Uso de cota eleitoral no desvio de dinheiro de campanha destrói tese da lisura do financiamento público
A infindável criatividade de certos políticos em encontrar maneiras de se infiltrar no Tesouro Nacional em busca de vantagens desenvolveu a figura da candidata laranja, aproveitando-se da cota de 30% dos candidatos reservada para mulheres, instituída pela legislação eleitoral.
Este tipo de inventividade aplicada na vida pública é conhecido há tempos, por meio de escândalos como o mensalão e petrolão. Nestes, tomou-se ciência de sofisticados esquemas de lavagem de dinheiro, com o uso da rede mundial de computadores e a consequente facilidade na circulação de altas cifras entre bancos no exterior.
O laranjal semeado por partidos para receberem dinheiro público do Fundo Eleitoral, a ser desviado para destinos obscuros, começou a ser detectado por reportagem da “Folha de S.Paulo” sobre a candidata Maria de Lourdes Paixão, secretária-administrativa do PSL de Pernambuco, que recebeu R$ 400 mil para a campanha e conseguiu apenas 273 votos.
Pouco antes da eleição, a candidata obteve o dinheiro e declarou na prestação de contas que destinara R$ 380 mil a uma gráfica de fachada. Fechou-se o circuito.
O caso deflagrou a crise no PSL, partido do presidente Bolsonaro, que levou à exoneração do ministro Gustavo Bebianno, responsabilizado no núcleo familiar presidencial pela transferência dos recursos à candidata pernambucana. Bebianno, presidente do partido, se defendeu, justificando que a distribuição do dinheiro dos fundos públicos partidários nos estados cabe ao diretório local. Mas não adiantou.
O que seria um caso isolado se mostrou um novo veio de corrupção, e com o envolvimento de outro ministro, Marcelo Álvaro Antônio, do Turismo. Foi candidato à reeleição a deputado federal pelo PSL de Minas. Em que a candidata do partido Cleuzenir Barbosa, que também teria sido convidada a compor a cota dos 30% de mulheres, acusa assessor do ministro, que se reelegeu, de pedir R$ 50 mil dos R$ 60 mil recebidos do partido. Cleuzenir, entrevistada pelo “Jornal Nacional” em Lisboa, disse que viajara para se sentir “mais segura”.
Candidaturas laranjas são identificadas pelo recebimento de recursos do Fundo Eleitoral sem que o dinheiro tenha se convertido em votos. A “Folha”, ao examinar dados da Justiça Eleitoral, identificou 53 candidatos, dos quais 49 mulheres, que receberam mais de R$ 100 mil cada, para campanha.
O grupo reúne representantes de 14 partidos, mas com destaque para Pros, PRB, PR, PSD e MDB. Surge mais um trabalho para o Ministério Público e a Polícia Federal.
O escândalo desmonta de vez a tese frágil de que o fim do financiamento de campanha por pessoas jurídicas acabaria de vez com a corrupção na política. Sem que haja transparência e fiscalização, nada feito.
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