Epidemia vai se arrastar e já pode ter matado quase 1 em 100 idosos de São Paulo
Duas
mulheres de 109 anos morreram de Covid na
cidade de São Paulo. A doença levou 46
paulistanos de cem anos ou mais.
A
gente sabe que esta é uma peste ainda mais cruel com os idosos. As pessoas de
mais de 65 anos são cerca de 75% dos mortos pela doença tanto aqui na
cidade como no
estado de São Paulo. Mas a gente vai bulir nas estatísticas por
outros motivos e vê lá então que duas paulistanas de 109 anos morreram de
Covid. É outra história.
Dá
o que pensar: nessas mulheres, no paulistano de 104 anos que o vírus levou,
nessa morte muitas vezes dolorosa e sempre solitária, de nenhuma despedida.
Penso na minha avó Maria, que morreu aos 101, antes desta praga, que esteve
muito bem até pouco antes de partir, quando então ainda cozinhava e teria ido à
feira sozinha, se deixassem.
Ele
viveu faz mais de 4 mil anos no que é hoje o Vietnã. Arqueólogos descobriram
que esse homem sofria de um mal que o deixou paralisado da cintura para baixo
desde antes da adolescência. Quase não podia mexer os braços, se tanto, ou se
alimentar sozinho, mas sobreviveu pelo menos uma década depois do ataque da
doença.
Sua
gente cuidou dele, pessoas que não tinham quase nada, que viviam apenas de
caça, pesca e talvez criassem uns porcos meio selvagens.
Há outras histórias assim, de neandertais de 45 mil anos atrás ou de indígenas da Flórida de 7.000 anos.
“E daí?”, diria um ogro tal como um desses que nos governam e que não são
capazes de uma palavra compassiva, que dirá do sacrifício amoroso desses nossos
parentes da pré-história.
Daí
que a epidemia está longe de terminar. Ainda podemos nos redimir um pouco do nosso
barbarismo. O vírus continua a matar diariamente cerca de 700 pessoas no
Brasil. Na cidade de São Paulo, são mais de 20 por dia. Nenhuma doença mata
tanto assim. As mais letais, infarto e pneumonias, levavam 20 paulistanos por
dia antes da calamidade do vírus.
Pelo
menos cerca 0,6% dos moradores de São Paulo com mais de 65 anos perderam a vida
para a Covid. Ainda não está chocado? É pelo menos 1 de cada 169 paulistanos
com mais de 65. Pode ser mais, se considerados também os casos suspeitos: 1 de
cada 114.
Sim,
o pico da doença nesta cidade aconteceu no início de junho, quando morriam em
média 120 pessoas por dia por causa do coronavírus. Sim, como muita gente deve
ter ouvido tantas vezes, o risco é muito baixo para quem tem menos de 50 anos.
É baixo o risco de morrer, mas não o de espalhar morte, o que deveria ser muito
sabido também.
Se
o argumento mortal não basta, pense que, quanto mais a epidemia se arrastar,
por mais tempo ficará travada a vida nas cidades e, assim, o ganha-pão de tanta
gente, a mais pobre em particular.
A
peste e esses tipos que nos governam fazem pensar também em Tucídides, o
historiador, um grande escritor e também um militar. Lutou em guerra de
verdade. Não passou a vida vadiando como escoteiro marmanjo até ser expulso da
tropa por baixezas várias.
O
quase sempre comedido Tucídides escreveu com horror e desamparo sobre os montes
de mortos largados sem cerimônia, vítimas de uma praga sem remédio na Atenas de
430 a.C.
Pense
nos gregos, pense no homem de Man Bac. Pense em “Maria”, 109, que o vírus
levou e que um dia foi bela e jovem como você.
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