No
curto prazo não sobra alternativa de defesa senão uma outra rodada de estímulos
econômicos, inclusive transferência de renda para os mais pobres
Confesso
ao leitor do Valor que
meu otimismo estrutural com a ação do ser humano diante de uma crise grave que
atinge, de tempos em tempos, nossa sociedade está sendo fortemente questionado
neste início de 2021. Esperava eu que com o início da vacinação em grande
número de países, a crise da saúde - e sua derivada econômica - poderiam
continuar a ser enfrentadas com as armas hoje à disposição de governos e
sociedade. Com a redução das medidas de afastamento social testadas ao longo de
vários meses e as medidas de natureza keynesianas implantadas na maioria das
economias de mercado, a profunda recessão que se seguiu foi controlada e, nos
últimos meses de 2020, iniciamos a volta de um ciclo econômico de normalidade.
Os
dados econômicos conhecidos até o mês de novembro mostram uma recuperação em V
com o braço ascendente da curva da atividade econômica na maioria dos países
chegando quase ao mesmo nível de março passado, quando a crise chegou aos
mercados mais importantes do mundo. Apenas os indicadores das atividades do
setor de serviço - principalmente as de refeições fora do domicílio e
mobilidade aérea - tiveram uma recuperação mais lenta e terminaram 2020 bem
abaixo de antes do início da crise.
Meu otimismo com 2020/2021 vinha exatamente da abrangência das medidas econômicas implantadas pelos governos nacionais e da certeza que as reações dos agentes econômicos diante de tantos estímulos fiscais que chegaram a mais de 10% do PIB e uma postura altamente expansionista dos Bancos Centrais seria a de acelerar seus negócios.
Me
ajudou muito, na compreensão do que iria acontecer, o acompanhamento da crise
vivida pelos Estados Unidos em 2008 e que, posteriormente, se transformou em
uma depressão mundial que durou quase dez anos. A recessão da covid-19, pelas
suas características particulares, me parecia ser ainda mais fácil de ser
superada pelas ações de política fiscal e monetária tomadas rapidamente pelas
autoridades econômicas. Em 2008, pelas circunstância das eleições americanas e
de um novo governo democrata, apenas em 2010 é que as primeiras medidas para
enfrentamento da recessão foram implantadas. Além disto, em 2008 tivemos uma
crise bancária de grandes proporções nos Estados Unidos o que sempre torna
muito mais difícil a volta da confiança aos mercados e a recuperação da
atividade econômica.
Este
modelo de recuperação da recessão econômica que tracei em função da teoria
econômica disponível e do acompanhamento por vários anos dos acontecimentos
vividos entre 2008 e 2020 tinha, entretanto, uma falha grave. Não incorporava
os riscos associados a uma pandemia como vivíamos, por falta de conhecimento
meu e da grande maioria dos analistas que serviam como referência para seu
acompanhamento. Não tínhamos conhecimento de uma pandemia da natureza que
estamos vivendo e as referências já conhecidas como a da Saar em 1997 - e que
provocou a crise econômica conhecida como “crise da Asia” - se revelaram
enganosas pela rapidez como foi superada.
Em
1998 a economia mundial já tinha se recuperado da curta recessão vivida e os
negócios no mundo tinham voltado à plena atividade. Dou aqui um exemplo
marcante deste fato pois fui o responsável pela maior privatização já realizada
na América Latina - 12 empresas do sistema Telebrás - em junho de 1998 pelo
valor de US$ 20 bilhões.
Esta
diferença entre uma pandemia geograficamente mais localizada como foi a Saar -
embora da mesma natureza viral como a covid-19 - e a que estamos vivendo é um
alerta grave para o potencial destruidor que as crises provocadas pela Natureza
podem ter sobre a Humanidade. Mesmo com o potencial cientifico que acumulamos
hoje, o arsenal de uma natureza agredida pode se revelar muito maior.
A
violência como o vírus da covid-19 contra-atacou uma sociedade acostumada com
uma liberdade quase sem limites para organizar suas cadeias de negócios, como
se a distância entre mercados e empresas espalhadas pelo mundo não existisse,
foi a arma mais poderosa que a covid-19 encontrou para se espalhar pelo mundo.
Por outro lado, a incrível capacidade que mostra o vírus para mudar sua
natureza é uma advertência vigorosa para a dimensão de seu potencial
destruidor.
Hoje
a dúvida se uma vacina identificada e testada vai servir para qualquer nova
mutação do vírus assusta a todos, mas principalmente os cientistas do setor. A
mensagem a toda a humanidade está feita e cabe agora aos governos nacionais o
desenvolvimento não só de programa de vacinações com o material que temos hoje,
mas, principalmente, de um sistema logístico com um protocolo protetor de outra
natureza.
No
curto prazo não sobra alternativa de defesa senão uma outra rodada de estímulos
econômicos, inclusive transferência de renda para os mais pobres para acomodar
uma nova rodada de isolamento social, talvez até mais intenso do que já vivemos
entre março e junho de 2020. Mesmo que isto cause calafrios nos economistas que
formam hoje o pensamento dominante nos mercados financeiros.
*Luiz
Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da
Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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