Já ficou suficientemente claro que constitui inaceitável interferência do Judiciário no Legislativo a pretensão manifestada originalmente pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de propor “um rito que vai do começo ao final” para o julgamento do processo de impeachment. Em respeito ao princípio constitucional da separação de Poderes, cabe somente ao Legislativo decidir o que lhe é próprio, a começar pelo modo como realiza suas votações. A respeito dessa autonomia não pode haver o mais remoto questionamento, mesmo em tempos de acentuada judicialização da política. No entanto, o debate suscitado pela declaração de Fachin acabou encobrindo o fato de que o Executivo tenta, deliberadamente, fazer do Supremo um involuntário instrumento de seus propósitos. Assim, usando o ativismo do Supremo – que às vezes pode ser mal colocado e pior empregado –, a presidente Dilma Rousseff ficaria em condições de ditar os procedimentos do Legislativo.
Desde seu primeiro mandato, Dilma demonstra claro desconforto em sua relação com o Congresso. Dizia-se que esse problema era resultado de sua ojeriza ao varejo da política. Agora, tornou-se evidente que seus problemas com os parlamentares são fruto de sua total incapacidade de fazer política. Sem vocação para o cargo que ocupa, Dilma distanciou-se do Legislativo e cercou-se de auxiliares igualmente arrogantes no trato com parlamentares.
Como resultado, a petista foi perdendo terreno no Congresso. Ao se reeleger, no entanto, Dilma julgou ter obtido nas urnas a legitimidade de que precisava para obrigar o Legislativo a submeter-se a sua vontade – e para isso não hesitou em interferir diretamente na Câmara.
Desde então, assiste-se a uma manifestação explícita de tentativa de usurpação de funções e prerrogativas de um Poder por outro. Se, como dizem os autores da ação judicial destinada a anular a escolha da Comissão Especial que decidirá pela admissibilidade do processo de impeachment, o espírito da Constituição de 1988 determina que toda tomada de votos seja às claras – e a comissão foi eleita por voto secreto –, da mesma forma o espírito da Constituição cidadã proíbe terminantemente que um Poder usurpe ou tente usurpar aquilo que caracteriza ou distingue outro Poder. E não é outra coisa que Lula, Dilma e a tigrada têm feito, senão imiscuir-se, como representantes do Executivo, na seara própria e exclusiva do Legislativo. A isso, em defesa do espírito que presidiu a elaboração do texto básico de 1988, o Supremo deveria dar a atenção que dedica ao modo de eleição – que não é uma mera votação – da Comissão Especial.
Recorde-se, por exemplo, a tentativa de Dilma de eleger o presidente da Câmara, para transformá-la em mero “puxadinho” do Executivo. Essa não foi a única tentativa do Executivo de subjugar a Câmara. Sua última jogada foi interferir na escolha da liderança do PMDB, na presunção de que um líder que lhe fosse dócil conseguiria inviabilizar o processo de impeachment. Nem no tempo do regime militar o Poder Executivo tentou, de maneira tão despudorada, anular as prerrogativas do Poder Legislativo. Felizmente, a manobra falhou e deu-se o contrário do que esperavam os petistas: grande parte dos caciques do PMDB coloca-se contra a presidente, no caso que pode lhe custar o mandato.
Agora, Dilma e o PT, por interpostas pessoas, querem que o Supremo interfira no rito do processo de impeachment. Por meio de uma ação proposta pelo PCdoB, o governo questiona o fato de que a Comissão Especial que se manifestará sobre a admissibilidade do processo tenha sido escolhida por voto secreto. Mas o regimento interno da Câmara é claro. Em seu artigo 188, estabelece voto secreto para a eleição de integrantes de comissões permanentes e temporárias. Não houve, portanto, irregularidade na eleição.
Dilma parece contar com o ativismo demonstrado pelo Judiciário em diversas oportunidades para engajá-lo em sua missão de destituir o Congresso de sua independência. Resta esperar que os ministros do STF, quando se reunirem amanhã para decidir sobre o assunto, deixem claro à presidente que, numa democracia, não cabe ao Executivo definir como o Legislativo deve se comportar.
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