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Mensagens que a crise do Chile envia – Editorial | O Globo
Protestos violentos refletem um perigoso mal-estar social, apesar de avanços econômicos
A América do Sul costuma viver em ciclos. Houve o das ditaduras militares, vive-se agora o da bem-vinda redemocratização, em que se revezam governos à direita e à esquerda, com pedigree populista ou não. O importante é que os regimes garantam eleições minimamente livres, o que não acontece na Venezuela.
Nos últimos meses, têm ocorrido manifestações violentas que denunciam um perigoso mal-estar social. No Peru, a sociedade acompanhou a desarticulação de um ramo do petrolão brasileiro, desvendado pela Lava-Jato, e as ruas serviram de campo de guerra durante um choque institucional entre o Executivo e o Legislativo; no Equador, a violência foi detonada pela revogação de uma só vez de subsídios aos combustíveis, e a Bolívia entrou na lista de crises, com a suspensão da contagem de votos da eleição em que Evo Morales tenta se reeleger pela quarta vez consecutiva.
O destaque é o Chile, cuja economia tem índices de razoável desenvolvimento. Por exemplo, um PIB per capita de US$ 25.200, contra US$ 16 mil do Brasil (calculados no conceito de “paridade do poder de compra”). Superadas uma hiperinflação e a violenta ditadura militar de Pinochet, o Chile foi conquistando avanços.
O reajuste de tarifas de transporte público deflagrou a violência em Santiago e em outras cidades. Pela primeira vez desde 90, os militares saíram dos quartéis, agora chamados pelo poder constituído para restabelecera ordem, dentro doestado de emergência decretado pelo presidente Sebastián Piñera. Também como qualquer outra explosão desse tipo, há causas que fermentam no subsolo social.
No momento, o Chile cresce pouco mais de 3%, abaixo da meta do governo, queé de 5% a6%,m as, ainda assim, encontra-se em situação bem melhor que o Brasil. Apesar disso, há severas desigualdades na sociedade chilena.
A violência da crise chilena não deve servir para mais do mesmo: acirrar os conflitos entre “direita” e “esquerda”. A América Latina precisa deixar de ser prisioneira do pêndulo entre governantes que destroem as contas públicas em nome do combate à pobreza e os que fazem o necessário ajuste sem preocupações com salvaguardas sociais.
No momento em que o Brasil executa reformas, deve-se provar que é possível ter responsabilidade fiscal e ao mesmo tempo dar aos mais pobres espaço para ascensão social. O controle da inflação já é uma condição imprescindível para o enfrentamento da pobreza.
A construção de um projeto que distribua renda e oportunidades depende, porém, do enfrentamento de fortes corporações que atuam nos Três Poderes, para manter privilégios de toda sorte. Os recursos que são desviados por força de lei para esses grupos precisam ser aplicados em infraestrutura, educação, saúde, em setores que melhorem a qualidade de vida de toda a população. E pode ser feito sem populismos.
Seguir adiante – Editorial | O Estado de S. Paulo
A aprovação definitiva da mais abrangente reforma da Previdência Social das últimas três décadas – com economia de cerca de R$ 800 bilhões em dez anos – é uma robusta demonstração de maturidade institucional do País. Medida naturalmente impopular, a reforma do sistema de aposentadorias passou a ser vista como incontornável ante o crescente desequilíbrio fiscal, que aproximava o Brasil perigosamente da insolvência. Os inimigos da reforma, notadamente as corporações de servidores públicos, foram isolados e se tornaram vozes minoritárias num debate em que se podia discutir o formato das mudanças, mas jamais recusá-las in limine – como se a Previdência não fosse deficitária e como se ainda fôssemos o país jovem de 50 anos atrás.
A relativa tranquilidade que cercou as diversas votações da reforma no Congresso, sem protestos do lado de fora nem oposição significativa nas comissões técnicas e no plenário, indica que o caminho está aberto para as outras reformas que se fazem necessárias para recolocar o País no rumo do crescimento e do desenvolvimento.
Essa percepção tem animado os investidores, como demonstram as sucessivas altas que a Bolsa de Valores registrou quando ficou claro que a reforma seria definitivamente aprovada nesta semana no Senado. O clima é de início de retomada, o que deverá ajudar a impulsionar outras medidas de ajuste que o governo diz estar preparando. Há algum otimismo, por exemplo, com o esperado impacto na atividade econômica em razão da injeção de mais R$ 12 bilhões com a antecipação do saque de R$ 500 do FGTS à disposição de trabalhadores que só poderiam tirar o dinheiro no ano que vem. Esse valor vem somar-se aos R$ 30 bilhões dos saques já previstos para este ano e aos R$ 2,5 bilhões liberados para os beneficiários do Bolsa Família a título de 13.º salário.
Além disso, os juros, de 5,5% ao ano, estão no menor patamar da série histórica, e o Comitê de Política Monetária indicou que há espaço para novas reduções, pois a inflação encontra-se sob controle. O risco país está em trajetória de queda e o emprego formal vem apresentando recuperação gradativa ao longo dos últimos cinco meses. Esse cenário, embora ainda muito incipiente, tende a mudar, para melhor, o humor tanto de investidores como de consumidores, gerando algum alento depois de tantos anos de estagnação e falta de perspectivas.
Mas tudo isso será apenas uma ligeira bonança antes de uma nova tempestade se não vier acompanhada de mais reformas profundas, em diversas áreas. O ajuste das contas públicas está bem encaminhado graças ao teto dos gastos, aprovado no governo de Michel Temer, e agora com a reforma da Previdência – sem a qual esse mesmo teto de gastos seria pulverizado. O próximo passo, segundo informa o governo, é conseguir a aprovação, até o final do ano, de uma proposta de corte de despesas obrigatórias, sobretudo as relacionadas aos servidores públicos. O objetivo é abrir espaço no Orçamento para aumentar os gastos com investimentos, absolutamente necessários para melhorar a infraestrutura do País.
O caminho é longo e tortuoso. A reforma tributária, por exemplo, deverá ficar somente para o ano que vem – e ainda não se sabe qual será a proposta do governo. Há também o desafio de realizar a reforma previdenciária nos Estados, cujo rombo está inviabilizando o funcionamento cotidiano da administração.
Tudo isso tendo como pano de fundo as crises políticas provocadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, e seus filhos. Se já não dispunha de uma base parlamentar firme para aprovar seus projetos sem sustos, o presidente implodiu o próprio partido, o PSL, tornando incerto o apoio até mesmo de seus correligionários.
Assim, o avanço das reformas continuará a depender da disposição e do poder de articulação dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Tem funcionado razoavelmente bem até aqui, mas, num regime presidencialista, é necessário que o presidente da República, respaldado por seus mais de 50 milhões de votos, norteie o debate na direção da plataforma vencedora da eleição. Felizmente, os reformistas têm prevalecido no Congresso, e para o bem do País é bom que continue assim.
Página virada – Editorial | Folha de S. Paulo
Conclusão da reforma da Previdência Social abre o caminho para novas pautas
Pode-se apontar que o impacto da reforma da Previdência ficará abaixo do proposto inicialmente; que sua tramitação demorou além do esperado; que restaram lacunas como as pensões militares.
Nada disso deve ofuscar, no entanto, o significado histórico da aprovação definitiva do texto pelo Congresso nesta quarta-feira (23). Trata-se de medida sem dúvida amarga em vários aspectos, mas infelizmente necessária —e justa, no essencial, ao reduzir disparidades de direitos entre trabalhadores dos setores público e privado.
A mudança é a mais ambiciosa já promovida no arranjo estabelecido pela Constituição de 1988, e sua aprovação, embora tardia, se deu sem maior comoção política e social —possivelmente diante da evidência de que os desequilíbrios das contas públicas têm sufocado o crescimento econômico do país nos últimos anos.
No total, a reforma propiciará uma economia estimada de R$ 800 bilhões em dez anos e um múltiplo disso em prazos mais longos.
A aprovação foi cercada de percalços e a economia foi diluída em 30% em relação à proposta original. Foram eliminados itens mais polêmicos, como restrições a auxílios para população de menor renda, o que reduziu o espaço para críticas quanto à equidade da reforma.
As novas regras permitirão estabilizar a despesa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em torno de 8% do Produto Interno Bruto. Embora ainda alto para padrões internacionais quando se considera o estágio demográfico atual do país, o gasto ao menos não explodirá nos próximos anos.
Será aberto, assim, um precioso espaço no Orçamento para investimentos em áreas fundamentais.
Além da economia, o resultado deve ser comemorado especialmente por duas inovações. Institui-se definitivamente, após um período de transição, o conceito de idade mínima para aposentadoria, de 65 anos para homens e 62 para mulheres, e tempo mínimo de contribuição de 15 anos.
Outra melhoria é a redução dos privilégios conferidos ao funcionalismo. A idade mínima foi igualada à do setor privado, com 25 anos de contribuição. Também está prevista uma escala crescente de alíquotas de contribuição para os maiores salários, reduzindo os subsídios.
Há pontos ainda faltantes, porém. Em particular, é fundamental incluir estados e municípios, ainda mais exauridos com despesas de folha e aposentadorias. A PEC paralela que tramita no Senado facilita o processo, ao prever maioria simples nos legislativos locais, com economia próxima a R$ 300 bilhões no mesmo período.
Desde já, contudo, o país pode começar a virar a página desse debate para se dedicar a novas pautas.
Previdência abre caminho para mais reformas – Editorial | Valor Econômico
O presidente, que não pretende ter base parlamentar, mostrou-se inábil
Com atraso, o Brasil passa a contar com uma idade mínima para aposentadoria, após a aprovação da reforma da previdência, concluída ontem em segundo turno pelo Senado. Se as projeções de redução de gastos estiverem corretas, é a reforma de maior impacto feita em mais de duas décadas, com economia de R$ 800 bilhões em dez anos. A aprovação era vital para sustentar o teto de gastos, que desabaria sem ela. Não foi desta vez, porém, que os trabalhadores da iniciativa privada terão os mesmos benefícios previdenciários que os funcionários públicos. A reforma não eliminou as desigualdades, e a maior parte do esforço da redução do déficit recairá sobre quem não trabalha para o Estado.
Os discursos e o foguetório oficiais sobre a indiscutível importância de dar sustentabilidade ao sistema previdenciário não condizem com o que se propõe para a reforma dos militares, contemplados com uma reestruturação salarial completa e o acréscimo, nela, de categorias que obterão o que se procurou extinguir em 2003 - a o absurdo da paridade com os salários da ativa e a integralidade dos vencimentos na hora da aposentadoria.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, farejou a oportunidade política de obter mudanças mais fortes do que seguindo o atalho de pegar carona na reforma elaborada pelo governo de Michel Temer. Ele percebeu que uma vitória forte nas urnas como a de Jair Bolsonaro cacifava politicamente o governo para conseguir algo mais ambicioso no projeto inaugural das reformas a ser apresentado ao Congresso. A proposta anterior, desidratada, pouparia R$ 450 bilhões. Guedes apresentou outra, de R$ 1,2 trilhão, que foi afrouxada, mas trouxe um resultado bem mais significativo.
Por outro lado, Guedes foi derrotado em sua ambição maior, a de criar um sistema de capitalização sem aporte patronal, acoplado à criação de uma confusa carteira de trabalho verde-amarela destinada a trabalhadores que supostamente teriam liberdade de escolha por vagas abrindo mão de direitos trabalhistas. O ministro não apresentou ideias, apenas pediu autorização para que o sistema fosse implantado, sem fornecer detalhes de tão radical alteração. O Congresso, sábia e acertadamente, rejeitou o cheque em branco.
Guedes jogou em parceria com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem coube convencer os parlamentares a aprovar a reforma, sempre delicada, ainda mais em um ambiente de conflito do Executivo com o Legislativo. O presidente Jair Bolsonaro, nas poucas vezes em que se manifestou sobre ela, foi para dizer que por vontade própria não a faria. Depois de 28 anos como deputado defensor dos interesses dos militares, Bolsonaro apoia de fato com entusiasmo a que muda a previdência dos militares. Maia manteve o foco e a cabeça fria após sucessivas provocações pessoais do presidente e driblou as dificuldades criadas pela negativa do Planalto em negociar com os partidos as condições políticas para sua aprovação. Davi Alcolumbre, presidente do Senado, deu sequência ao trabalho da Câmara e apoiou a reforma do início até o fim.
Essa harmonia dificilmente será mantida nas reformas que vem a seguir - administrativa, pacto federativo e tributária. A implosão da Babel pesselista, sob o pano de fundo do frondoso laranjal do partido, criou mais problemas para Bolsonaro que, na ausência de oposição, criou uma entre seus próprios adeptos. O presidente, que não pretende ter base parlamentar, mostrou-se inábil e colocou o Planalto em uma disputa de péssimo nível em um partido arregimentado às pressas e sem direção, por verbas e candidaturas nas próximas eleições. A frase da bolsonarista de primeira hora, deputada Joice Hasselmann, de que sabe o que os filhos de Bolsonaro “fizeram no verão passado” não deveria ser tomada como simples frase de efeito. Sua acusação de que há uma máquina de fake news dentro do Palácio do Planalto é grave.
A ambição de um pacto federativo nunca completamente explicado pode se frustrar. Nenhum ministro conseguiu domar os Estados, fazê-los apertar os cintos e pôr suas contas em dia, ainda mais acenando com dinheiro à frente das ideias, como fez Guedes com os recursos da cessão onerosa. Talvez por isso a reforma tributária, a mais espinhosa, que depende vitalmente dos Estados, tenha sido jogada para 2020. Os governadores podem querer saber qual seu quinhão antes de ceder na mudança dos impostos. A reforma administrativa, por seu lado, enfrentará a fúria das corporações, às quais o Congresso é bastante sensível.
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