Vitória
de Biden rompe a dupla 'Deus' e 'mito' e joga o Brasil no isolamento e no limbo
Contagem regressiva para as eleições americanas, em 3 de novembro, com o presidente Donald Trump dando sinais de desespero, perdendo o rumo, aprofundando a arrogância, incapaz de tirar do centro da pauta o seu maior calcanhar de Aquiles: a pandemia. Mais do que as pesquisas, é o próprio Trump quem sinaliza ao mundo que caminha para uma derrota histórica na maior potência do planeta.
Isso
deixa o Brasil, e diretamente o presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e o
chanceler Ernesto Araújo, numa enrascada. Em seu artigo mais chocante, ou
delirante, intitulado “Trump e o Ocidente”, Araújo prega que o Ocidente está em
perigo e depende de Deus. Em seguida, nomeia: “só Trump pode ainda salvar o
Ocidente”. Trump é Deus. Logo, coitado do Ocidente, estará perdido sem Trump.
São visões confusas, que põem o Brasil numa situação difícil com a perspectiva de um governo democrata, com Joe Biden e Kamala Harris. Onde esconder os textos de Araújo? O boné “Trump 2020” do ex-quase embaixador em Washington Eduardo Bolsonaro? A subserviência de Jair Bolsonaro a Trump?
Resta
a eles orar para o “Deus” Trump conseguir um milagre e repetir 2016: perder no
voto popular, mas vencer no colégio eleitoral. Não é o que as pesquisas
indicam, pois Trump perde não só em Estados-pêndulos, que historicamente podem
ir para um lado ou outro, mas até em bases republicanas. Eleição não se ganha
ou perde de véspera e Trump surpreendeu em 2016, tem estratégia e truques
diabólicos – inclusive massificar que Joe Biden, de 77 anos, está senil,
desorientado. Logo, nunca é demais botar um pé atrás, mas tudo aponta a vitória
democrata.
O
momento decisivo foi quando Trump pegou a covid-19. A reeleição já estava
difícil, com tendência clara pró-Biden, e Trump não soube transformar limão em
limonada, humanizar sua imagem, captar alguma empatia e estancar os
consistentes ataques a ele. De outro lado, tentar levar o debate para o seu
estado de saúde e para seus eventuais trunfos, tirando do centro das atenções
seu gravíssimo descaso na pandemia. Ele fez o oposto.
Trump
dobrou a aposta na arrogância, com notícias médicas duvidosas, a retirada
abrupta da máscara em público e a patética saidinha de carro para acenar aos
militantes na porta do hospital. Que candidato resiste a erros tão grosseiros?
Assim, ele jogou ainda mais o foco na sua grosseria, prepotência, ignorância e
irresponsabilidade no combate ao vírus, que já matou perto de 215 mil
americanos e tornou os EUA exemplo do que não se faz.
Esse
é o eixo de um debate que desaba em princípios. De humanidade, compaixão,
empatia, justiça e honestidade, que levam ao sentido oposto de Trump: a “Black
Lives Matter”, combate à violência policial, um sistema de saúde inclusivo. Na
política externa, multilateralismo, sustentabilidade, liderança com
generosidade, firmeza sem confronto com a China. E um freio na arrancada da
extrema direita internacional.
O
desafio de Bolsonaro é o que fazer em caso de dar Biden. Com o decantado
pragmatismo dos EUA, a previsão é de frieza nas relações diplomáticas, mas
mantendo as negociações econômicas e comerciais e os programas de cooperação em
diferentes setores – como ocorreu até com Dilma Rousseff. O risco é numa área
específica: a bélica, militar. Biden vai aumentar o arsenal de Bolsonaro?
A
maior perda para o Brasil será na área internacional. Ao se isolar da Europa,
gerar desconfiança na China, jogar fora a natural liderança na América Latina,
Bolsonaro apostou em “Deus” e “mito”. Sem esse “Deus”, o País pode virar uma
ilha, sem credibilidade, parceiros e, portanto, investimentos. Para o ministro
da Educação, jovens sem fé são “zumbis existenciais”. Sem Trump, Brasil pode
ser um zumbi internacional.
*Comentarista da Rádio Eldorado, da Rádio Jornal e do Telejornal Globonews em Pauta
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