Pedro Venceslau / O Estado de S. Paulo
Mesmo
em isolamento social,
o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
de 89 anos, mantém uma rotina intensa de reuniões virtuais e entrevistas.
Imunizado com a segunda dose da Coronavac, o tucano faz
política por videoconferência, sem sair do apartamento onde mora, em
Higienópolis, e, apesar de afastado da vida orgânica partidária, FHC tem estado
especialmente ativo nos últimos meses, procurado por lideranças de dentro e de
fora do PSDB para
tratar de ações contra a pandemia e,
principalmente, da construção de uma candidatura de centro para a disputa
presidencial de 2022.
Nesta entrevista ao Estadão, o ex-presidente avalia a hipótese de impeachment de Jair Bolsonaro, o restabelecimento dos direitos políticos de Lula e o cenário eleitoral de 2022 a partir dos principais nomes colocados até aqui. “Quando você fica muito agarrado a um momento da sua história, você morre com ela. É melhor arrumar brinquedos novos para se distrair com outras coisas”, afirmou FHC, ao comentar a eventual entrada do petista na disputa. Confira os principais trechos da entrevista a partir de cada potencial concorrente.
Jair
Bolsonaro: ‘Não perdeu o apoio das classes dominantes’
O ex-presidente, que votou nulo no segundo turno da eleição presidencial em 2018, disse que nunca viu Bolsonaro na vida e não tem “entusiasmo” pelo estilo do presidente. Segundo o tucano, o chefe do Executivo podia ter dado algum sinal para abrir o diálogo entre ambos, mas nunca fez isso. Sobre a força eleitoral de Bolsonaro, que já se coloca como candidato à reeleição, FHC avalia que o presidente é um nome forte.
“Bolsonaro não perdeu o apoio das classes
dominantes. Os interesses dominantes se acomodam sempre”, afirmou o tucano.
Segundo o ex-presidente, o estilo do atual mandatário reflete “uma classe média
que tem um pouco de raiva”. “A classe média se sentiu mais representada por
ele”, acrescentou. Apesar das críticas, Fernando Henrique não prega o
impeachment do atual presidente. “Não vejo razão para isso. Ele tem apoios.
Você tem impeachment quando o Congresso para de funcionar. Não é o caso”,
afirmou. Mas então por que o PSDB apoiou o impedimento de Dilma Rousseff? O
ex-presidente faz questão de frisar que a ex-presidente petista é “uma pessoa
correta”, mas conclui: “Bolsonaro tem mais apoio que Dilma porque é mais
competente em lidar com os interesses que o seguram lá”.
Lula:
‘É esperto, vai para o centro’
Ao
tratar do retorno do ex-presidente Lula ao cenário eleitoral de 2022, FHC fez
questão de frisar que nunca pensou em voltar à política depois que deixou o
Palácio do Planalto. “Não estou julgando ninguém, mas a gente tem que viver com
intensidade cada momento. Quando você fica muito agarrado a um momento da sua
história, você morre com ela. É melhor arrumar brinquedos novos para se
distrair com outras coisas”, afirmou. O tucano lembrou que, quando era
presidente, tentou manter, sem sucesso, um canal aberto de diálogo com Lula e o
PT. A proposta não teria avançado por “cálculo eleitoral” do lado petista. Sobre
a expectativa de uma polarização entre Lula e Bolsonaro, FHC acredita que o
petista precisa se alinhar ao centro se quiser vencer a eleição. Segundo ele, o
petista “nunca foi de esquerda”, nem é “um perigo”.
“Duvido que Lula queira assumir que é a
esquerda revolucionária. Aí ele perde. Bolsonaro vai ficar onde está. Lula é
esperto, vai para o centro. Vai agradar todo mundo. Lula vai ser construído por
Bolsonaro como o perigo do comunismo, mas ele não tem nada a ver com isso.
Nunca teve. Não creio que as pessoas vão optar entre esquerda e direita no
sentido ideológico.”
Prévias
no PSDB: Doria, Eduardo Leite e Arthur Virgílio
O
PSDB marcou para outubro suas prévias presidenciais e três nomes estão
colocados até o momento: os governadores João Doria (SP)
e Eduardo Leite (RS) e
o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. Apesar de o processo interno já ter
sido anunciado, líderes tucanos têm defendido a tese de que o partido pode
abrir mão de ter candidato próprio em nome de uma candidatura de união
nacional.
“Acho
difícil. Temos líderes competentes no PSDB”, afirmou FHC sobre a hipótese de a
legenda abrir mão da cabeça de chapa. Mas ele não fecha a porta para que um
nome novo surja no cenário com força suficiente para enfrentar Bolsonaro. “Eu
gostaria mesmo que não fosse nem Bolsonaro, nem Lula. Se eu puder, vou
trabalhar nessa direção: ter um candidato de qualquer partido do centro que
expresse sentimento positivo. Não pode ser um centro morto, tem que ser um
centro que tenha lado.”
Ainda
segundo o tucano, se o PSDB não for capaz de lançar um nome competitivo, vai
ter de escolher o “menos ruim”. Sobre as prévias, FHC descartou Arthur Virgílio
(“não tem força eleitoral”). “Quem tem base eleitoral são esses dois: Doria e
Eduardo Leite. O Doria tem mais consistência porque é São Paulo”.
Luciano
Huck: ‘O que falta nele é ser líder político’
Amigo
do apresentador Luciano Huck, o
ex-presidente disse que ele precisa buscar logo um partido: “Passa a hora. Ele
tem pouco tempo para tomar a decisão”. FHC afirmou que conhece bem e gosta do
astro global. Para o tucano, Huck tem algo essencial na política: popularidade.
Mas isso não basta. “O que falta a ele é ser líder político, que é outra coisa.
Ser líder político é ter comando sobre o Congresso”, disse, argumentando que a
entrada de Lula na disputa não é motivo para Huck desistir da política.
Ciro
Gomes: “Não é de esquerda, de direita nem centro. Ciro é ele”
Potencial candidato do PDT ao Palácio do Planalto em 2022, o ex-governador Ciro Gomes foi ministro da Fazenda de Itamar Franco, mas acabou se tornando um crítico contumaz do tucano. O ex-presidente disse que Ciro ainda é “relativamente” jovem e “fala bem”, mas é “um pouco inconstante”: “Não acho que seja a pessoa que o Brasil precisa neste momento para abrir um caminho de renovação. Ele sabe falar, mas não sabe para que lado vai. Tenho a sensação que ele pode ir para qualquer lado. Ciro não é de esquerda, de direita nem centro. Ele é ele”.
Sérgio
Moro: ‘Não tem força política real’
Para Fernando Henrique Cardoso, o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro fez algo importante: colocou gente rica e poderosa na cadeia. “Alguns eu até conheço”, completou. Mas, como ministro, mostrou não ter muita “apetência” para o poder. O tucano contou se encontrou com Moro pessoalmente apenas uma vez, em Buenos Aires. “Ele simboliza a classe média radicalizada que quer acabar com a corrupção. Não vejo que ele tenha força política real. Pode ser que tenha no Paraná. Esse governo não é especialmente corrompido.” Mesmo com todos os reveses da operação, como a própria decisão do ministro Edson Fachin que anulou as condenações de Lula em Curitiba e o tornou apto para a disputa eleitoral, o tucano disse que o legado histórico da Lava Jato será positivo.
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