Não foi o coronavírus que gerou nossa desigualdade social. Mas ele a ampliou
Há
50 anos, o Fórum Econômico Mundial (WEF, da
sigla em inglês) foi fundado. Desde então, governantes, agentes públicos e
empresários do mundo todo se reúnem anualmente em Davos. A pequena cidade suíça
tem seus dias de glória nos meses de janeiro, quando o mundo acompanha seu
inverno frio e branco emoldurando discussões sobre o desenvolvimento econômico
e social global. Este ano, como em tantos outros casos, Davos ficará vazia. Mas
os debates não deixarão de acontecer. De outra forma, mas com grande ênfase.
É durante o WEF que se publica o Relatório de Riscos Globais (RRG). Já são 16 edições que anualmente busca apontar os maiores riscos e seus potenciais impactos sobre o mundo. O relatório veio a público esta semana trazendo a perspectiva de líderes públicos e privados sobre o que pode comprometer a prosperidade global em áreas como economia e meio ambiente, mas também geopolítica, questões sociais e tecnologia. Em 2021, o desafio nesse mapeamento foi maior. Afinal, não é fácil falar de riscos após o inesperado tsunami da covid-19. Não que esse risco estivesse completamente fora do radar. Mas sua ocorrência, severidade e impactos superaram as previsões do mais adverso dos cenários possíveis.
Neste
ano, o RRG identificou sete grandes riscos, classificados em ordem de
probabilidade de ocorrência e de impacto. No primeiro grupo, riscos climáticos
continuam se destacando, com eventos climáticos extremos, falhas nas ações de
proteção ambiental e danos ambientais causados pela ação humana ocupando as
três primeiras posições.
Na
sequência, temos os riscos de doenças infecciosas assumindo lugar que perda de
biodiversidade ocupava em 2020. Esse vem adiante e é seguido por um novo e
recentemente reconhecido temor relacionado à concentração do poder digital em
grandes empresas de tecnologia.
A
lista se encerra com a desigualdade digital ocupando a 7.ª posição dentre os
riscos globais mais prováveis. Na classificação por impacto, sem surpreender, o
risco de doenças infecciosas ocupa o topo da lista e dois novos riscos são
incorporados: i) as dificuldades de manutenção dos meios de sobrevivência,
ligadas, por exemplo, ao desemprego – em particular da população jovem que
chega ao mercado de trabalho – e à erosão das condições de emprego; e ii) a
ameaça das armas de destruição em massa, reafirmando os temores presentes no
topo das listas do RRG desde 2013.
Em
2021, segue o RRG, o cenário continuará marcado pelo impacto e pela severidade
da pandemia. Certamente por menor espaço de tempo naqueles países que
conseguirem avançar rapidamente com a vacinação em massa. Mas a covid-19
deixará marcas profundas em função das barreiras individuais e coletivas que a
maior crise sanitária de todos os tempos nos legará. Esse é o alerta que emerge
na escolha das quatro áreas centrais de preocupação: desigualdades digitais,
privação de direitos pelos jovens, tensões geopolíticas e o aumento das
pressões sobre os negócios.
Na
digitalização, a aceleração motivada pelo isolamento social ampliou as
diferenças entre indivíduos e países, com impactos duradouros sobre
desigualdade por meio do seu canal mais poderoso: o acesso à educação –
interrompido para tantas crianças e jovens. Além disso, polarização política e
incertezas regulatórias acompanham o desenrolar de um mundo mais digital e mais
conectado.
Ainda
para os jovens, o desafio se ampliou com a ausência de oportunidades de
trabalho se juntando às angústias que se traduzem em revolta e
descontentamento. Para as mulheres, anos de avanços de representatividade foram
perdidos, na esteira de pressões culturais e oportunidades mais estreitas. No
campo geopolítico, o fechamento de fronteiras, a luta pela vacina e os desafios
diplomáticos exacerbaram tensões preexistentes e criaram novas. Não menos
importante são a pressão sobre os negócios num mundo mais incerto, mais
concentrado, mais consciente e em grande transformação.
Tudo
isso se traduz em novas fraturas sociais, agora ainda mais expostas. Não só
entre nações, mas principalmente dentro de cada país, as diferenças sociais se
exacerbaram, ampliando as fendas existentes e impondo desafios maiores para o
futuro.
A
mobilidade social, já baixa em tantos países, deverá ser ainda mais reduzida
com o impacto da pandemia na educação, refletido no aumento da evasão escolar,
na ausência de capacitação adequada e na consequente redução na
empregabilidade. A falta de infraestrutura tecnológica continuará alijando
famílias do acesso à informação de qualidade, assim como a falta de
infraestrutura básica negará a elas condições de vida melhores. A pressão sobre
os sistemas de saúde definirá caminhos e probabilidades distintas para camadas
diferentes da população, numa separação cruel que se faz na partida da sua
condição social.
No Brasil, tudo isso é pior – e
continuará sendo. Afinal, não foi a pandemia que gerou nossa desigualdade
social. Mas ela a ampliou, agravando essa fratura que divide o País em dois e
engrossando o lado da pobreza com mais um bocado de brasileiras e
brasileiros.
*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman.
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