quinta-feira, 2 de junho de 2016

Economia anêmica - Míriam Leitão

- O Globo

O número foi considerado bom. Isso é que assusta. Foi uma queda de 0,3% do PIB no primeiro trimestre, mas foi um bom resultado porque é menor que a média das projeções, que estava em -0,8%. Durante a tarde, na posse de Maria Silvia Bastos Marques no BNDES, ela falou do papel do banco na retomada do crescimento, e o ministro Henrique Meirelles lembrou que esta é a mais profunda e longa recessão do país.

O governo Dilma fez o Tesouro se endividar em R$ 500 bilhões para transferir ao BNDES. Dizia que era para garantir o crescimento e o país, ao invés de crescer, levou o maior tombo da sua história. A presidente Dilma deixou uma economia desfalecida e uma dívida pública em escalada. O buraco no qual entramos é a prova dos nove de que a política econômica estava equivocada. Se é que alguém precisa de uma nova prova a esta altura.


Como o resultado não foi tão ruim quanto o projetado, alguns especialistas voltaram aos seus modelos, ontem, para rever suas projeções para o PIB do ano. A consultoria MB Associados fez a mudança mais forte: cortou a estimativa de -4,1% para -3,3%. A Rosenberg revisou de -4,3% para -4%. A GO Associados, que também esperava uma queda pior no primeiro trimestre, vai esperar o desenrolar do cenário político para recalcular sua projeção, hoje em -4%. O Bradesco ainda mantém a estimativa em -3,5%, mas informou que o viés aponta para uma queda menor. O departamento econômico do banco destaca que os investimentos, em queda desde 2014, devem voltar a crescer no segundo trimestre.

Ainda com esta tênue notícia boa, a de que os especialistas começam a projetar uma recessão menor, o país teve de janeiro a março deste ano a quinta queda trimestral consecutiva, a sétima desde o começo de 2014, e a mais profunda recessão em 12 meses, que chegou a 4,7%. Na estimativa do Goldman Sachs, essa recessão de dois anos fez o PIB per capita encolher 9%. É pior que a retração de 7,6% registrada na “década perdida”, conta o analista Alberto Ramos, referindo-se ao período entre 1981 a 1992.

No seu discurso, Maria Silvia falou em crescimento sustentável, que inclua a variável ambiental como parte dos projetos de infraestrutura, aposta em novas energias, incentivo ao fortalecimento do mercado de capitais e novas práticas de governança corporativa. Lembrou que o BNDES é financiado pelo Tesouro ou pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, com recursos públicos, portanto, e deve prestar contas ao país. Acrescentou que “a sociedade nos demanda transparência e controle”.

Na cerimônia, o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho disse que o banco “tornou-se a mais transparente instituição financeira brasileira”. A verdade é que administração de Coutinho negou por muito tempo o acesso aos detalhes de empréstimos e não apenas aos jornalistas. O Ministério Público teve que entrar na Justiça para obter informações do banco. Parlamentares tiveram dificuldades para acessar dados dos financiamentos a obras em Cuba e Angola. Coutinho argumentava que as operações tinham sigilo bancário e comercial estabelecidos no acordo entre países. O banco chegou a alegar segurança nacional para negar o acesso de parlamentares aos detalhes dos empréstimos.

A situação só mudou após o STF determinar o detalhamento das operações do banco. A administração de Coutinho foi questionada na Corte por ter negado ao TCU o acesso às informações. O BNDES alegava que os empréstimos estavam protegidos pelo sigilo bancário. Os ministros entenderam que o financiamento deve ser submetido a controle externo porque utiliza dinheiro público. O ministro Luiz Fux disse que “quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente se a divulgação for necessária para o controle dos gastos dos recursos públicos.” Após a decisão do STF, o banco ampliou o BNDES Transparente, a ferramenta com algumas informações sobre suas operações.

A gestão de Coutinho foi a que trouxe de volta um fantasma do passado, a política de favorecimento de grandes empresas, a dos campeões nacionais. Essa assombração voltou a prejudicar o país como aconteceu em sua primeira encarnação, no governo militar. Felizmente, a partir de ontem essa velharia ficou onde deve estar: no passado.

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