“Em princípio, seria papel da esquerda, que jamais encabeçou os recorrentes regimes autoritários entre nós, portar a boa-nova democrática, rejeitando a contraposição binária, a lógica infernal de amigos e inimigos irredutíveis. Não foi assim. Ao contrário, empregaram-se categorias anacrônicas, imaginou-se fabulosamente “tomar o Estado”, em vez de bem governar e promover mudanças reais – e hoje se chega a lamentar, em autocrítica capenga, o “erro” de não ter substituído partidariamente estruturas públicas do sistema de controle.
E de tanto gritar “direita” diante de qualquer crítica, acabou-se por criar uma virulenta direita real – e virtual –, tão doutrinária e hostil à ideia de uma “casa comum” quanto a esquerda que esteve no poder.
No fundo, temos em ambos os casos o enclausuramento nas próprias “verdades”, o vezo de liquidar o inimigo – menos mal que, por ora, só retoricamente –, a incapacidade de produzir grupos com função dirigente “intelectual e moral”, para usar expressão antiga. Sair do círculo vicioso desta esquerda e desta direita, relegando-as às margens, será a missão dos democratas, sem exceção. Estamos proibidos de falhar.”
*Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil. “A reconstrução da casa comum”, O Estado de S. Paulo, 16/4/201.
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