise? Ele fará o que seu instinto considerar mais efetivo para ele permanecer na política. O erro foi a presidente Dilma ter sancionado a lei no ano passado. A conversa foi a três, sem assessores. O outro participante também é campeão de sobrevivência: Romero Jucá, o homem que foi líder de todos os governos.

Política é um mundo muito diferente da economia. Argumentos racionais, números exatos e projeções feitas em Powerpoint não funcionam. Aliás, a dúvida é o que funciona numa política ensandecida. Como disse o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a coalizão governamental se desfez em fingimentos recíprocos. O governo finge que o PMDB está na coalizão, e o partido faz críticas violentas à maneira da presidente Dilma de governar e aos rumos do seu mandato. É a primeira vez que o PT no governo enfrenta uma oposição. E ela vem de dentro dessa suposta coalizão. Para ser coerente, o PMDB de Renan e Cunha tinha que entregar todos os cargos. O risco é a saída dos indicados engarrafar a Esplanada dos Ministérios.

Se política é um mundo à parte, diferente da lógica econômica, muito mais agora, que ela perdeu toda a lógica. Mesmo em cenário pacífico para a presidente, que chances teria um ministro da Fazenda de convencer senadores a adiar uma lei que foi aprovada com o apoio da antiga equipe econômica e sancionada pela atual presidente? Há muitas batalhas para Levy, ele deve escolher as que tem alguma chance de vencer. Levy se esforça, no entanto, neste mundo que não domina. Foi conversar de novo com o prefeito Eduardo Paes para tentar o apoio dele para a ideia do adiamento por um ano. Pode ser.

Cada palavra de Joaquim Levy é analisada com lupa no governo para que se encontre sua culpa, suas medidas são contestadas abertamente, como se ele fosse culpado pela crise. No PT, o ataque já está preparado. Será tudo considerado culpa do ministro da Fazenda. Ele está empenhado na missão impossível de fazer o ajuste fiscal em um governo que genuinamente acredita que a gastança traz o crescimento.

O primeiro mandato deixou a economia em ruínas, e a presidente Dilma não foi efetiva - para dizer o mínimo, o mais leve dos adjetivos - em evitar o pior. Ela deixou a turma de Mantega e Augustin levar às últimas consequências uma política insensata. O país está estagnado neste começo de 2015 com inflação em 8%. Sim, o nome disso é estagflação. Obra da turma que já se recolheu depois de cumprir todas as ordens de Dilma. Aquela política econômica era genuinamente dela. Deu errado. Agora chamam Joaquim Levy para consertar. Vai levar tempo e vai doer. O PT, o que faz? Bota a culpa no Levy. Joga pedra no Levy.

A presidente chamou um ministro que tem pensamento econômico completamente diferente do seu, do seu ministro da Casa Civil e da direção do PT. Achou que assim era mais fácil: chama o Levy, ele põe ordem na casa, e depois basta pôr nele a culpa dos efeitos colaterais. Em seguida, o país parte para nova etapa de crescimento. O problema é que para funcionar a presidente Dilma tem que ser mais efetiva ao governar.

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