O
ministro do STF Ricardo Lewandowski autorizou a abertura de inquérito para
investigar a conduta do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na crise sanitária
no Amazonas, onde o SUS entrou em colapso
Em
tempos de quarentenas e isolamento social, o filme Operação Final é um dos mais
populares da Netflix. Narra o sequestro do criminoso nazista Adolf Eichmann
(Ben Kingsley, em interpretação magistral), na Argentina, para submetê-lo a
julgamento em Jerusalém pelos crimes que cometeu na Segunda Guerra Mundial. Os
principais líderes nazistas, como Adolf Hitler, evitaram a Justiça por meio do
suicídio, mas o responsável pelos campos de concentração conseguiu escapar e
vivia escondido, até ser identificado e localizado por causa das suas ligações
com a extrema direita argentina.
Fugitivo,
Eichmann era imaginado como um sujeito brutal e sanguinário, mas o julgamento
mostrou outro tipo de personalidade: um burocrata militar (tenente-coronel das
SS), cujo objetivo central era vencer na vida a todo custo, incapaz de refletir
sobre as consequências de suas ações. Eichmann era o gestor de um conjunto de
instruções voltadas à destruição dos judeus. Cumpria ordens para dar cabo dos
objetivos genocidas do movimento nacional-socialista alemão, fundado e chefiado
por Hitler. Era o mais comum dos homens, educado, inteligente e afirmava que,
particularmente, não era antissemita. Era apenas um servidor público cumpridor
das leis.
Eichmann foi um dos responsáveis pelo transporte dos prisioneiros judeus para os campos de concentração. Ele cuidava da logística que levaria milhões de pessoas aos mais diversos tipos de torturas e à morte. Entretanto, via sua função como sendo apenas parte do sistema, como se estivesse meramente cumprindo ordens, executando corretamente suas tarefas, sem levar em consideração o que realmente significava sua parte no esquema nazista. Ele era um de muitos do mesmo tipo, indiferente ao sofrimento alheio, com frieza e incapacidade de comiseração.
A
filósofa judia-alemã Hannah Arendt acompanhou o julgamento e escreveu um livro
(Eichmann em Jerusalém) no qual caracterizou a atuação do oficial nazista como
a banalização do mal: “O problema com Eichmann era exatamente que muitos eram
como ele, e muitos não eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram, e ainda
são, terrível e assustadoramente normais. Do ponto de vista de nossas
instituições, e de nossos padrões morais de julgamento, essa normalidade era
muito mais apavorante do que todas as atrocidades juntas, pois implicava que
(…) esse era um novo tipo de criminoso, efetivamente hostis generis humani, que
comete seus crimes em circunstâncias que tornam praticamente impossível para
ele saber ou sentir que está agindo de modo errado”, escreveu. O filme Hannah
Arendt — Ideias que chocaram o mundo conta muito bem essa história.
O
caso foi enviado a Lewandowski pela vice-presidente do STF, Rosa Weber, à
frente do plantão judiciário durante o recesso, porque o ministro é o relator
de outros processos ligados à pandemia. O pedido de inquérito foi feito pelo
procurador-geral da República, Augusto Aras, com base em uma representação do
partido Cidadania e em informações apresentadas pelo próprio ministro Pazuello,
além de apuração preliminar dos procuradores federais que atuam na área de
Saúde. O ministro soube do colapso iminente do Sistema Único de Saúde (SUS) em
Manaus em dezembro, mas só tomou providências efetivas em janeiro. Dezenas de
pessoas morreram por falta de oxigênio, enquanto o Ministério da Saúde insistia
em prescrever cloroquina para conter a crise sanitária.
Nem de longe as mortes causadas pela pandemia no Brasil, apesar de toda a incúria e falta de empatia do presidente Jair Bolsonaro, se comparam aos horrores do Holocausto. Entretanto, a “banalidade” com que são tratadas é um espanto. O comportamento é o mesmo apontado por Arendt na descrição de Eichmann: alguém que não conseguia perceber a realidade, não se colocava no lugar de outra pessoa, porque internalizou que o que estava fazendo era o correto. Eichmann cumpria ordens sem questionar o certo e o errado, dessa forma tornou-se um dos maiores criminosos de guerra. Bolsonaro manda, Pazuello obedece e, com isso, se tornou o pior ministro da Saúde da nossa história.
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