domingo, 24 de fevereiro de 2019

Aos pedaços: Editorial | Folha de S. Paulo

Fatiar pacote anticrime pode diluir seu impacto, mas também abre caminho para aprimorá-lo

Ao submeter seu pacote anticrime ao Congresso na última terça (19), o ministro Sergio Moro colheu as primeiras amostras da dificuldade que encontrará para contornar as resistências às suas propostas.

Em vez de apresentar um só projeto de lei como era sua intenção original, ele apresentou três, na esperança de que assim as medidas postuladas pelo Ministério da Justiça se tornarão mais palatáveis.

O principal reúne a maioria das ideias lançadas pelo ex-juiz federal no início do mês. Seu objetivo é endurecer a legislação penal, em especial o tratamento da corrupção e dos crimes mais violentos.

A medida mais controversa está preservada —a perigosa ampliação do conceito de legítima defesa e das hipóteses em que policiais podem atirar sem medo de sofrer punição quando matarem alguém.

Um segundo texto estipula novas regras para definir competências da Justiça Eleitoral em casos que envolvam também crimes como corrupção e lavagem de dinheiro.

O terceiro, por fim, separa a proposta de criminalização do caixa dois eleitoral, delito tratado com brandura pela legislação atual e que Moro havia definido como um dos alvos prioritários do seu pacote.

Ao justificar a escolha, o ministro disse que atendeu a reclamações de políticos, para os quais não faria sentido misturar a discussão sobre o caixa dois com a de atrocidades cometidas por facções criminosas.

Na prática, a separação do tema abre caminho para que a proposta seja simplesmente engavetada numa comissão qualquer, sem que os congressistas avessos à iniciativa se exponham manifestando sua opinião a respeito em voz alta.

A delicadeza do tom adotado por Moro ao tratar do assunto surpreendeu os que se lembraram das sentenças que assinou quando estava à frente dos processos da Lava Jato em Curitiba, quando chegou a caracterizar o caixa dois como verdadeiro atentado à democracia.

Mas a disposição do ministro de não fazer marola com isso agora parece compreensível numa conjuntura em que o governo Jair Bolsonaro (PSL) tende a concentrar sua energia na reforma da Previdência.

Vão na mesma direção os sinais emitidos pelos presidentes da Câmara e do Senado, que manifestaram dúvidas sobre a conveniência de debater, ao mesmo tempo, o pacote anticrime e as novas regras para pensões e aposentadorias.

É possível que as propostas de Moro sejam anexadas a projetos de conteúdo semelhante que tramitam há mais tempo no Congresso, como o apresentado por uma comissão de juristas no ano passado.

A provável diluição poderá frustrar os eleitores que apostaram em Bolsonaro com a esperança de um combate implacável ao crime, mas será bem-vinda se servir para negociar aperfeiçoamentos no projeto de Moro e podar seus excessos.

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