Efeito Petrobras no BNDES
• Banco tem perdas de r$ 2,6 bi com petroleira, e auditor aprova balanço com ressalvas
Marcello Corrêa - O Globo
Crises em série
A crise na Petrobras começou a afetar as contas do BNDES. Em seu balanço financeiro de 2014, divulgado ontem, o banco de fomento estimou perdas de R$ 2,6 bilhões com a petroleira, da qual é um dos principais acionistas. As perdas ocorrem no ano em que a estatal viu seu valor de mercado encolher 40%, com a série de escândalos investigados no âmbito da Operação Lava-Jato e com as turbulências causadas pela queda dos preços do petróleo no mercado internacional.
Do total de perdas estimado em R$ 2,6 bilhão, somente R$ 1 bilhão foi contabilizado no resultado como perda permanente com a Petrobras. O montante restante, de R$ 1,6 bilhão, foi contabilizado apenas como baixa patrimonial - sem afetar, portanto, o lucro do banco. Essa diferenciação ocorreu porque o valor refere-se a ações que foram transferidas diretamente pela União na capitalização do banco. Uma resolução de 2012 do Conselho Monetário Nacional determina que estes papéis só podem ser contabilizados no resultado quando forem, de fato, vendidos, o que ainda não ocorreu.
Exposto às intempéries da petrobras
A KPMG, auditora do banco, aprovou os resultados com ressalva. Dois fatores contribuíram para isso: o fato de o banco não ter podido descontar de seu resultado o R$ 1,6 bilhão em perdas com a Petrobras e a ausência do balanço auditado da Petrobras referente ao ano passado - em razão de dificuldades da petroleira em estimar perdas contábeis com casos de corrupção. "Consequentemente, o lucro líquido individual e consolidado do semestre e exercício findos em 31 de dezembro de 2014 está aumentado em R$ 1,6 bilhão, líquido dos efeitos tributários", diz a KPMG, no balanço do BNDES.
- A ressalva por limitação do escopo é causada porque fechamos o balanço auditado sem as informações auditadas da Petrobras. Esse parecer pode ser revisado, tão logo seja liberado o balanço da Petrobras - explica Selmo Aronovich, superintendente da área financeira, descartando, contudo, que a divulgação do balanço vá alterar os resultados do banco.
De acordo com os resultados divulgados ontem, o BNDES lucrou R$ 8,59 bilhões no ano passado, o que representa alta de 5,4% frente a 2013. Além do lucro maior, o balanço mostrou um aumento dos ganhos com participações societárias em geral, que passaram de R$ 2,5 bilhões em 2013 para R$ 2,9 bilhões em 2014. Além disso, manteve em 0,01% seu nível de inadimplência.
Apesar da crise envolvendo a petroleira, o BNDES confirmou que não se desfez de nenhum papel da Petrobras, que, em alguns casos, são mantidos na carteira do banco há mais de 20 anos. Em 31 de dezembro de 2014, o banco tinha 17,24% de participação na companhia, o que equivalia a R$ 22,4 bilhões. Desse percentual, 10,37% são alocados na BNDESPar, braço de participações do banco. Outros 6,87% são detidos diretamente pelo banco de fomento.
No ano passado, o patrimônio do banco subiu para R$ 66,2 bilhões, alta de 9,3% em relação ao ano anterior.
Para analistas, o resultado mostra que o banco está exposto às intempéries da Petrobras. O economista Cláudio Frischtak, sócio da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, destaca que a exposição sofrida pelo BNDES é dupla, já que é, ao mesmo tempo, credor e acionista da petroleira.
- Isso aponta a importância de você envolver mais o setor privado e o mercado de capitais nos financiamentos. A moeda do BNDES deveria ser a mais escassa do Brasil. De modo geral, teria que usar esses recursos de forma racionada - destaca.
O economista Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, destaca ainda que esse efeito pode ser maior, se forem consideradas outras companhias envolvidas na Operação Lava-Jato, que, por causa das investigações, estão sujeitas a fragilidades financeiras.
- A Petrobras afeta o balanço de empresas grandes. Tanto empreiteiras como outras que são clientes do BNDES. Essa perda pode ser ainda maior. Os três bancos públicos são muito expostos a todo esse setor de petróleo - avalia.
Já o pesquisador do Ibre/FGV José Roberto Afonso destaca que o fato de ter informado em balanço as perdas com ações da Petrobras não traz preocupação sobre as finanças do BNDES.
- Como o BNDES pode investir com o prazo mais longo possível, isso não traz preocupação para a saúde econômica do banco. Agora, deveria preocupar mais o país e o governo porque pode limitar a atuação do banco em termos financeiros - afirma Afonso.
Frishtak, da Inter.B, avalia que o resultado positivo, mesmo com a pressão para baixo da maior empresa do país, é decorrente de uma combinação de fatores, que vão desde a posição estratégica do banco até os mecanismos para proteção.
- O BNDES oferece os recursos mais competitivos, já há alguns anos. Na lógica do devedor, o BNDES tem preferência absoluta. É verdade que o BNDES pode ter cometido erros, mas tenta se proteger com garantias.
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