• Para o filósofo, tendência é de “acordão” entre governo e PMDB para afastar impeachment e limitar alcance da Lava Jato
Vasconcelo Quadros -iG São Paulo
O filósofo José Arthur Giannotti, da Universidade de São Paulo (USP), diz não acreditar que a nova onda de manifestações possa definir mudanças de impacto na política e nem que o atual Congresso coloque em votação um eventual impeachment da presidente Dilma Rousseff.
“A tendência é por um acordão. Se botar todo mundo na cadeia, o legislativo para de legislar, as empreiteiras param de funcionar e o salto pra frente de desenvolvimento, com obras de infraestrutura, não acontece”, disse o filósofo em entrevista ao iG. Ele diagnostica que as instituições padecem de uma “anemia geral” e prevê uma saída sem rupturas da crise, bem ao jeitinho brasileiro.
“A Dilma, teimosa, vai à ponta do abismo, mas não salta. E ela está fazendo o que? Se reaproximando do Lula _ com quem estava rompida _ e juntando-se ao PMDB. Provavelmente teremos um novo governo Sarney (José Sarney/1985-1990). Estamos fadados a mais quatro anos de pasmaceira”, prevê.
O cenário de um impeachment, segundo Giannotti, seria o pior dos mundos para a oposição: o vice-presidente, Michel Temer, não teria condições de “segurar” a crise, o governo passaria para as mãos do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que em três meses seria obrigado a marcar uma nova eleição.
“O Lula seria o grande beneficiário do impeachment e poderia vencer a eleição, ele ou alguém da esquerda”, afirma. O filósofo frisa que o ex-presidente ainda tem força e ficou praticamente à margem das críticas que partiram da megamanifestação de 15 de março em São Paulo. “Você viu Fora Dilma, Fora PT, mas não Fora Lula”, observou.
Segundo o filósofo, há mais uma questão importante envolvida no grande acordo político em curso, o acordão, que ele chamou de “trama lamacenta”: a restrição da Operação Lava Jato a seus efeitos judiciais e não mais como uma espécie de cruzada de depuração na política cujo alcance não deverá ir além dos grupos políticos conhecidos e nem produzirá abalo no sistema.
“A Lava Jato é fundamental, tende a avançar, mas na hora em que começar a julgar e as denúncias forem para a CPI, o acordão vai pegá-la, vai absorvê-la. Não creio que possamos ter no Brasil uma operação como foi a Mão Limpas, na Itália”, disse. Cético quanto a possibilidade de abalos no sistema político atual, diz que não vê motivos para rupturas.
“Eu não creio em impeachment. É um processo que pede base jurídica e política. Base jurídica dificilmente vai haver e mesmo havendo, a menos que tenhamos uma corrosão social, esse Congresso não vai votar impeachment”, diz, taxativo.
Giannotti disse que ficou assustado com a análise apressada de acadêmicos que, sem dados mínimos, pintaram a manifestação de 15 de março, na Avenida Paulista, como uma nova Marcha da Família e de características fascistas ou revolucionárias. Para ele, as manifestações têm motivações simples: quem protestou na sexta 13 (CUT, MST e UNE) pediu “não mexam nos nossos benefícios” e os que foram no domingo (universitários, na maioria) querem reforma política para serem representados. Os protestos, segundo ele, deveriam “empurrar pra frente” o sistema político, mas este, desgastado, só consegue reagir de forma aleatória e vagarosa, levando com a barriga.
“Estamos entrando numa espécie de era lamacenta. As universidades estão acéfalas, o judiciário aparece em grande estilo, mas a bandidagem continua por aí. As leis parecem ser seguidas, mas não têm grandes efeitos e grandes instituições, inclusive o Supremo, estão entrando numa espécie de broadcast hollywoodiano, em que a eficácia para resolver as questões é muito pequena”, cutuca.
Para completar o cenário de caos e de desolação, o filosofo diz que o PSDB, que tem como referência de lucidez seu amigo Fernando Henrique Cardoso, mas nunca foi um partido _ e sim “uma aliança das oligarquias” com um projeto de social democracia _ não se organizou para enfrentar a crise.
Ele acha que a esquerda, única força capaz de pressionar o sistema capitalista, precisa se renovar. “Não vejo um partido forte e capaz de resolver a situação atual. A esquerda está anestesiada e foi inteiramente corrompida”.
Confira a entrevista:
IG: Qual é a saída para a crise política?
José Arthur Giannotti: A tendência vai ser um acordão, claro, porque se você botar todo mundo na cadeia, de um lado o Legislativo para de legislar e, de outro, as empreiteiras param de funcionar. Isso significa que não haverá salto pra frente de desenvolvimento porque as obra de infraestrutura não serão feitas, a não ser que entregue para empresas internacionais _ o que certamente seria uma alienação da nossa capacidade produtiva. Então a tendência, a meu ver, hoje, é um acordão.
Que avaliação o senhor faz de um eventual impeachment?
Eu não creio em impeachment. É um processo que, primeiro, tem de ter uma base jurídica, e depois política. Base jurídica dificilmente vai haver e mesmo havendo, com esse Congresso não há impeachment. A menos que tenhamos uma corrosão social, esse Congresso não vai votar impeachment.
O impeachment é, então, uma hipótese completamente descartável?
Se tiver impeachment, não creio que o Temer segure. Então teremos Cunha e três meses depois eleição, com Lula ganhando ou alguém da esquerda. A população foi alijada do poder e, nessas condições, o impeachment, em vez de resolver, vai aprofundar a crise. Não vejo um partido forte e capaz de resolver a situação atual. Meu desespero é o que acho que vai acontecer: a Dilma, teimosa, vai à ponta do abismo, mas não salta. E ela está fazendo o que? Se reaproximando do Lula e juntando-se com o PMDB. Provavelmente teremos aí um governo Sarney, a pasmaceira.
O que esperar nesse cenário que o senhor traça?
O que espero é que as instituições, ao levar ao limite suas inaptidões, sejam capazes de se reinventar. Essa esquerda que está aí foi anestesiada e inteiramente corrompida. Ela precisa ser renovada, sem o que, num governo de centro, de esquerda ou direita, não teremos um país moderno.
A oposição pode aglutinar as insatisfações?
O PSDB nunca foi um partido. O PSDB sempre foi uma aliança entre oligarquias, com um projeto visando uma social democracia, isto é, visando uma produção capitalista com um estado forte, mas não teve massa para exigir uma política realmente inovadora. O PSDB tem uma proposta (para a crise), se organizou? Não. O Aécio (senador Aécio Neves, que desistiu de participar da megamanifestação de 15 de março) recuou.
Que mudanças o senhor acha que deve acontecer?
Não vai ter grandes mexidas. A relação de Dilma com o Congresso está se alterando. Já botaram o Mercadante (ministro Aloizio Mercadante, da Casa Civil) pra escanteio e o Temer foi chamado ao núcleo do governo. PMDB e DEM já estão falando numa lei que venha a reduzir a 20 os ministérios. Então já se começa a ver reformas, mas que não são reformas que possam satisfazer as massas e vai corroendo o que está aí.
Alguma luz no fim do túnel?
Dessa pasmaceira pode ser que venha um “reajuste reajustado” e aí a gente não vai para um lado nem para o outro. Estamos fadados a quatro anos de pasmaceira. Mas desse pântano pode surgir uma sementeira que ajude a reconstruir as instituições, como as universidades, que foram criadas desvairadamente e poucas delas são realmente formadoras de bons intelectuais e de tecnologia.
As manifestações e as investigações sobre a Petrobras podem influenciar a política?
A megamanifestação empurra o sistema político, mas como o sistema político está inteiramente desgastado, reage de maneira muito aleatória, vagarosamente, satisfazendo alguma manda da população. O resto o sistema vai empurrando com a barriga. Acho que vivemos uma situação muito dramática, temos tarefas enormes para serem realizadas, e entrando numa espécie de era lamacenta. Isso não acontece só com a política, mas com muitas das instituições.
A Lava Jato não sugere mudanças?
A Lava Jato é fundamental, tende a avançar, mas na hora que começar a julgar, a ir (as denúncias) para a CPI, o acordão vai pegá-la. Não creio que possamos ter no Brasil uma operação que chegue perto do que foi a Mãos Limpas, na Itália.
Quem foi às ruas protestar?
A maioria dos que foram nas duas manifestações, entre sexta e domingo, era de universitários, uma diferença de 6% entre um e outro ato, o que significa uma pequena parcela que, mesmo com uma enorme massa, não representa a maioria da população. É uma minoria que passou pela universidade e tem uma aspiração de ascensão social. Por isso, peço calma: a manifestação não vai definir a política brasileira.
Qual é a motivação desses grupos?
Dizer que é fascismo é besteira porque três ou quatro gatos pingados pedindo a volta do regime militar não significa nada; que é democrático, não sabemos, porque democracia é representação e esse pessoal não está sendo representado por nada. O que é preciso ver é como as manifestações afetam o sistema político e serão representadas. Quem foi domingo pede reforma política, ou seja, ‘eu quero ser representado, quero ser ouvido’. A da sexta-feira anterior era simplesmente ‘não mexam nos nossos benefícios’.
O grito dos manifestantes encontrou algum eco?
A ressonância são os pequenos ecos no rearranjo político, como a reaproximação de Dilma e Lula, Temer entrando no governo, conversa do Palácio com Renan Calheiros e Eduardo Cunha (presidentes do Senado e da Câmara), essa trama lamacenta que, a meu ver, garante a continuidade do governo. Lula e Dilma estavam rompidos e se reaproximaram com a crise.
As manifestações podem se ampliadas?
Em geral, a tendência das grandes manifestações espontâneas é que elas apareçam como clarões e depois vão diminuindo, a não ser que tenhamos um fenômeno explosivo. A inflação está aí, mas não sei até que ponto pode criar um fenômeno de massa importante. O panelaço foi interessante: as pessoas não querem ouvir mais uma determinada voz. A tendência abstrata é que as manifestações possam refluir.
Então as ruas não produzirão efeito?
Qualquer proposta que fique apenas na mídia ou perdida lá no Congresso não vai funcionar porque o acordão é mais importante por seu caráter político-institucional e envolver os três poderes. O acordão é muito mais forte.
O que chamou sua atenção na repercussão do protesto?
A reação da academia me assustou. 24 horas depois do 15 de março, um monte de gente falando sem ter os mínimos dados, uns dizendo que era igual a marcha da família, outros que era igual ao fascismo, ou revolução, sem que olhasse nem os dados que o Datafolha estava concluindo.
Quais são as razões da inércia?
O que há é uma anemia geral das instituições, que vai da universidade a política, pegando todos, inclusive o judiciário. Não me digam que gestão política seja não resolver ou não ter previsto a questão da água e de energia e achar que resolve modernização de uma cidade pintando faixas de ônibus e de ciclovias!
O modelo de distribuição de renda baseado nos programas sociais esgotou?
É preciso produzir para distribuir. A década dourada de Fernando Henrique e Lula já se foi, os produtos estão faltando e os 40 milhões de brasileiros incorporados ao mercado (de consumo) podem sair rápido desse mercado. A população está seriamente assustada. E a esquerda não está sabendo produzir riquezas. O que a esquerda (de hoje) tem que pensar? Enfrentar essa dualidade, que é a produção capitalista e democracia, mas não pode ser um capitalismo com capital estatal porque o capitalismo mudou violentamente e hoje está baseado no progresso tecnológico. A população quer o produto que o capitalismo de Estado não produz porque não é globalizado. A democracia entra pelos poros da tecnologia.
Nesse cenário, qual o futuro da economia?
Depois do boom internacional, Lula pensou em desenvolver uma espécie de “capitalismo a brasileiro”, com os grandes heróis produtivos e foi buscar Eike Batista e a Friboi, ou seja, empreendedores que não estavam na tecnologia de ponta. Como não temos tecnologia equivalente ou política que ajudasse a indústria como um todo, mas apenas os grandes heróis do “lulopetismo”, o resultado foi que a indústria nossa está no brejo.
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