Talvez
críticos que veem o risco no Brasil hoje apenas tenham noções distintas na
cabeça
Pesquisa
do Ipec revelou que, para 44% dos brasileiros, o Brasil corre risco de
virar um país comunista. Os dados não dizem, mas ouso supor que há uma enorme
correspondência entre esses 44% e os votos para Bolsonaro na
eleição passada. Duas reações possíveis: a primeira —e equivocada— é
ridicularizar nossa direita como estando em surto coletivo por manter viva a
paranoia anticomunista que já era injustificada nos anos 60.
A outra é se lembrar que uma palavra pode ter vários significados, e que talvez o que os que responderam à pesquisa e seus críticos tenham noções diferentes de "comunismo" na cabeça.
Para
um estudioso da obra de Marx, "comunismo" designa o estado final da
sociedade, o mundo igualitário, sem classes e de abundância para todos, que
seguiria à revolução e ao curto período de "ditadura do
proletariado", mera transição para reorganizar a produção. O comunismo,
contudo, viria só depois dela, quando o próprio Estado é abolido e toda a
humanidade vive em liberdade, igualdade e abundância.
Ao
longo do século 20, "comunismo" passou a designar o sistema político
e econômico daqueles países que tiveram sua revolução (ou imposição armada) e
tentaram colocar essas ideias em prática. União Soviética, Alemanha Oriental,
China, Cuba, Coreia
do Norte e outros; eram os comunistas.
Hoje
em dia, um terceiro sentido: para muitos na direita, "comunismo"
passou a designar a Venezuela e demais ditaduras
de esquerda, quase sempre associados a política econômica
intervencionista e desastrosa, levando a inflação estratosférica e caos
produtivo.
Um
uso do termo é mais correto do que outro? Não. Pode-se argumentar que esse
terceiro sentido se distancia do uso histórico, o que é verdade, e que foi
colado a esses regimes mais como resultado de confusão mental e propaganda do
que estudo. É verdade. Mesmo assim, é o que ele passou a representar para muita
gente.
O
Brasil corre risco de virar "comunista" nesse terceiro sentido? Não
me parece. Se essa fosse a intenção de Lula, por que não deu passos nessa
direção em seus dois primeiros mandatos, quando sua popularidade era inconteste
e tinha muito mais controle sobre o Congresso? Hoje, com o país rachado e com o
Congresso hostil —negociando apoio pauta a pauta e sem garantias— é que ele não
tem a menor chance de nos venezuelizar.
É,
contudo, um absurdo, um delírio insano acreditar nesse risco? Ao contrário da
ameaça de uma revolução bolchevique ou de agentes da KGB subvertendo nossa
política, o risco de trilharmos o caminho da Venezuela ou da Nicarágua não é um
absurdo. O próprio governo dá pretextos desnecessários para alimentar esse
medo.
O
PT tem sua postura notoriamente condescendente com ditaduras de esquerda. Sob o
argumento do pragmatismo, já as auxiliou muito no passado. Desta vez, Celso
Amorim visitou Maduro sem anunciá-lo publicamente; o encontro foi
revelado pelo próprio Maduro nas redes sociais. Não faltam pessoas influentes
dentro do partido que advoguem justamente o caminho econômico do desastre:
estatização, gasto sem limites, emissão de moeda, corte nas taxas de juros. Não
creio que Lula lhes dará carta branca, mas é impossível que aconteça? Não.
Então,
mais importante do que discutir se uma experiência é ou não é "o
verdadeiro comunismo", e mais importante do que primar pelo uso purista
dos termos segundo sua acepção clássica, é deixar claro as consequências de
possíveis políticas do governo e confrontar aqueles que querem nos levar para o
desastre, tenha o nome que tiver.
Um comentário:
Joel Pinheiro sendo Joel Pinheiro.
Postar um comentário