terça-feira, 21 de março de 2023

Joel Pinheiro da Fonseca – Quem tem medo do comunismo?

Folha de S. Paulo

Talvez críticos que veem o risco no Brasil hoje apenas tenham noções distintas na cabeça

Pesquisa do Ipec revelou que, para 44% dos brasileiros, o Brasil corre risco de virar um país comunista. Os dados não dizem, mas ouso supor que há uma enorme correspondência entre esses 44% e os votos para Bolsonaro na eleição passada. Duas reações possíveis: a primeira —e equivocada— é ridicularizar nossa direita como estando em surto coletivo por manter viva a paranoia anticomunista que já era injustificada nos anos 60.

A outra é se lembrar que uma palavra pode ter vários significados, e que talvez o que os que responderam à pesquisa e seus críticos tenham noções diferentes de "comunismo" na cabeça.

Para um estudioso da obra de Marx, "comunismo" designa o estado final da sociedade, o mundo igualitário, sem classes e de abundância para todos, que seguiria à revolução e ao curto período de "ditadura do proletariado", mera transição para reorganizar a produção. O comunismo, contudo, viria só depois dela, quando o próprio Estado é abolido e toda a humanidade vive em liberdade, igualdade e abundância.

Ao longo do século 20, "comunismo" passou a designar o sistema político e econômico daqueles países que tiveram sua revolução (ou imposição armada) e tentaram colocar essas ideias em prática. União Soviética, Alemanha Oriental, China, Cuba, Coreia do Norte e outros; eram os comunistas.

Hoje em dia, um terceiro sentido: para muitos na direita, "comunismo" passou a designar a Venezuela e demais ditaduras de esquerda, quase sempre associados a política econômica intervencionista e desastrosa, levando a inflação estratosférica e caos produtivo.

Um uso do termo é mais correto do que outro? Não. Pode-se argumentar que esse terceiro sentido se distancia do uso histórico, o que é verdade, e que foi colado a esses regimes mais como resultado de confusão mental e propaganda do que estudo. É verdade. Mesmo assim, é o que ele passou a representar para muita gente.

O Brasil corre risco de virar "comunista" nesse terceiro sentido? Não me parece. Se essa fosse a intenção de Lula, por que não deu passos nessa direção em seus dois primeiros mandatos, quando sua popularidade era inconteste e tinha muito mais controle sobre o Congresso? Hoje, com o país rachado e com o Congresso hostil —negociando apoio pauta a pauta e sem garantias— é que ele não tem a menor chance de nos venezuelizar.

É, contudo, um absurdo, um delírio insano acreditar nesse risco? Ao contrário da ameaça de uma revolução bolchevique ou de agentes da KGB subvertendo nossa política, o risco de trilharmos o caminho da Venezuela ou da Nicarágua não é um absurdo. O próprio governo dá pretextos desnecessários para alimentar esse medo.

O PT tem sua postura notoriamente condescendente com ditaduras de esquerda. Sob o argumento do pragmatismo, já as auxiliou muito no passado. Desta vez, Celso Amorim visitou Maduro sem anunciá-lo publicamente; o encontro foi revelado pelo próprio Maduro nas redes sociais. Não faltam pessoas influentes dentro do partido que advoguem justamente o caminho econômico do desastre: estatização, gasto sem limites, emissão de moeda, corte nas taxas de juros. Não creio que Lula lhes dará carta branca, mas é impossível que aconteça? Não.

Então, mais importante do que discutir se uma experiência é ou não é "o verdadeiro comunismo", e mais importante do que primar pelo uso purista dos termos segundo sua acepção clássica, é deixar claro as consequências de possíveis políticas do governo e confrontar aqueles que querem nos levar para o desastre, tenha o nome que tiver.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Joel Pinheiro sendo Joel Pinheiro.