quinta-feira, 2 de junho de 2016

Questão de perspectiva – Editorial / Folha de S. Paulo

A ninguém ocorreria, naturalmente, comemorar aquinta queda trimestral consecutiva do PIB e a décima do investimento divulgadas nesta quarta-feira (1). Desde o início da recessão, dois anos atrás, a economia brasileira já acumula perda de 7,1%, uma das piores de nossa história.

O país, porém, está há tanto tempo atolado na crise que mesmo dados negativos como esses podem conter notícia alvissareira —uma simples questão de perspectiva.

A retração de 0,3% no primeiro trimestre em relação ao anterior foi bem menor que a esperada (0,8%) e mostra melhora substancial em relação ao ritmo de contração observado ao longo de 2015, em média de 1,5% por trimestre.

O resultado provavelmente ensejará revisões nas projeções para este ano. Se até agora a média dos analistas trabalhava com encolhimento de 3,8%, as novas informações permitem estimar recuo menor, de 3% a 3,5%.

Compatível com esse cenário seria uma queda moderada do PIB no segundo trimestre, seguida de estabilidade na segunda metade do ano. Com alguma sorte, havendo retomada da confiança ao longo do próximo semestre, seria até possível, embora improvável, uma queda menor que 3%.

As boas-novas, se é que podem mesmo ser classificadas dessa forma, por ora terminam nesse ponto. Os riscos ainda são enormes.

Os indicadores disponíveis apontam para contração no segundo trimestre. A retomada da confiança, ademais, é não só incipiente mas também presa fácil da crise política e das incertezas sobre a capacidade do novo governo de implementar a necessária, embora impopular agenda para estancar o crescimento explosivo da dívida pública.


Considere-se, além disso, o desemprego de 11 milhões de pessoas e o tempo que demorará para a volta do crescimento ter algum impacto na geração de postos de trabalho. A sensação nas ruas ainda será de arrocho por longo tempo.

O crescimento, quando retornar, terá padrão diferente do verificado na década passada. Dependerá mais do investimento, hoje 27% abaixo do nível de meados de 2013.

Para tanto, será preciso vencer grandes desafios. As empresas estão endividadas, e numerosos setores padecem de colapso organizacional, financeiro e estratégico. Reerguê-los demandará tempo.

Mesmo assim, se o governo conseguir sanear as contas públicas, reduzir os juros e retomar concessões de infraestrutura, não será surpresa um crescimento de 2% no ano que vem. Saltos mais altos, no entanto, dependerão de reformas mais profundas para incentivar produtividade e reduzir custos.

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