Congresso
se vale de documento para tentar isolar presidente na gestão da pandemia
A
carta dos economistas não foi pensada com este fim, mas seu resultado mais
imediato foi o de fortalecer o Congresso frente ao presidente Jair Bolsonaro
não apenas para a reunião que está sendo programada para amanhã no Palácio do
Planalto entre as cúpulas dos Três Poderes e uma comissão de governadores, mas
frente ao próprio Ministério da Saúde.
Ao
conseguir a aderência de banqueiros, investidores e empresários como Roberto
Setubal (Itaú), Pedro Moreira Salles (Itaú), José Olympio da Veiga Pereira
(Credit Suisse), Arminio Fraga (Gávea), Fábio Barbosa (Gávea), Luís Stuhlberger
(Verde) e Horácio Lafer Piva (Klabin) a carta isolou ainda mais o presidente e
dificultou a transformação do encontro de amanhã na armadilha pretendida.
A ideia de um comitê de crise, a ser discutido nesta reunião, seria não apenas melhorar a coordenação entre os entes federativos, como também tirar do presidente Jair Bolsonaro a condição de responsável-mor pela mortandade brasileira recorde. Seu comportamento na tarde de domingo, porém, desautorizou as expectativas de mudança. Ele foi para o gramado do Palácio do Alvorada comemorar seu aniversário com manifestantes que se aglomeraram no gradil. Ao discursar, disse que “estão esticando a corda” e que “só Deus” o tiraria do cargo.
Na
segunda-feira pela manhã, durante a posse da Associação Comercial de São Paulo,
o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, encarregou-se de responder ao
presidente. Disse que o negacionismo tornou-se uma “brincadeira de mau gosto, macabra
e medieval” (ver abaixo).
Horas
antes, Pacheco havia se reunido com um grande banqueiro na capital paulista.
Apesar de não ser signatário da carta, o banqueiro, que costuma falar com CEOs
de grandes indústrias farmacêuticas e acompanha de perto a produção mundial,
lhe disse que o documento dos economistas, revelado pelo jornalista Merval
Pereira (“O Globo”), simbolizava a paciência esgotada de agentes econômicos
importantes com a conduta do presidente da República e de seu governo na
pandemia.
Ouviu
dele que a do Congresso também está por um fio. Não se avançaram, na conversa,
ações concretas decorrentes do fim da paciência geral da nação, nem mesmo uma
posição definitiva sobre a CPI da pandemia no Senado. Na noite de ontem, o
mesmo banqueiro e um grupo de grandes investidores e empresários tinham um
jantar marcado com Pacheco e o presidente da Câmara, Arthur Lira.
Ecos
desta insatisfação, que cresce desde a nomeação de Marcelo Queiroga para a
Saúde e foi estampada no documento do fim de semana, chegaram ao Palácio do
Planalto no fim da manhã de ontem. A posse de Queiroga, que havia sido prevista
para ontem à tarde, não aconteceu e há expectativas de que venha a ser
confirmada entre hoje e quinta-feira.
Há
preocupações urgentes que um Ministério da Saúde acéfalo só agrava, como a
definição em relação aos estoques de vacina. No domingo, o ainda ministro
Eduardo Pazuello anunciou que os estoques nacionais guardados para a segunda
dose poderiam ser usados para avançar a vacinação. Segundo o comunicado da pasta,
a liberação teria levado em conta a previsão de entregas dos institutos
Butantan e Fiocruz, que puderam acelerar a produção com a chegada da
matéria-prima (IFA) importada.
A
medida, porém, está longe de ser consensual. Um governador enviou um dos médicos
que compõem seu conselho consultivo para conversar com um ministro do Supremo
Tribunal Federal. Ao ser questionado pelo ministro sobre seu aval à decisão, o
médico disse que não conhecia o embasamento técnico da decisão e o governador
foi desencorajado a ir em frente.
O
Ministério da Saúde não forneceu nenhum documento demonstrando garantia de
produção da segunda dose a tempo de repor os estoques no prazo previsto para
quem recebeu a primeira picada. Em entrevista à CNN americana, o governador de
São Paulo, João Doria, apresentou-se como porta-voz dos chefes dos executivos
estaduais: “Estamos em um daqueles trágicos momentos na história em que milhões
de pessoas pagam um preço alto por ter um líder despreparado e psicopata no
comando de uma nação.”
Além
das incertezas em relação às vacinas, os governadores que participarão do
encontro de amanhã no Palácio do Planalto levarão as preocupações em relação à
falta de leitos e de insumos como oxigênio e sedativos. Se a posse de Queiroga
for confirmada hoje, depois da pressão de um Congresso fortalecido pela carta
dos economistas, a expectativa é de que o ministro faça uma gestão
compartilhada com o Centrão, ao contrário do que havia sido sinalizado na
semana passada.
Uma
acomodação que não mude o rumo da vacinação é vista com desânimo por
signatários da carta, como o economista Arminio Fraga, da Gávea Investimentos.
Ele teme que o fracasso dos signatários em convencer os Poderes da necessidade
de guiar a reação à pandemia pela ciência e pelo bom senso, não apenas revele
um país impotente frente à mortandade como também jogue por terra qualquer
chance de recuperação da economia em 2022.
Um
outro signatário, também investidor, que participa de projetos comunitários em
favelas na capital paulista, diz ter sido alertado por uma liderança influente
de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, que a corda está perto de
arrebentar. Sem conseguir conter o desespero e a fome na comunidade, esta
liderança teme que os moradores saiam em arrastão pelas ruas do bairro vizinho do
Morumbi.
Vem
daí a ofensiva do Movimento Convergência Brasil por um projeto de renda básica
amarrado a uma reforma administrativa e a privatizações. A ideia do movimento,
que tem o apoio de empresários como Luiza Trajano e Jorge Gerdau Johannpeter, é
vencer as resistências do Congresso com o compromisso de que uma parte dos
recursos não seria usada para abater dívida mas para financiar o projeto de
renda básica.
O momento, porém, é visto como desfavorável por economistas signatários da carta pelo precedente aberto pela PEC emergencial, que pouco cortou em troca da nova rodada do auxílio emergencial. Tanto Arminio Fraga quanto Elena Landau, ex-diretora do BNDES e uma das principais articuladoras da carta dos economistas acham que a urgência da renda básica está descolada de uma reforma administrativa e de um programa de privatizações porque, assim como a vacinação, essas iniciativas não contam com a aderência do presidente da República.
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