Weintraub é ministro só dele mesmo – Editorial | O Globo
À frente do MEC, o militante extremista não está à altura das responsabilidades do cargo
O bolsonarismo não inova ao reservar no governo espaços para especialistas e delimitar áreas destinadas a quem trata de forma direta da execução de projetos relacionados a objetivos políticos e ideológicos do grupo no poder. O Ministério da Economia, de Paulo Guedes, por exemplo, enfrenta questões objetivas. Por exemplo, das reformas, em que estão em jogo pontos fundamentais relacionados à estabilidade econômica, ao crescimento e à geração de empregos.
Bolsonaro e filhos, porém, reservaram temerariamente cargos importantes também para ideólogos orgânicos da extrema direita. Entre eles, o economista e professor Abraham Weintraub, o segundo ministro da Educação do governo, substituto de Ricardo Vélez, de perfil semelhante. Um sério erro. Weintraub tem se destacado pela absoluta incompreensão da importância do cargo. Dedica-se a travar a chamada “guerra cultural”, um tipo de briga de rua no mundo virtual.
Os erros crassos de ortografia de Weintraub são menos graves do que a sua incapacidade de administrar o MEC num momento em que o Brasil precisa acelerar projetos para impulsionar a educação, quando persiste grande evasão no ensino médio, existe um contingente preocupante de analfabetos funcionais, e os cuidados com a primeira infância, cruciais para uma boa formação, continuam sendo negligenciados.
Os problemas que se repetem no Enem foram enfrentados de forma canhestra, e restou um forte golpe na já debilitada confiabilidade no exame, a única porta de entrada de milhões de jovens para o ensino superior. Além de gerenciar o reparo do Enem, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), ligado ao MEC, o ministro precisa cuidar da implementação do currículo único (a partir da Base Nacional Comum Curricular) e da reforma do ensino médio, aprovada no Congresso, e da qual nada se fala no MEC de Weintraub. E é preciso encaminhar proposta ao Congresso da renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que vence este ano. É a única fonte de recursos para a grande maioria das secretarias de Educação de estados e municípios.
Especialistas dizem que o MEC tem de ser um polo de aglutinação técnica e política, para fazer um trabalho amplo e constante de estimulação junto a governadores e prefeitos, cujos secretários e professores são os responsáveis por melhorar o ensino em cada sala de aula. Este é um papel estratégico do MEC.
Weintraub não consegue exercê-lo. Não procura dialogar. É apenas um militante de causas extremadas. Não tem perfil para o cargo. Não pode transitar na Câmara dos Deputados, devido à compreensível repulsa do presidente da Casa, Rodrigo Maia, e não apenas deste: acaba de chegar ao STF pedido de impeachment do ministro encaminhado por deputados e senadores. Não transita no meio universitário, nem tem diálogo com a comunidade de especialistas no setor, está isolado no MEC, bajulado apenas pelo presidente Bolsonaro e filhos. Weintraub é só ministro dele mesmo. O MEC está à deriva, e a educação também.
Pacto fiscal gaúcho é uma alternativa que outros estados deveriam seguir – Editorial | O Globo
Governo e Assembleia Legislativa construíram um acordo para iniciar a reforma do serviço público
O Rio Grande do Sul encontrou a porta de saída da crise — a negociação política. No estado asfixiado por elevado endividamento para financiar despesas com servidores, que em 2019 representaram 82% do total dos gastos, governo e Assembleia Legislativa gaúcha construíram um acordo para iniciar a reforma do serviço público.
O governador Eduardo Leite (PSDB) conseguiu negociar com a oposição a aprovação de um novo estatuto do funcionalismo; mudanças na previdência de servidores civis e militares similares às da legislação federal; alterações importantes na estrutura de remuneração de pessoal, com supressão de gratificações; e um novo formato de carreira para os professores da rede estadual.
Além disso, conseguiu extrair da Constituição estadual dispositivo que obrigava a realização de plebiscito para a privatização de uma empresa estatal.
Não é pouco, embora seja insuficiente para a crise gaúcha. Num exemplo, a economia projetada com a reforma previdenciária é de R$ 19 bilhões numa década, enquanto o governo precisa a cada ano financiar R$ 12,5 bilhões de déficit na previdência dos servidores.
Há agravantes, pois o custo da previdência estadual é crescente e subiu R$ 821 milhões no ano passado.
O primeiro passo, porém, foi dado. É possível afirmar que resulta de um processo de consciência coletiva sobre a dimensão dessa tragédia administrativa, agravada a cada governo nas últimas quatro décadas.
O pacto político, selado na Assembleia em votações no mês passado, interrompendo o recesso parlamentar, sinaliza um caminho a ser seguido por outros estados. Mais de uma dezena de governadores, hoje, estão reduzidos ao papel de gerentes de massa falida, pois mal conseguem coletar tributos para pagar a folha de salários.
A crise fiscal exige audácia e rapidez de ação nos três Poderes, em todos os níveis de governança. Num país onde metade dos trabalhadores tem, em média, dois salários mínimos de remuneração mensal, o equivalente a R$ 2.078, são absolutamente insustentáveis as ilhas de privilégios no setor público, como as ostentadas pela elite do funcionalismo federal e estadual, cujos salários iniciais na carreira ascendem a R$ 25 mil.
O caso do Tribunal de Contas gaúcho é exemplar: o estado está falido, mas o órgão de controle das contas conserva a maior média de salários na administração estadual — paga mais de R$ 27.000 mensais, além de mordomias.
O PT aos 40 – Editorial | Folha de S. Paulo
Partido depara-se com a esfinge de Lula, seu maior líder e obstáculo à renovação
Ao completar 40 anos de fundação nesta segunda-feira (10), o Partido dos Trabalhadores acumula motivos para júbilo, que decerto não serão desperdiçados, mas também para uma reflexão desapaixonada acerca de seus graves desacertos ao longo dessa trajetória, exercício que a sigla tem negligenciado.
A democracia se renova e se fortalece quando demonstra capacidade de absorver, no substrato da representação política, forças emergentes da sociedade. O nascimento e a ascensão do PT cumpriram quase exemplarmente esse papel.
A agremiação tratou de dar voz e organização a parcelas da vanguarda do movimento sindical do país quando a ditadura caminhava para o ocaso. O movimento dos trabalhadores do ABC paulista rompia não apenas com o autoritarismo circunstancial, mas também com o modelo de cooptação estatal inventado sob Getúlio Vargas.
No campo da esquerda, aglutinou ainda intelectuais, profissionais liberais, militantes de organizações marxistas e ativistas na esfera da Igreja Católica. Tornou-se, para toda essa elite que brotava, um canal promissor para a disputa do poder de Estado sob a égide da democracia representativa.
Os cargos eletivos conquistados pelo PT vieram crescendo em escala e importância até que, em 2003, produziu-se um salto quântico com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto, depois de três fracassos sucessivos.
Favorecido pelas virtudes da política social e econômica da primeira gestão e pela conjuntura global, seu governo pôde comemorar expressiva redução das taxas de pobreza, associada à valorização do salário mínimo, ao Bolsa Família e à formalização de empregos.
Lula consolidou-se de vez como uma espécie de monarca do PT. O partido lucrava ao entregar-se ao jugo e ao culto de seu líder, mas ao mesmo tempo fechava as portas para a atualização e a autocrítica.
Com dinheiro e popularidade de sobra, e oposição escassa, o embrião oligárquico vingou. Velhos e novos cartórios de trabalhadores e patrões refestelaram-se nas verbas e na proteção do Estado. Empresas amigas e doadoras ganharam contratos multibilionários.
Dogmas fracassados sobre a condução da economia acoplaram-se à aventura do PT no governo para tentar justificar o desmantelo, como se os limites para a expansão da despesa e da dívida públicas tivessem magicamente desaparecido.
A metamorfose petista resultou em corrupção, escancarada no mensalão e na Lava Jato, depressão econômica e derrotas políticas.
Aos 40, perante a esfinge de Lula —ao mesmo tempo seu maior ativo popular e seu mais arraigado obstáculo à renovação—, é com esse legado que o PT terá de lidar.
Loteria da chuva – Editorial | Folha de S. Paulo
Sem estratégia e com obras em atraso, cidade de SP conta com a sorte no verão
Todos os anos, as abundantes chuvas de verão trazem incontáveis transtornos para os moradores da cidade de São Paulo. Ruas e avenidas se tornam intransitáveis; casas e estabelecimentos comerciais são varridos pela enxurrada; túneis e viadutos terminam inundados —e isso quando não acontecem irreparáveis tragédias humanas.
Tão costumeira quanto o aguaceiro, a inépcia municipal faz com que o tamanho do infortúnio dependa mais do volume das águas que baixa dos céus do que das ações de prevenção realizadas em terra.
Há mais de cinco anos, por exemplo, a cidade mais rica do país aguarda a elaboração da estratégia de redução de riscos, exigência do Plano Diretor aprovado em 2014.
O documento deverá definir as obras estruturais prioritárias, além de medidas de segurança e proteção, tanto das áreas sob perigo de inundação, deslizamento e solapamento como das pessoas que vivem nessas regiões, fixando prazos e estimativas de recursos para cumprir as diretrizes.
Não se trata de questão menor. O último mapeamento de risco geológico da cidade, feito há uma década, identificou a existência de 407 áreas sob ameaça e ao menos 29 mil famílias vivendo em regiões de risco alto ou muito alto.
De lá para cá, a situação só piorou. A Defesa Civil vem atualizando esse quadro desde 2015, e encontrou mais 63 áreas sob ameaça.
O atraso na elaboração de um plano capaz de lidar com essa realidade motivou a abertura de um inquérito por parte do Ministério Público paulista. Os pedidos de explicação, bem como os prazos dados para que a gestão Bruno Covas (PSDB) apresentasse um cronograma de conclusão do documento, só resultaram em evasivas.
Se as ações futuras permanecem incertas, as do presente encontram-se em compasso de espera. Das 17 grandes obras de drenagem hoje em curso na capital, 14 já deveriam estar prontas, caso as previsões estipuladas pela administração tucana e a anterior, petista, tivessem sido cumpridas.
O atual governo afirma que entregará algumas das obras neste ano e que projetos herdados da gestão de Fernando Haddad tiveram de ser refeitos. Já a versão petista diz que eles só não foram completados à época devido ao contingenciamento de verbas federais.
Enquanto os dois lados lavam as mãos, o paulistano, sobretudo o mais pobre, conta com a sorte para escapar das tormentas de verão.
A guerra das águas – Editorial | O Estado de S. Paulo
Por séculos, a história do Brasil tem sido permeada por lutas sangrentas pela posse da terra. Os conflitos agrários, travados desde os mais remotos rincões do País até grandes capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, ainda produzem suas vítimas diante de um Estado que a tudo vê – ou deveria ver –, mas pouco faz. Além dessa chaga que permanece aberta, outra suja de sangue as águas de mananciais, rios, córregos e igarapés Brasil afora.
O Estado fez um levantamento inédito e revelou que nos últimos cinco anos foram abertos 63 mil Boletins de Ocorrência (BOs) em delegacias de todo o País envolvendo conflitos pelo acesso à água. Os crimes de sangue são corriqueiros nesses registros, como o que vitimou o líder comunitário Haroldo da Silva Betcel, assassinado com um golpe de chave de fenda nas costas em uma disputa entre ribeirinhos e fazendeiros pelo controle do curso do Igarapé Tiningu, que deságua no trecho do Rio Tapajós que banha Santarém, no Pará. A reportagem também foi até regiões de conflitos pelo controle ilegal das águas nos Estados de Amazonas, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraíba, Pernambuco e Tocantins, além do Distrito Federal.
A Agência Nacional de Águas (ANA) mapeou 223 “zonas de tensão permanente” pelo controle ilegal das águas em todo o País. Surpreendem o aumento de conflitos dessa natureza – há uma década havia apenas 30 zonas conflagradas – e o total descaso de sucessivos governos em relação a uma questão absolutamente sensível.
Além dos aspectos humanitários e ambientais, a guerra das águas diz respeito à segurança nacional. Se nada for feito pelo poder público, e já, é impensável o patamar que esse conflito pode atingir nos próximos dez anos, quando as mudanças climáticas poderão tornar o acesso à água ainda mais crucial, sobretudo para um país como o Brasil, detentor de 12% de toda a água doce do planeta em suas 12 regiões hidrográficas, como as bacias dos Rios São Francisco, Paraná e Amazonas, a mais extensa do mundo.
O conflito pela água não se restringe às pessoas físicas, o que dá dimensão ainda mais grave à questão. Os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo, são partes em uma ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo controle do Rio Paraíba do Sul. A água é tema sensível para os dois Estados, cujas capitais se veem às voltas com riscos de queda no abastecimento. Em São Paulo, o Sistema Cantareira, que abastece a região metropolitana, opera em alerta desde a crise de 2013 e 2014. No Rio, a situação é ainda mais dramática, pois milhares de cariocas hoje nem sequer têm água limpa para beber.
Como revelou a série de reportagens do Estado, são centenas de “áreas de tensão permanente” envolvendo disputas por água em todo o Brasil. Nessas localidades, é cometida toda sorte de crimes, indo de assassinatos, ameaças e corrupção até a apropriação ilegal de fontes de água que deveriam estar acessíveis a todos os cidadãos, com o devido controle do Estado, é evidente.
A chamada guerra das águas mostra que se deve atribuir a maior importância às mudanças climáticas e à premente necessidade de preservação ambiental, temas que atualmente fazem do Brasil o centro das atenções mundiais. Decerto o aumento da escassez de água como corolário do descaso pelo meio ambiente por setores do governo federal há de agravar as disputas.
Uma das mais contundentes revelações feitas pelo Estado é que, hoje, há vastas porções do território nacional onde a lei simplesmente não vale. O que vale nessas localidades é o mando da parte mais forte da pistolagem. A seguir assim, ou as três esferas de governo, de acordo com as suas competências, se unem a fim de preservar não apenas as águas, mas as vidas de milhares de brasileiros, ou os conflitos envolvendo o controle ilegal do acesso à água recrudescerão a níveis inimagináveis.
As prioridades de cada um – Editorial | O Estado de S. Paulo
Na reabertura dos trabalhos legislativos, o Congresso informou quais são as suas prioridades para este ano. No topo da lista estão a reforma tributária, a reforma administrativa e o pacote do governo para conter despesas obrigatórias e ampliar a discricionariedade da União, de Estados e de municípios na alocação de recursos públicos. Além disso, as lideranças parlamentares esperam aprovar um projeto que transforma o Fundeb, fundo do qual depende o funcionamento da educação básica em quase todo o País, em mecanismo permanente. Também aparecem entre as prioridades os novos marcos legais do saneamento básico e das parcerias público-privadas, entre outros temas – alguns dos quais espinhosos, como a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância e mudanças no processo de escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal.
Por fim, há 25 medidas provisórias aguardando votação. Dez delas precisam ser apreciadas já, porque estão obstruindo a pauta de votações. Outras cinco vão obstruir a pauta a partir de março.
O governo de Jair Bolsonaro não participou das deliberações que levaram, pela ordem, a essa extensa lista. Isso acontece porque o próprio governo parece não saber o que deve ser considerado essencial e o que pode esperar. Sua relação com o Congresso é distante: o Palácio do Planalto envia seus projetos e medidas provisórias de cambulhada, sem estabelecer qualquer ordem de importância ou orientar os parlamentares governistas, na presunção de que essas matérias devem ser aprovadas simplesmente porque emanaram da autoridade do presidente da República. Foi assim ao longo do primeiro ano do mandato de Bolsonaro e nada indica que será diferente no segundo.
Bolsonaro, como se sabe, rejeita o presidencialismo de coalizão, sistema em que o presidente entrega Ministérios a partidos aliados em troca de apoio no Congresso – modelo em que a capacidade gerencial do ministro indicado vale menos do que sua representatividade como parte da aliança de sustentação do governo, o que compromete a governança e abre espaço para a corrupção. Eleito com a promessa de acabar com o fisiologismo na relação entre Executivo e Legislativo, Bolsonaro montou seu Ministério sem levar em conta o peso dos partidos políticos, supostamente para privilegiar a excelência administrativa dos escolhidos. As seguidas trapalhadas de seus ministros em áreas importantes, como a Educação, o Meio Ambiente e as Relações Exteriores, mostram que o fim do presidencialismo de coalizão não resultou na montagem de um Ministério competente – e vem causando contratempos para Bolsonaro no Congresso.
Reportagem do Estado mostrou que a proporção entre o tamanho dos partidos na Câmara e sua participação no governo é a mais baixa desde que o País voltou a ter eleições diretas, e essa equação apresenta dois problemas importantes: o primeiro é que, a julgar pela história recente, presidentes têm dificuldade de se manter no cargo com tão pouca participação dos maiores partidos no governo; o segundo é que nenhum partido, nem mesmo os naturalmente governistas, se sente obrigado a apoiar as iniciativas do governo, já que este não dividiu o poder.
Por ora, o governo obteve uma importante vitória, a aprovação da reforma da Previdência, mas também colheu numerosas derrotas. Está claro, a esta altura, que o Congresso está atuando conforme critérios próprios, a partir da visão reformista de seus líderes, e não segundo os objetivos do presidente Bolsonaro – que, a rigor, ninguém sabe muito bem quais são.
Não é um quadro tranquilizador, ante a miríade de projetos que o Congresso pretende analisar neste ano – que, ademais, tem eleições municipais, cujo potencial para influenciar o jogo federal não é pequeno. A pulverização de interesses parlamentares, sem qualquer articulação com o governo, torna a incerteza uma regra, o que é um risco enorme para o País.
5G no Brasil – Editorial | O Estado de S. Paulo
Até o final de 2020, grandes cidades dos Estados Unidos, da China e de alguns países da Europa experimentarão os avanços trazidos pela rede 5G. São avanços tais que analistas do setor de telecomunicações – e não só eles, como também psicólogos e outros estudiosos do comportamento humano – chegam a afirmar que o modo de vida das pessoas tocadas por essa nova tecnologia mudará radicalmente já na próxima década.
A tecnologia 5G proporciona muito mais do que acesso mais rápido à internet por meio de dispositivos móveis (celulares e tablets, por exemplo) ou TVs inteligentes. Em uma rede 5G será possível assistir a vídeos e trafegar arquivos pesados em velocidade impressionante – sob determinadas condições, a velocidade da rede 5G pode chegar a 1 gigabit por segundo (Gbps), cerca de 20 vezes mais rápido do que a 4G. Esta velocidade aliada à redução da latência – o tempo entre um comando dado em um site ou aplicativo e a sua execução – dos atuais 10 milissegundos para 4 milissegundos é fundamental para o funcionamento da internet das coisas, ou seja, a comunicação entre equipamentos de uso doméstico ou industrial. Eis um dos pontos mais relevantes dessa revolução.
Enquanto o mundo desenvolvido já está com um dos pés no futuro projetado pela chegada da rede 5G, que amplia enormemente o rol de possibilidades para as pessoas e para as empresas, o Brasil vem patinando. No entanto, um importante passo foi dado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) na quinta-feira passada. A agência finalmente aprovou a proposta de edital do leilão da rede 5G no País após divergências entre os membros do Conselho Diretor. Sucessivos pedidos de vista atrasaram muito o início do prazo de 45 dias para consulta pública e, consequentemente, a definição da data do leilão.
O primeiro relator, o conselheiro Vicente Aquino, defendia um modelo que privilegiava as pequenas operadoras. No fim do ano passado, o conselheiro Emmanoel Campelo apresentou nova proposta que, ao contrário, favorecia as grandes teles. Prevaleceu a proposta apresentada este mês pelo conselheiro Moisés Moreira, que prevê o aumento de 100 MHz na faixa de 3,5 GHz, ampliando o espectro de frequência de 300 MHz para 400 MHz. A medida tende a evitar interferências entre o 5G e o sinal de TV aberta captado pelas antenas parabólicas, um dos pontos que geraram as divergências entre os conselheiros. A ampliação de 100 MHz também permitirá que pequenas e médias empresas participem do leilão. O texto foi aprovado por unanimidade (cinco votos).
Definido o modelo técnico do leilão, há agora uma importante decisão política a ser adotada pelo governo federal. O edital aprovado pela Anatel não impôs quaisquer restrições à tecnologia 5G da empresa chinesa Huawei, a mais bem preparada do ponto de vista técnico e que oferece boas condições comerciais. No entanto, governos do mundo inteiro têm sido pressionados pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a banir a Huawei de seus certames, tanto por razões comerciais – Trump quer privilegiar as companhias de seu país – como por questões geopolíticas. Há poucos dias, o premiê do Reino Unido, Boris Johnson, foi fortemente pressionado pelo “trator” americano por permitir que a Huawei participe do leilão de 5G em seu país.
Jair Bolsonaro tem adiado o leilão para achar uma solução que não abale o que acredita ser sua “boa relação” com Trump. Este não vê com bons olhos a entrada da Huawei no Brasil, pois teme que dados capturados pela empresa possam ser repassados ao governo de Pequim. Porém, é a Huawei que parece oferecer as melhores condições para a rede 5G no País.
Não deveria tirar o sono de Bolsonaro decidir entre o interesse do governo americano e o interesse nacional. As possibilidades de crescimento tecnológico e econômico trazidas pela rede 5G são enormes. Quanto antes o Brasil tiver acesso a ela, melhor.
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