- O Estado de S. Paulo
Um detalhe importante da segunda queda no ministério relâmpago de Michel Temer ilustra a principal característica do governo provisório. Já sob intensa pressão dos grampos e dos funcionários do Ministério da Transparência, Fabiano Silveira foi falar com o presidente interino. Saiu do palácio ainda ministro. Só caiu tempos depois. Não foi demitido. Demitiu-se.
O interregno entre a conversa e a queda demonstrou que Temer não tem poder para demitir unilateralmente ministros bancados por outros caciques do PMDB – assim como não teve para nomeá-los. Entradas e saídas dependem de negociação. No caso de Silveira, com seu padrinho, o presidente do Senado, Renan Calheiros. O episódio em si é menos importante do que aquilo que iluminou.
Viu-se o reflexo de três fatores: 1) a forma como Temer obteve a caneta presidencial, 2) o risco de perdê-la, 3) o consórcio sem sócio majoritário que é o PMDB. Combinados, eles fazem do presidente interino mais um administrador de condomínio do que um chefe de governo. Sem apoio popular ou votos dados diretamente à sua pessoa, seu poder formal vem da Constituição, mas o real emana dos seus pares – que gostam de lembrá-lo disso.
O governo Temer é fruto de um acordo – ou “pacto”, na novilíngua peemedebista – de caciques do PMDB com caciques do PSDB e meia dúzia de índios da antiga oposição a Dilma Rousseff. Esse condomínio delegou o poder a Temer, mas está implícito que os condôminos têm direito a voz e voto nas decisões mais importantes. Isso inclui nomeação e demissão de ministros. Não de todos, talvez. Mas, certamente, dos com patrocinador forte.
Essa contingência é agravada pela transitoriedade do governo. Enquanto não terminar o julgamento de Dilma no Senado, os senadores terão influência especialmente forte nas decisões do condomínio. Mesmo que pareça uma formalidade, depende de seus votos a retirada do “interino” do título presidencial. Pode parecer bobagem, mas faz uma enorme diferença. Por exemplo: receber e ser recebido por chefes de governo estrangeiros.
A promoção de síndico a presidente sem adjetivos também depende de outros dois fatores que não estão totalmente nas mãos de Temer. O primeiro é a economia, cuja condução foi terceirizada à administradora de Henrique Meirelles. Houve duas boas notícias esta semana: um crescimento significativo da confiança do consumidor medida pelo INEC da CNI/Ibope, e a desvinculação de 30% da receita, o que ajuda a equilibrar o Orçamento da União.
Do eventual sucesso do ministro da Fazenda vem a única chance de Temer ganhar alguma popularidade. Se a inflação diminuir, emprego e renda do trabalho voltarem a crescer, a confiança do consumidor tenderá a se manter em alta. E não há correlação mais forte da aprovação ou rejeição de um presidente brasileiro do que com a confiança do consumidor medida pelo INEC.
O segundo fator que afeta o status presente e futuro de Temer permanece uma incógnita, porém. Fora os procuradores, delegados e um ou outro ministro do Supremo Tribunal Federal, ninguém sabe o alcance das delações de executivos da Odebrecht e do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Se metade dos boatos que inundam Brasília for verdadeira, Meirelles precisaria fazer mágica para compensar o dano político dessas delações.
Seriam uma espécie de dilúvio, do qual escapariam apenas um par de exemplares de cada partido envolvido. Mas esse cenário é tão extraordinário que não compensa analisá-lo enquanto não se confirmar. É uma espécie de cisne negro, na analogia tornada famosa pelo primo distante de Temer, Nassim Taleb: um evento tão único e impactante que escapa a qualquer previsão. Por isso, resta ao síndico Temer colocar o lixo aparente para fora, zelar pelas contas e manter seus condôminos satisfeitos.
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