O Globo
Eles chegavam de repente. Não havia aviso
prévio. Do nada, eles apareciam com um papel na mão. Eu assinava e colocava no
quadro, num pregador de papel que tinha uma mãozinha que segurava os avisos. “É
terminantemente proibido publicar qualquer notícia sobre o arcebispo de Olinda
e Recife, Hélder Câmara”. Esse era o veto mais recorrente.
O ano era 1973. Eu já havia vivido a prisão. Sabia da forma mais profunda que se pode saber o que é viver sem democracia. A propósito, a sensação física é de falta de ar. Aqueles policiais federais que entravam no corredor que dava na sala da redação da Rádio Espírito Santo tinham um jeito diferente de pisar no chão quando carregavam suas terminantes proibições. Houve vezes que eu soube que eles estavam chegando, antes mesmo de me virar para a porta, apenas por ouvir os passos no corredor. Por meses, naquele ano, fiquei em trabalho interno. Por isso eu recebia, assinava, pendurava o novo proibido no quadro de avisos, e voltava para a minha máquina de escrever, para redigir a notícia possível.
Eu iniciei o meu trabalho de jornalista
quando esses decretos do Ministério da Justiça levados pela Polícia Federal
eram parte da rotina. Quando digo que liberdade de imprensa e democracia andam
juntas, é isso mesmo que eu quero dizer. Eu vivi, nos primeiros anos da minha
vida profissional, o tempo das interdições, das matérias jogadas no lixo, dos
éditos sem pé nem cabeça, como o da proibição de se informar às famílias que o
Brasil vivia um surto de meningite. Não ouvi dizer. Eu vi. Por isso, com a
certeza das testemunhas, preciso avisar que não há democracia sem liberdade de
imprensa. Elas nasceram juntas. São inseparáveis.
Essa liberdade não é privilégio. É um
direito, não apenas nosso, mas também da sociedade. O jornalismo tem que ser
exercido com todos os cuidados de apuração e checagem exatamente para que essa
liberdade não possa ser questionada. Em tempo de tantas mentiras, muitas vezes
difundidas de forma irresponsável por autoridades públicas, o valor da apuração
cuidadosa fica ainda maior. Os que querem enfraquecer a democracia também
atacam a imprensa. Não é coincidência.
A democracia nunca foi um fim. É o começo. Com ela, é possível ir construindo
os degraus que nos levam a evoluir como sociedade. O palco onde se dá o debate
é a imprensa. Por isso, a resposta é não. A democracia não sobrevive sem a
liberdade de imprensa. São ambas partes de uma mesma escolha da sociedade. Se
elas se ausentarem de nós, ouviremos os passos no corredor.
Um comentário:
Tem gente sem-vergonha com saudade.
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