Apesar
do abalo na popularidade, presidente ainda mantém apoio para resistir ao
impeachment
Depois
de tanto negacionismo e leniência com a pandemia, a conta do desgaste começa a
chegar a Jair Bolsonaro. É amargo para o presidente que, segundo o Datafolha,
46% da população considerem que seu adversário João Doria fez mais contra o
novo coronavírus do que ele, cuja atuação na crise é aprovada por 28%.
Os
índices de popularidade do presidente também apresentaram queda, embora ainda
seja apoiado por cerca de um quarto da população. No fim de semana, sinal dos
tempos, houve carreatas pedindo sua saída no Rio, em São Paulo e Brasília. No
sábado, promovidas pelo PT e pela esquerda; no domingo, pela direita (Movimento
Brasil Livre e Vem pra Rua).
O
crescimento da gritaria pelo afastamento do presidente não basta para que ele
sofra um pedido de impeachment. Claro que, a depender de seu comportamento e
dos índices de popularidade, o cenário político pode se deteriorar. Bolsonaro
conta com a vitória do aliado Arthur Lira (PP-AL) na disputa pela eleição da
presidência da Câmara para barrar qualquer pedido de afastamento. Há mais de 60
na presidência da Casa. Continuarão a chegar outros.
Mesmo
com o Centrão de Lira, a base de apoio a Bolsonaro na Câmara nos dois primeiros
anos de governo (72,5% de adesão nas votações, pelo critério do Observatório do
Legislativo Brasileiro da Uerj) é inferior às dos ex-presidentes Lula (77,1% no
primeiro mandato e 77,7% no segundo) e Dilma Rousseff no primeiro mandato (76,2%).
Bolsonaro só fica à frente dos 58,2% de Dilma no segundo mandato. A frágil base
parlamentar dela está por trás do impeachment por crimes na área fiscal.
Em janeiro, conjugam-se os efeitos do fim do auxílio emergencial com o persistente crescimento do número de mortos pela Covid-19, emoldurada pela tragédia de Manaus das vítimas asfixiadas por incúria dos governos federal e estadual. Mesmo sabendo do problema da falta de oxigênio, as autoridades não se mobilizaram a tempo como deveriam. Fatos como esse são corrosivos para todo político.
Seria
prematuro fazer qualquer prognóstico sobre o efeito da tragédia na popularidade
de Bolsonaro. Mais ainda, especular sobre um novo processo de impeachment, que
depende não apenas disso, mas também das circunstâncias políticas. A garantia
da blindagem do presidente da Mesa da Câmara não é absoluta. Dilma confiava
nela e em sua ampla aliança, mas o desastre econômico que produziu fez com que
perdesse as ruas, o Congresso e o chão. Bolsonaro tem contra si uma doença que
ele desdenhou e que continua a produzir mais cadáveres.
Nas
duas experiências que testemunhou de afastamento de presidentes (Collor e
Dilma), o Brasil aprendeu a interpretar sinais de perda de sustentação do
Planalto. Por ora, Bolsonaro tem plena condição de resistir até o fim do
mandato. Mas será preciso prestar atenção aos efeitos políticos da crise
humanitária.
Falta de vacinas e crise em Manaus expõem gestão desastrosa na Saúde – Opinião | O Globo
É
preciso mesmo investigar inépcia e omissão do ministro Pazuello no combate à
pandemia de Covid-19
Quando
abriu mão de dois médicos na Saúde — Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich — em
plena pandemia e optou pelo general Eduardo Pazuello, Jair Bolsonaro sabia o
risco que corria. Queria à frente do ministério alguém que não contestasse seus
desatinos. Um dos primeiros atos de Pazuello foi ampliar o uso da cloroquina no
tratamento da Covid-19, apesar de a droga não ter eficácia nenhuma contra a
doença.
A
crise em Manaus expôs ainda mais a incompetência de Pazuello. O ministro fora
informado do agravamento da situação na semana do Natal, mas só em 3 de janeiro
começou a agir. Era tarde. A força nacional do SUS alertara que os estoques de
oxigênio estavam baixando e que o colapso nos hospitais era inexorável.
Pazuello deixou que os doentes morressem por asfixia.
Não
bastasse o horror em Manaus, o drama da segunda onda se espalha para outros
estados do Norte. Rondônia também já está em colapso, e cidades do Pará
enfrentam falta de leitos de UTI e oxigênio. No Acre, o número de internações
explodiu. Pazuello foi despachado para Manaus “sem passagem de volta” no
momento em que a crise aguda se alastra. Não se sabe que tipo de auxílio poderá
prestar in loco um general que, desde o início, não tem cessado de demonstrar
sua inépcia.
Pazuello
desprezou a importância das vacinas, e só a muito custo o Brasil acabou
aderindo à iniciativa da OMS (Covax) e destinando recursos à produção na
Fiocruz. Agora, veio à tona a revelação de que a Pfizer mandou carta a
Bolsonaro e seus ministros em setembro, oferecendo doses da futura vacina e
pedindo celeridade diante da falta de vacinas para atender todos os países.
Ainda que fossem apenas 2 milhões de doses, e ainda que as condições fossem
desfavoráveis ao país, como alega o ministério, a recusa demonstra a falta de
capacidade de Pazuello para lidar com questão tão estratégica. A vacina da
Pfizer foi a primeira a ser aplicada e, embora apresente desafios logísticos,
está sendo utilizada no mundo todo. Teria sido possível usá-la em escala menor
para dar início ao programa de imunização. Hoje faltam doses para imunizar até
os grupos mais prioritários.
No
caso da falta de oxigênio em Manaus, desde o início se sabe que o maior desafio
imposto pela pandemia é o estresse nos recursos de saúde. Em vez de cuidar
disso, o ministério fez propaganda de um certo “tratamento precoce” que não tem
o menor respaldo científico. Pazuello depois negou. Mas suas digitais estão na
mudança de protocolo para uso da cloroquina. Há no Ministério Público um
movimento para investigar a atitude de Pazuello e seu comando da Saúde. É
preciso mesmo apurar as responsabilidades e eventuais crimes pelo morticínio
que é prolongado pela falta de vacinas.
Sobrou para o hipnotizador – Opinião / O Estado de S. Paulo
Quem
sabe se, ao hipnotizar o País inteiro, “Markinhos Show” convença os brasileiros
de que Pazuello é competente e Bolsonaro merece ficar no cargo
Diversas entidades empresariais divulgaram nos últimos dias dois manifestos em que expressam enorme preocupação com a crise causada pela pandemia de covid-19. Em declarações de líderes do setor produtivo, noticiadas pelo Estado, ficaram explícitas as críticas ao comportamento errático e irresponsável do governo de Jair Bolsonaro não só em relação ao enfrentamento da doença, mas também no que diz respeito aos graves problemas econômicos.
Essas
manifestações evidenciam, sem sombra de dúvida, a progressiva perda de
confiança do empresariado na capacidade do presidente de conduzir o País, algo
que já é claro para cada vez mais brasileiros. Ainda não houve pedido explícito
de impeachment de Bolsonaro por parte dos empresários, mas nem era necessário:
o tom das declarações indica que a paciência com o presidente já se esgotou.
Um
bom resumo dessa percepção foi feito por José Ricardo Roriz Coelho, presidente
da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). “Do lado da
saúde, não está passando segurança; do lado da economia, as coisas não andam”,
disse o empresário a propósito da atuação do governo federal.
Os
empresários estão convencidos de que não haverá retomada da economia sem
vacinação em massa da população, algo muito difícil de acontecer num futuro
previsível em razão da inacreditável desorganização do governo Bolsonaro. “A
sensação é de que há muito improviso, e isso assusta”, disse Pedro Passos, da
Natura.
Mas
ninguém pode se dizer surpreendido. Em outubro do ano passado, o presidente
Bolsonaro defendeu que era melhor investir na “cura” da covid-19 do que numa
vacina. Ao longo de toda a crise, e ainda hoje, Bolsonaro faz campanha pelo que
chama de “tratamento precoce” com cloroquina e outros elixires comprovadamente
ineficazes contra a doença. Gastou milhões na produção e na distribuição dessas
drogas, ao mesmo tempo que tudo fazia para sabotar a vacinação. Demitiu
ministros da Saúde que se recusaram a defender o uso da cloroquina e insistiam
na adoção de medidas como quarentena e distanciamento social e na produção de
uma vacina. No lugar deles, colocou um almoxarife que papagueia as asneiras
ditas por seu chefe sobre curas milagrosas e que foi incapaz de trabalhar pela
vacinação em qualquer de suas etapas – seja na importação, seja na produção, seja
na distribuição.
Não
fosse o governo de São Paulo ter investido na produção de uma vacina, que o
presidente Bolsonaro desmoralizou o quanto pôde para prejudicar o governador
João Doria, seu principal antagonista, o País não teria nem mesmo a vacinação precária
que se iniciou há dias.
Por
todos esses motivos, não há nenhuma razão para acreditar que Bolsonaro venha a
ser o líder que nunca foi e de que o País tanto precisa neste momento. Ao
contrário: sua permanência na Presidência da República tende a agravar, e
muito, o quadro. Essa certeza chegou ao empresariado, que já vinha demonstrando
fastio com a inação do governo na área econômica, depois de tantas promessas
tão grandiloquentes quanto vazias.
“Se
o mundo inteiro está vacinando e o Brasil não, é falha do nosso governo”, disse
o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Vander Costa. “A
pior coisa, do meu ponto de vista, é não reconhecer quando se falha. Quando
você erra e reconhece o erro, toma uma atitude para corrigir. Mas, quando não
quer ver o erro, vai continuar fazendo errado. Querer fazer a mesma coisa do
mesmo jeito e esperar resultado diferente é coisa de louco.”
A
loucura, contudo, vai continuar, até que termine a alucinação que começou em
1.º de janeiro de 2019. O quanto antes isso acontecer será melhor para todos –
é para isso, aliás, que existe o instrumento constitucional do impeachment.
Mas
o governo parece convencido de que seu problema é apenas de comunicação. Por
isso, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, contratou um novo assessor de
comunicação, um certo “Markinhos Show”, que cita entre suas especialidades a de
“hipnólogo”. Quem sabe se, ao hipnotizar o País inteiro, o novo assessor do
intendente consiga convencer os brasileiros de que Pazuello é um ministro da
Saúde competente e que Bolsonaro é um ótimo presidente e merece ficar no cargo.
Boas previsões para o agro – Opinião | O Estado de S. Paulo
Mais
uma boa safra de dólares virá em 2021, se o governo não brigar com os clientes.
Com produção em alta e preços favoráveis, 2021 deve ser mais um ano de bom faturamento para os produtores do campo, se nenhum acidente, principalmente político, atrapalhar os negócios. Deve chegar a R$ 959 bilhões o valor bruto da produção agropecuária, segundo o Ministério da Agricultura. Será um valor 10,1% maior que o do ano passado, de R$ 871,3 bilhões, o mais alto, até agora, da série registrada a partir de 1989. O novo sucesso dependerá, em boa parte, das condições do mercado internacional e da boa disposição dos grandes importadores, politicamente sensíveis à diplomacia cada vez mais desastrosa comandada pelo presidente Jair Bolsonaro.
Quatro
produtos devem proporcionar 82,6% do faturamento previsto para as lavouras:
soja, milho, café e algodão. A China deve manter-se como principal destino das
exportações do agronegócio brasileiro. Em 2020 o mercado chinês absorveu
produtos no valor de US$ 34 bilhões. Isso representou 64,5% das compras da Ásia
(sem Oriente Médio), região importadora número um. A União Europeia, em segundo
lugar na escala de regiões, importou produtos no valor de US$ 16,3 bilhões.
O
governo chinês, pragmático, dificilmente reduzirá as compras do Brasil. Mas os
produtores americanos, superados apenas pelos brasileiros, mantêm um esforço
permanente para aumentar sua participação no mercado da China. O presidente
Jair Bolsonaro, seu filho Eduardo e o ministro de Relações Exteriores, Eduardo
Araújo, desconhecem ou menosprezam os interesses brasileiros quando dirigem,
com insistência, grosserias e provocações infantis ao governo chinês.
A
reação de Pequim, nos últimos dias, ao retardar o envio de insumos para a
produção da Coronavac, confirmou um grau de tensão incomum, talvez nunca
atingido em outra ocasião, no relacionamento entre os dois governos. Essa
reação ocorreu apesar da cooperação especial entre a Sinovac, importante laboratório
chinês, e o Instituto Butantan.
Em
relação à União Europeia, também muito importante como destino de produtos
vendidos pelo Brasil, os problemas são de outra natureza, embora envolvam,
também, graves erros diplomáticos de Brasília. A devastação ambiental,
especialmente da Amazônia, favorecida por ações e omissões da administração
Bolsonaro, tem dificultado a aprovação final do acordo comercial entre o bloco
europeu e o Mercosul. Além disso, essa destruição fornece argumentos a
movimentos protecionistas muito fortes na maior parte da Europa.
Disso
se valeu o presidente da França, Emmanuel Macron, ao apontar a produção
brasileira de soja como destruidora da floresta amazônica. Ele encarnou, nesse
momento, o conhecido protecionismo francês, e logo foi apoiado por vários
membros do Parlamento Europeu. A acusação é grotesca e jamais convencerá
qualquer pessoa passavelmente informada sobre a agricultura brasileira. Mas
pode parecer verdadeira a muitos europeus e isso é politicamente importante. O
presidente Bolsonaro, seus filhos e vários ministros só têm atraído a atenção
para o Brasil de forma negativa e cada novo erro tende a reforçar opiniões
desfavoráveis.
O
discurso de Macron, além de agradável a uma população muito receptiva ao
protecionismo agrícola, também reflete, quase certamente, uma animosidade
pessoal contra o presidente Bolsonaro, autor de grosserias contra a
primeira-dama francesa. O ministro da Economia, Paulo Guedes, endossou, na
ocasião, o comentário grosseiro.
Se
nenhum novo entrave surgir, o agronegócio continuará, em 2021, sendo importante
fonte de dólares, fator de segurança externa para a economia do Brasil, além de
cumprir, é claro, a função básica de garantir o abastecimento regular do
mercado interno. Do lado externo, as vendas de produtos do campo têm
sustentado, ano após ano, preciosos superávits. Em 2020 o agronegócio acumulou
saldo comercial positivo de US$ 87,8 bilhões, 5,6% maior que o de 2019. Novo
resultado favorável deverá surgir em 2021, se nenhuma surpresa muito ruim ocorrer.
Isso dependerá em boa medida de um governo frequentemente desastrado.
Morbidade e mortalidade: um panorama – Opinião | O Estado de S. Paulo
Estatísticas
da OMS revelam tendências que exigirão adaptações das políticas de saúde.
No ano de 2020 a rotina social, econômica e política de todas as nações foi tomada de assalto por um vírus. A formidável contraofensiva da ciência, produzindo antídotos em tempo recorde, faz com que 2021 se abra com a esperança de que o pesadelo, por mais interminável que pareça, terá fim. Passada essa crise extraordinária, restará aos governos a missão de sanar os traumas e debilidades legados por ela e se preparar para enfrentar futuros micro-organismos letais, enquanto os sistemas de saúde retornarão ao velho normal, entregando-se à sua rotina de batalhas contra a mortalidade e a morbidade causadas por acidentes e doenças ordinárias.
Mas
mesmo esta rotina não é estática. As causas de doenças e mortes variam conforme
as transformações demográficas, econômicas e comportamentais das sociedades
humanas. Estatísticas
das últimas duas décadas publicadas pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) revelam grandes tendências globais de morbidade e mortalidade que
exigirão reavaliações e adaptações das políticas de saúde.
Em
2000, as doenças não comunicáveis – como as cardiovasculares, câncer, diabetes
e doenças respiratórias crônicas – respondiam por 4 das 10 principais causas de
morte. Hoje este contingente subiu para 7. Doenças de coração permanecem a
principal causa de morte (16% do total), mas estão matando mais do que nunca:
em 20 anos o número de mortes cresceu de 2 milhões para quase 9 milhões.
As
mortes por doenças comunicáveis, por sua vez, sofreram um declínio global de
quase meio milhão de mortes – embora ainda sejam um grande desafio para os
países de renda média e baixa, onde doenças como malária, tuberculose ou
HIV/aids respondem por 6 das 10 principais causas de morte. As mais letais são
a pneumonia e outras infecções respiratórias.
Um
caso de triunfo da ciência na prevenção, testagem e tratamento, particularmente
exemplar em tempos de pandemia de covid-19, é a redução expressiva de mortes
causadas por aids, que desde 2000 caiu da 8.ª causa global para a 19.ª. Na
África, a aids ainda é a 4.ª principal causa, mas as mortes caíram mais da
metade, de mais de 1 milhão para 435 mil. Apesar dos avanços, a OMS alerta para
uma desaceleração generalizada do progresso contra doenças infecciosas.
Uma
tendência irreversível, dado o crescente envelhecimento da população global, é
o aumento das mortes causadas por Alzheimer e outras formas de demência, que
passaram a figurar entre as 10 principais causas. Na Europa e nas Américas já
são a 3.ª causa mais comum. As mulheres são afetadas desproporcionalmente,
respondendo por 65% dos casos. As mortes por diabetes cresceram globalmente 70%
– e 80% incidem sobre os homens.
Hoje
as pessoas vivem em média 73 anos, quase 7 a mais do que em 2000, mas com mais
incapacidades. Com efeito, as incapacidades causadas por doenças cardíacas,
diabetes, derrames, câncer do pulmão e outras doenças obstrutivas pulmonares
estão em alta, sendo responsáveis por uma perda adicional em anos saudáveis de
100 milhões, em relação a 2000.
Acidentes,
sobretudo rodoviários, são outra grande causa de incapacidade e morte – 75%
entre os homens. Nas Américas, as drogas (legais e ilegais) emergiram como um
contribuinte significativo tanto para a incapacidade como para a morte. As taxas
triplicaram e a região é a única na qual as drogas estão entre as 10 principais
causas na perda de anos saudáveis, por causa de mortes prematuras e
incapacidades, enquanto em todas as outras regiões elas não estão sequer entre
as 25 principais causas.
De
um modo geral, “estas novas estimativas são outro lembrete de que precisamos
rapidamente incrementar a prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças não
comunicáveis”, concluiu Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS. “Elas sublinham a
urgência de melhorar drasticamente, de maneira equitativa e holística, os
cuidados primários de saúde. Uma saúde primária forte é claramente o fundamento
sobre o qual tudo o mais se sustenta, desde o combate a doenças não
comunicáveis ao controle de uma pandemia global.”
Ainda o auxílio – Opinião | Folha de S. Paulo
Cena
política e econômica faz com que prorrogação do benefício continue em pauta
As
estatísticas disponíveis demonstram com clareza que o auxílio emergencial pago
durante a pandemia, além de financeiramente insustentável, nem mesmo foi um
programa social bem concebido.
Entretanto
os mesmos números —e a eles se somam os
da nova pesquisa do Datafolha—
indicam que a interrupção pura e simples do benefício colocará em risco parcela
expressiva da população mais vulnerável do país, com consequências econômicas e
políticas ainda imprevisíveis.
As
exorbitâncias do auxílio estão bem documentadas. Segundo a Caixa Econômica
Federal, 67,9 milhões de brasileiros receberam ao menos uma parcela do
benefício (de R$ 300, R$ 600 ou R$ 1.200 mensais), equivalentes a quase 40% das
pessoas consideradas em idade de trabalhar (acima de 14 anos).
Autorizaram-se
gastos de R$ 321,8 bilhões, algo como dez vezes a verba anual do programa Bolsa
Família. Em um país que já ostenta cifras anômalas de gasto, déficit e
endividamento público, um dispêndio adicional de tais dimensões aproxima o
Estado da insolvência.
Resta
evidente que, devido a critérios falhos de elegibilidade ou controle
deficiente, boa parte dos recursos acabou destinada a estratos que deles não
precisavam, ou estariam protegidos com valores menores —segundo o Datafolha,
por exemplo, 38% dos beneficiários conseguiram poupar dinheiro.
Nada
disso significa, porém, que não fosse imprescindível ampliar a rede de
transferências de renda durante a pandemia. A experiência do auxílio
emergencial, aliás, revelou setores carentes não contemplados pelo Bolsa
Família, um programa bem-sucedido que merece revisão e aperfeiçoamento.
A
crise sanitária está longe do fim, e a economia ainda se mostra frágil. Pela
pesquisa do Datafolha, 69% dos que receberam o auxílio não encontraram fonte de
renda capaz de substitui-lo.
Em
tal cenário, é natural que a prorrogação do benefício, em bases emergenciais ou
permanentes, seja um dos temas
em debate na disputa pelas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado —o
programa, cabe lembrar, foi uma iniciativa do Legislativo.
Tomou-se
a medida às pressas no ano passado, e pode-se compreender que os parlamentares
tenham preferido pecar pelo excesso. Desta vez, no entanto, o debate precisa de
aprofundamento e atenção aos limites do Orçamento.
Há
propostas já avançadas para a fusão de ações sociais de modo a ampliar o amparo
aos mais pobres, sem desrespeitar o teto inscrito na Constituição para os
gastos federais. O presidente Jair Bolsonaro, que rejeitou essa alternativa,
agora vê sua popularidade ameaçada pelo fim abrupto do auxílio.
Boneca russa – Opinião | Folha de S. Paulo
Sociedade
apresenta surpresa para Putin com atos em favor de Alexei Navalni
Em
1939, Winston Churchill definiu a Rússia, então em sua persona avantajada de
União Soviética, como uma “charada envolta em um mistério, dentro de um
enigma”.
Passadas
oito décadas, a frase segue atual não só para o Ocidente, mas mesmo para o
regime de Vladimir Putin, vigente desde 1999.
Uma
das surpresas a emergir da sociedade civil russa, tal qual a abertura de mais
uma boneca dentro de outra “matriochka”, foi a que se testemunhou no sábado
(23).
Em
mais de cem cidades, milhares
foram às ruas demandar a libertação do oposicionista Alexei Navalni,
detido ao voltar do tratamento que recebeu na Alemanha após ser envenenado por
substância de uso frequente por espiões russos.
O
mais notável nos protestos, que resultaram em repressão e mais de 3.700 presos,
é o fato de que os russos não identificam Navalni como um salvador da pátria.
Segundo
pesquisas, sua ideia de oposição a Putin tem apoio marginal, abaixo de 5%.
Intenção de voto a presidente, ainda menos.
Mas
sua detenção, baseada no bizarro motivo de que ele violou os termos de sua
liberdade condicional ao deixar o país em coma, em agosto, traz um
indisfarçável gosto de manobra jurídica e política.
Putin
condenou os protestos, avocando a falta de legalidade deles e fazendo
paralelos com a invasão do Capitólio por trumpistas ensandecidos no dia 6 de
janeiro.
Trata-se
de uma falsíssima equivalência, dado que os milhares de russos que foram às
ruas no sábado buscavam expressar repúdio a facetas do putinismo.
Por
certo, o presidente é popular, com mais de 60% de aprovação de seu mandato. Sua
preocupação em manter uma pantomima democrática, ao promover eleições sistemáticas
na crença de que a falta de crédito da oposição impedirá o surgimento de
alternativas reais, constitui prova de sua argúcia.
Mas
a calcificação do sistema político tem um custo, em especial quando o país
sofre com a queda dos preços do petróleo que move sua economia e com a
gravidade da pandemia da Covid-19.
Tal
custo foi mostrado nas ruas congeladas, algumas a -50ºC. As manifestações
transmitiram a Putin uma verdade simples: a velha maneira de lidar com as
coisas pode ter chegado ao fim.
Não
será um processo rápido, nem certeiro. Entretanto está claramente em movimento,
esperando a próxima boneca ser desvelada de dentro da sua antecessora.
É possível conciliar novo auxílio com o teto de gastos – Opinião | Valor Econômico
Acelerar
a votação das PECs é imprescindível para sustentar eventual auxílio e o próprio
teto
Atrasos
nos calendários de obtenção das vacinas e de imunização e o avanço de nova onda
da pandemia ensombreceram as perspectivas da economia para o primeiro trimestre
do ano. As respostas do governo a isso terão de levar em conta pressões cada
vez maiores para que seja concedido um novo auxílio emergencial, que vêm não
apenas da oposição, mas dos candidatos governistas à disputa do comando do
Senado e da Câmara dos Deputados. Favorecem as pressões o retraimento da
economia e, agora, o recuo da popularidade do presidente Jair Bolsonaro nas
pesquisas. Bolsonaro voltou aos 32% que consideram ótima e boa sua gestão, o
mesmo baixo percentual de meados do ano passado, quando desferia ataques contra
o STF e outras instituições.
O
tempo certo e a magnitude do primeiro auxílio emergencial não foram fruto de
planejamento, mas das circunstâncias. Sua necessidade foi, inicialmente,
minimizada pela equipe econômica e pelo ministro Paulo Guedes, que acreditava
que com R$ 5 bilhões resolveria a parada. Quase um ano depois, e de gastos 120
vezes maiores do que previa Guedes, a questão se recoloca com urgência. Não há
uma transição de renda que conduza o grande exército de desempregados até a
retomada do crescimento, cujo horizonte parece ser cada vez mais adiado para o
segundo semestre.
A
equipe econômica se conforma com um resultado negativo no primeiro trimestre,
mas não dá aval a nova rodada de auxílios. A hipótese de concessão de novo
auxílio piorou o desempenho da bolsa, que completou duas semanas em queda, e do
câmbio, com o dólar teimosamente voltando para perto de R$ 5,50. O Banco
Central, por sua vez, retirou a orientação futura, que o impedia de sinalizar
um ciclo de alta de juros, indicando o princípio do fim do único instrumento em
ação de estímulo à economia.
A
questão central sobre a ajuda financeira é a de se ele é necessário e, sendo,
se será instituído com ou sem o respeito ao teto de gastos. Há expedientes
temporários para que os gastos extras possam ocorrer. O Tribunal de Contas da
União permitiu o salto dos recursos que não foram gastos no combate à pandemia
em 2020 para o orçamento deste ano na rubrica das despesas extraordinárias, algo
como R$ 31 bilhões. O governo determinou via medida provisória que R$ 20
bilhões desse bolo sejam destinados à compra de vacinas. Arthur Lira fala em
usar créditos extraordinários, que não confrontam o teto, para liberar até R$
50 bilhões para ajuda temporária.
O
governo está chegando em um momento de definições, quando terá de optar pelas
promessas de austeridade que têm, na parte econômica, o ministro Paulo Guedes
como fiador, ou a ambição de reeleição de Jair Bolsonaro, possibilidade que em
campanha eleitoral refutara. Há opções no meio do caminho, mas Bolsonaro
preferiu rejeitá-las, embora possa até voltar atrás por força das
circunstâncias políticas. A primeira proposta feita por Guedes de retirar
programas menos focados em renda - abono salarial, auxílio defeso, salário
família e outros - para bancar um Bolsa Família ampliado foi fulminada pelo
presidente. Boa parte dos economistas, porém, acham que seria uma boa e eficaz
medida para ampliar a rede de proteção social.
Destruir
o teto de gastos por impulso ou sob pressão, sem colocar algo crível em seu
lugar, provocaria uma crise certa, com dúvidas sobre a sustentabilidade da
dívida interna, pressões inflacionárias e juros altos para tentar contê-las. A
opção correta é encontrar espaços para gastos adequados por tempo determinado,
dentro do teto.
Além
da desativação de programas que não são focados em renda, houve “folga” em
despesas em função da magnitude e abrangência do auxílio, que ao impulsionar o
consumo, evitaram que a dívida pública chegasse a ser ainda mais alta. O
economista Claudio Adilson Gonçalves aponta que o PIB terá caído em 2020 bem
menos que o previsto, perto de 4%, e que a relação dívida pública/PIB ficou
longe dos 100% previstos por muitos analistas. Para ele, um auxílio de R$ 300 por
seis meses, que custaria R$ 120 bilhões, teria impacto sobre a dívida pública
de 1,5% do PIB, elevando sua relação com o PIB para 89,7%, pouco acima do nível
de 2020 (O Estado de S. Paulo, 25 de janeiro).
O
auxílio pode respeitar o teto e ser o coadjuvante provisório da vacinação em
massa, permitindo alguma renda a milhões de pessoas até que a oferta de
empregos deslanche. Acelerar a votação das PECs é imprescindível para sustentar
o eventual auxílio e o próprio teto.
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