STF acerta ao condenar PEC Kamikaze
O Globo
Apesar do atraso, Corte decide que uso da
máquina pública por Bolsonaro em ano eleitoral foi ilegal
Por 8 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a Emenda Constitucional 123/2022 violou o princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos. Com a intenção de melhorar suas chances de reeleição, Jair Bolsonaro usou o aumento do barril de petróleo causado pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia como subterfúgio para declarar estado de emergência. Dessa forma, ampliou a abrangência e os valores de programas sociais e interveio nos preços de combustíveis. Tudo isso às vésperas das eleições presidenciais. Logo que a ideia veio à tona, a proposta foi apelidada de Kamikaze, por ser um ataque suicida contra as contas públicas. A decisão do STF pela inconstitucionalidade de partes da emenda comprova que a democracia também foi alvo. Embora com atraso, a Corte reafirmou a ilegalidade do uso da máquina pública para a obtenção de vantagens nas urnas. O ponto negativo foi a não responsabilização dos culpados.
Pela lei eleitoral, o governo pode distribuir
benefícios à população em ano de eleições. Mas deve haver justificativa para
isso. Diante da catástrofe climática ocorrida no Rio Grande do Sul a meses das
eleições municipais deste ano, não se esperava outra coisa senão um conjunto de
medidas emergenciais para ajudar o estado a enfrentar os prejuízos causados
pelas chuvas. Aprovadas pelo Congresso há dois anos, as decisões tomadas pelo
governo Bolsonaro foram de outra natureza. Não havia sustentação para a decretação
do estado de emergência.
A alta do preço do barril de petróleo e a
depreciação do real observadas em 2021 não motivaram o governo a tomar medidas
assistencialistas. Apenas quando faltavam poucos meses para o primeiro turno
das eleições presidenciais, Bolsonaro ordenou a gastança que ultrapassou a
marca de R$ 40 bilhões. Criou ajuda financeira para caminhoneiros autônomos e
motoristas de táxi, dobrou o valor do vale-gás e elevou o benefício do Auxílio
Brasil de R$ 400 para R$ 600. O número de famílias do principal
programa de transferência de renda saiu de 18 milhões em março de 2022 para 21
milhões em outubro. Somente após o fim das eleições, o governo determinou o
início da investigação sobre a alta suspeita. Em um único ciclo eleitoral,
Bolsonaro cometeu inúmeras irregularidades. Nos dias seguintes ao primeiro
turno, o governo anunciou a antecipação do calendário de pagamento do Auxílio
Brasil. Entre o primeiro e o segundo turno, a Caixa Econômica Federal relançou
programa de renegociação de dívidas de pessoas físicas e jurídicas.
Em voto que prevaleceu, o ministro Gilmar
Mendes foi categórico: “O conjunto da obra permite asseverar, sem qualquer medo
de errar, que vários dos instrumentos empregados pelo governo federal tinham
escopo puramente eleitoral, o que pode ser comprovado, inclusive, pela
temporalidade de parcela significativa das medidas. A desfaçatez era tamanha
que inúmeros benefícios criados visando ao período eleitoral tinham vigência
limitada ao término do ano de 2022, isso quando não iniciados e findados entre
o primeiro e o segundo turnos”. Bolsonaro banalizou o conceito de estado de
emergência, e o STF fez bem ao condenar o uso do dinheiro público para apoio
eleitoral.
Governo deve fazer mais pela segurança dos
povos indígenas
O Globo
Ataque em MS deixou dez feridos. Relatório
constatou aumento de 16% nos assassinatos em um ano
O ataque a tiros contra dez guaranis-caiouás
na Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, em Douradina (MS), no último sábado,
chamou a atenção do país mais uma vez para as ameaças à segurança dos
povos indígenas.
Ao menos três baleados estão internados. Segundo o Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), a violência teve início após a saída de agentes da Força
Nacional do local.
As agressões acontecem apesar das promessas
do governo. Depois de relegados a segundo plano na gestão passada, os indígenas
ganharam visibilidade. Até foi criado um ministério dedicado a eles. Mas só
criar ministérios não basta. Em 2023, segundo dados do Cimi, os assassinatos de
indígenas cresceram 15,5%, de 180 para 208.
As mortes se distribuíram principalmente
pelos estados de Roraima, Mato Grosso
do Sul, Amazonas, Maranhão e Rio Grande do Sul. O relatório do Cimi
também registra que, apesar do crescimento nos assassinatos, as agressões
contra indígenas recuaram levemente. O dado considera, além dos homicídios,
casos de abuso de poder, ameaças, lesões corporais, racismo, tentativa de
assassinato e violência sexual. De 2022 para 2023, as ocorrências caíram de 416
para 404. Em contraste, na comparação com o ano anterior, os suicídios de
indígenas aumentaram em 2023, mesmo entre os jovens de até 19 anos.
O estopim da violência contra indígenas
costuma ser o avanço sobre seus territórios por desmatadores em busca de
madeira, expansão de pastagens, extração de areia ou outros recursos minerais.
A mais ativa fronteira de avanço sobre terras indígenas é o garimpo ilegal. É o
que acontece no território ianomâmi, em Roraima e no Amazonas. Logo após a
posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, houve intensa mobilização para
afastar os garimpeiros da região. Passados alguns meses, eles voltaram. O
garimpo ilegal, em aliança com o crime organizado, também contamina rios e
peixes com mercúrio.
A reação do governo foi apenas citar ações
que executa. A Força Nacional, segundo o Ministério da Justiça, atua em terras
indígenas para “manter a ordem pública e garantir a segurança e integridade das
pessoas e do patrimônio”. Nas operações realizadas em 21 territórios indígenas,
diz ter apreendido quase 6 toneladas de metais preciosos, 300 animais, 4,3 mil
litros de combustível e R$ 1,1 milhão de origem ilícita. Garante estar hoje em
operação nos territórios ianomâmi, caripuna, arariboia, caiapó, mundurucu,
Trincheira- Bacajá e Uru-Eu-Wau-Wau.
Ainda assim, o Estado brasileiro continua em
dívida com os povos indígenas. É preciso fazer mais e melhor. A violência
parece ter se tornado corriqueira em diversas regiões do país. Já era tempo de
o poder público ter desenvolvido políticas para combatê-la. Na mediação de
conflitos de terra, como acontece em Mato Grosso do Sul, é preciso garantir
direitos aos indígenas e aos produtores rurais. Para além dos discursos, o
governo precisa reagir com medidas concretas e eficazes. O relatório do Cimi
não pode ficar esquecido nas prateleiras e gavetas da burocracia em Brasília.
Indústria e emprego animam previsões para o
PIB do ano
Valor Econômico
Os juros ainda estão altos e devem frear a economia. Mais importante do que nunca ter uma situação fiscal saudável que permita a queda dos juros
O desempenho recente da indústria em junho e
do emprego no trimestre encerrado neste mês deram novos sinais positivos que
impulsionam as previsões para o Produto Interno Bruto (PIB). A reação da
produção gaúcha foi mais rápida do que se esperava, e o mercado de trabalho
vive seu melhor momento em dez anos.
A produção industrial cresceu 4,1% em relação
a maio, segundo o IBGE. Foi o melhor resultado da série desde julho de 2020 e
mais do que compensou o declínio acumulado nos dois meses anteriores. Somente
em maio a produção industrial recuou 1,5% pelo dado revisado. Na comparação com
junho de 2023, a alta foi de 3,2%.
A indústria passou assim a acumular
crescimento de 2,6% neste ano. Com esses resultados, o setor industrial está
14,3% abaixo do nível recorde alcançado em maio de 2011 e 2,8% acima do patamar
pré-pandemia, em fevereiro de 2020; e ainda iguala-se ao nível de 15 anos
atrás, em maio de 2009.
Muito do bom desempenho de junho se deve à
retomada da produção no Rio Grande do Sul. Após o choque inicial causado pelas
enchentes, houve recuperação da produção de fumo, de químicos e na metalurgia,
que cresceram 19,8%, 6,5% e 5%, respectivamente. A produção de derivados de
petróleo e biocombustíveis também contribuiu, após a suspensão das paradas
técnicas em algumas das refinarias da Petrobras.
As quatro grandes categorias do setor
industrial - bens de capital, intermediários, com peso de 55% na indústria,
duráveis, semi e não duráveis - tiveram alta na atividade. Puxado pelos
automóveis, os bens de consumo duráveis ficaram na dianteira, com expansão de
4,4%.
A recuperação do mercado de trabalho, por seu
lado, ganhou mais fôlego. Segundo o Caged divulgado pelo Ministério do
Trabalho, o mercado registrou abertura líquida de 201.705 vagas com carteira
assinada em junho, disseminada pelos cinco setores da economia, mas em maior
quantidade em serviços e comércio.
Os números da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE também surpreenderam - a taxa de
desemprego caiu para 6,9% no segundo trimestre, 1 ponto abaixo dos 7,9% dos
primeiros três meses do ano, e pouco mais do que isso em comparação com os 8%
do mesmo período de 2023. É o menor patamar de desemprego em um segundo
trimestre desde 2014, quando também foi de 6,9%.
O número de trabalhadores ocupados cresceu
1,6% no trimestre, para 101,8 milhões de pessoas, novo recorde da série
histórica da pesquisa, iniciada em 2012. Também foram recorde a quantidade de
trabalhadores com carteira assinado no setor privado (38,4 milhões) e a de
informais (39,3 milhões). O crescimento dos formais, com melhor remuneração,
contribuiu para a expansão da massa de rendimento dos trabalhadores para o
patamar histórico de R$ 322,6 bilhões. Além disso, o Indicador Antecedente de
Emprego (IAEmp), calculado pelo FGV Ibre, subiu 2,2 pontos em julho, maior
nível desde setembro de 2022, sinalizando que o mercado de trabalho seguirá
aquecido, mesmo que com menor intensidade.
A combinação desses indicadores positivos
desencadeou uma onda de revisão de projeções para o PIB do segundo trimestre e
do ano todo. As estimativas para o segundo trimestre, que oscilavam de 0,2% a
0,5%, agora atingiram até 1% na análise do C6 Bank e da Pezco. Para o ano
fechado, o G5 Partners projeta 2,3% com viés de alta e o C6 Bank e o grupo
Laatus falam em 2,5%. O Boletim Focus desta semana aponta 2,2%. O mercado
aproxima-se assim dos números do governo - o Ministério da Fazenda projeta alta
de 2,5%, e o Banco Central (BC), de 2,3%.
As revisões otimistas para a economia também
foram captadas pelo Índice de Confiança Empresarial (ICE) calculado pelo FGV
Ibre, que subiu 1,3 ponto entre junho e julho, para 97,6 pontos, maior alta
desde novembro de 2023, e o melhor patamar desde setembro de 2022. O bom humor
está disseminado por comércio, serviços, construção e indústria. É notável a
boa fase da construção, animada com a retomada do programa Minha Casa Minha
Vida. Comércio e serviços retomam a confiança com a melhora do emprego e do rendimento
dos trabalhadores.
O horizonte não é todo azul e sem nuvens. A
escalada do dólar já se reflete no Índice de Preços ao Produtor (IPP) do IBGE,
que mede a inflação na “porta de fábrica”, sem impostos e fretes. O IPP subiu
1,28% em junho, em comparação com 0,36% em maio, a mais forte alta em dois
anos, e a maior taxa desde maio de 2022. A valorização do real eleva o custo de
insumos importados. Há também produtos cujos preços se alinham ao dólar por
conta da penetração no mercado internacional, como petróleo, minério de ferro e
óleo bruto de soja.
Além disso, o outro lado da moeda do aquecimento da atividade, aumento do emprego e da renda é tornar mais lenta a queda da inflação. O BC já interrompeu o processo de redução dos juros e a sinalização apontada no comunicado de sua última reunião indica inflação desancorada e pressão do dólar. Os juros ainda estão altos e devem frear a economia. Mais importante do que nunca ter uma situação fiscal saudável que permita a queda dos juros.
Polos ditam a avaliação de Lula e Bolsonaro
Folha de S. Paulo
Datafolha mostra popularidade do petista
estável, refletindo divisão do eleitorado observada desde o governo anterior
A mais recente pesquisa do Datafolha sobre
a popularidade de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
mostrou estabilidade, em um eleitorado dividido em três partes de dimensões
bastante parecidas.
Consideram o
governo do petista ótimo ou bom 35% dos brasileiros aptos a
votar; outros 33% o classificam como ruim ou péssimo; para 30%, é regular. São
números muito semelhantes aos do levantamento anterior, de junho, com alguma
piora na margem de erro —antes, detectaram-se aprovação de 36% e reprovação de
31%.
Causa espécie que os percentuais também sejam
similares aos obtidos por Jair
Bolsonaro (PL) à mesma altura de seu
mandato. Em agosto de 2020, o então presidente da República marcava 37% de
ótimo/bom, 34% de ruim/péssimo e 27% de regular.
É notável que esses índices tenham sido
registrados sob o impacto devastador da pandemia de Covid-19 sobre a saúde
pública e a atividade econômica, tratado à base de negacionismo por Bolsonaro.
À primeira vista, trata-se de uma comparação vexatória para Lula.
Cabe ponderar, entretanto, que naquele
período a popularidade presidencial havia sido inflada, ao que tudo indica,
pelo pagamento do auxílio
emergencial de R$ 600 mensais —uma medida tomada pelo
Congresso, mas que de todo modo favoreceu o Planalto.
Até ali, aquela era a melhor avaliação
atribuída pelos eleitores a Bolsonaro. Nos meses seguintes, de desastrosa
resposta à pandemia e ataques golpistas às instituições, a reprovação ao
mandatário subiria até um pico de 53% em setembro e dezembro de 2021.
Ao final do governo, contudo, o prestígio
estava recuperado, com 39% de ótimo/bom e 37% de ruim/péssimo, apontando uma
polarização da sociedade que também se reflete no escrutínio de Lula.
Desde o início do ano passado, as pesquisas
do Datafolha mostram variações pequenas, em geral na margem de erro ou próximas
dela, no julgamento do governo petista —melhoras e pioras da economia, declarações
polêmicas e tensões políticas surtiram efeito pequeno no
panorama.
É verdade que nesta administração não houve,
até agora, momentos agudos de crise nem de euforia. Mas parece razoável
imaginar que preferências arraigadas nos dois polos do eleitorado brasileiro
tendam a conter mudanças bruscas da popularidade presidencial, para cima ou
para baixo.
Não por acaso, tanto Lula como o inelegível
Bolsonaro priorizam manter a mobilização de seus apoiadores mais fiéis,
atiçando-os contra o campo oposto. No entanto a parcela que resta dos votantes,
deixada em segundo plano, pode ser mais uma vez decisiva na disputa.
Oropouche mais grave
Folha de S. Paulo
Vírus causa mortes inéditas com impulso de
mudança do clima e saneamento escasso
O avanço da febre
oropouche no país evidencia como políticas de longo prazo, que
articulem os setores de meio ambiente e
infraestrutura urbana, são fundamentais para a proteção da saúde pública.
Entre janeiro e 28 e julho deste ano, o Ministério da
Saúde registrou 7.286
casos da doença em 21 estados; foram confirmadas mortes de dois
adultos na Bahia e uma fetal em Pernambuco.
No sábado (3), a Organização Pan-Americana da
Saúde mudou a categorização de risco do fenômeno de
"moderado", no início do ano, para "alto", dadas
a alta na contaminação, a transmissão vertical (da gestante para o feto) e
mortes inéditas —até então, a literatura científica global não havia relatado
óbito por causa da moléstia.
A febre oporouche é causada pelo vírus Orov,
que é transmitido pelo mosquito Culicoides paraensis, conhecido como maruim. Em
ambientes urbanos, o comum pernilongo (Culex quinquefasciatus) também é vetor
da infecção.
O vírus é endêmico da região amazônica e
surtos são registrados no país desde os anos 1960. Segundo especialistas, o
avanço atual pode estar relacionado a inundações inauditas na amazônia entre
2020 e 2021, geradas pelo fenômeno La Niña —já que o clima úmido é propício
para o inseto.
Ademais, o desmatamento aliado à urbanização
acelerada gera alterações no ecossistema que expandem o raio de ação do inseto.
O precário saneamento básico
brasileiro, atrasado por
décadas de ineficiência estatal, também contribui para a reprodução
do vetor que, como a do mosquito da dengue,
se dá por meio de água parada.
Para piorar, uma nova cepa do Orov, que se replica até cem vezes mais do que o
vírus original, pode estar vinculada ao surto em curso.
No curto prazo, só resta preparar as redes
para atender os pacientes e criar campanhas de conscientização para evitar
contaminação.
À frente, contudo, caberá a todas as esferas de governo adotar ações estruturais para conter doenças infeciosas e aliviar a pressão sobre o sistema de saúde pública —que nos próximos anos já terá de enfrentar o desafio do envelhecimento populacional.
Quem é democrata não se junta a Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Ricardo Nunes prometeu defender o ‘legado
democrático’ de Bruno Covas. Mas ele precisa decidir se honra a memória do
antecessor ou se mantém o pacto com um golpista como Bolsonaro
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB),
deve fazer uma escolha crucial em nome da sinceridade de seu posicionamento
político: ou bem ele se apresenta aos paulistanos como defensor do “legado
democrático” do ex-prefeito Bruno Covas (PSDB) ou ele se associa ao
ex-presidente Jair Bolsonaro. É impossível defender a democracia em cima de um
palanque ao lado de um golpista como Bolsonaro – como Nunes fez na convenção de
seu partido, no sábado passado.
Talvez por saber que Bolsonaro seja um fardo
pesado demais para ser carregado, Nunes fez questão de enfatizar que sua
eventual reeleição representará a “continuidade do legado democrático” de Bruno
Covas, falecido em 2021. Mas, ora, não se pode ajoelhar sob o altar da
democracia ao mesmo tempo que, em troca de votos, se faz um pacto com um
sujeito como Bolsonaro, o mais perigoso inimigo do Estado Democrático de
Direito que este país já enfrentou – e venceu – nos últimos 40 anos.
Para fazer justiça a Nunes, deve-se registrar
que não há nódoa na trajetória política do prefeito que o impeça de figurar no
rol dos verdadeiros democratas. Isso leva à conclusão de que sua aliança com
Bolsonaro visa, como é óbvio, à conquista dos votos dos bolsonaristas na
capital paulista, que não são poucos. Porém, a conveniência circunstancial do
prefeito não deveria se sobrepor à coerência de sua própria história nem muito
menos à memória de Bruno Covas e à de seu avô, o ex-governador Mário Covas –
que nem estão mais aqui para se defender dessa exploração política baixa.
Recorde-se que, em 27 de janeiro de 2020, em
entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o então prefeito Bruno
Covas foi taxativo ao se dissociar da “visão de mundo” do então presidente Jair
Bolsonaro. Ademais, Bruno foi claríssimo ao expor a razão pela qual não havia
votado em Bolsonaro nas eleições de 2018. “Eu não posso votar em alguém que diz
que não houve ditadura quando eu tive um avô que foi preso e cassado pela
ditadura militar”, disse Bruno na ocasião.
Passados mais de quatro anos daquela
entrevista, na qual Bruno Covas não poderia ter sido mais explícito sobre o que
pensava de Bolsonaro, fica claro que o falecido prefeito provavelmente não
subiria num palanque com o ex-presidente. Além de ser a antítese da democracia,
Bolsonaro, um negacionista militante, desrespeitou Bruno Covas por ter
conduzido São Paulo com coragem e disciplina na pandemia de covid-19 – e o fez
quando Covas já estava morto, o que é a epítome da perversidade bolsonarista.
A família Covas tem uma história
irrepreensível de defesa da democracia no Brasil. Sob nenhuma justificativa
honesta, o sobrenome Covas pode figurar ao lado de representantes do que há de
mais reacionário e antidemocrático no País. Mário Covas, convém lembrar, não só
enfrentou a ditadura, como foi determinante para que o regime das liberdades se
firmasse diante dos ataques dos irresignados com a reabertura, como Bolsonaro.
Para citar só um exemplo da firmeza das
convicções democráticas de Mário Covas, o tucano não hesitou em apoiar a
petista Marta Suplicy quando esta disputou o segundo turno da Prefeitura da
capital paulista, em 2000, contra Paulo Maluf, uma espécie de Bolsonaro que
sabia ler e escrever. Covas, um político íntegro como hoje quase não há, sabia
bem qual dos dois candidatos representava o atraso, a desonestidade e o
autoritarismo. “Maluf, nem pensar”, declarou Covas, que obviamente não morria
de amores pelo PT – ao contrário, sabia perfeitamente que o partido de Marta
fazia de tudo para sabotar os esforços reformistas dos tucanos. Mas o
ex-governador sabia também que era preciso, em primeiro lugar, proteger São
Paulo do malufismo, assim como hoje é imperativo impedir que o bolsonarismo
crave suas garras na maior cidade do País.
Por tudo isso, não é possível reivindicar a
liderança de uma tal “frente ampla” pela democracia contra Guilherme Boulos
(PSOL), como fez Nunes no palanque, quando se tem Bolsonaro, que efetivamente
atentou contra a democracia, como principal padrinho de sua candidatura.
Ademais, a reprodução dessa disputa ideológica nacional no âmbito municipal só
presta para desviar as atenções dos reais problemas da metrópole, sobre os
quais Ricardo Nunes, a propósito, deve prestar contas como prefeito.
Oportunismo escancarado
O Estado de S. Paulo
Mal se elegeu deputada por SP, Rosangela Moro
torna a transferir título para Curitiba para se candidatar a vice-prefeita,
caso que ilustra o esvaziamento da representação eleitoral
Não faz nem dois anos que a advogada
paranaense Rosangela Moro (União Brasil) transferiu seu domicílio eleitoral
para São Paulo a fim de concorrer a uma vaga como deputada federal. Sem jamais
ter morado no Estado, apresentou-se como apta a representar os interesses dos
paulistas no Congresso. Por alguma razão insondável – talvez o sobrenome do
marido, o ex-juiz Sérgio Moro, sempre lembrado por sua atuação na Lava Jato, a
tenha ajudado mais do que suas desconhecidas propostas eleitorais –, a sra.
Moro foi eleita, e com expressivos duzentos e tantos mil votos. Eis que agora,
no entanto, São Paulo já não interessa mais à deputada: ela tornou a transferir
o domicílio eleitoral para o seu Paraná natal, onde, conforme acaba de
anunciar, pretende concorrer como vice na chapa à prefeitura de Curitiba
encabeçada pelo deputado estadual Ney Leprevost (União Brasil).
Logo que assumiu a nova candidatura, a sra.
Moro deixou claro que São Paulo foi apenas um acidente insignificante em sua
vida. “Pela primeira vez, Curitiba tem uma chapa de pré-candidatos com uma
legítima representante da ‘República de Curitiba’”, declarou a orgulhosa
curitibana, fazendo referência à turma da Lava Jato liderada por seu marido e
claramente mais à vontade do que quando se viu forçada a comer pastel de feira
para parecer paulistana.
Se São Paulo é irrelevante para a sra. Moro,
a sra. Moro, por razões evidentes, é irrelevante para São Paulo, mas seu caso
ajuda muito a ilustrar como um péssimo hábito da política está se tornando cada
vez mais arraigado: a mudança de domicílio eleitoral exclusivamente para buscar
melhores chances de vencer uma eleição.
A sra. Moro certamente não será a última
pessoa a mudar de domicílio eleitoral conforme conveniências que nada têm a ver
com os interesses dos eleitores. Recentemente, é bom lembrar, o carioca
Tarcísio de Freitas mudou seu domicílio eleitoral para São José dos Campos,
onde nunca viveu, a fim de disputar o governo paulista por ordem de seu
padrinho, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Agora, Tarcísio mudou de novo de
domicílio eleitoral, para a capital, com o objetivo de votar no prefeito
Ricardo Nunes, a quem apoia.
Até pouco tempo atrás, o mais célebre símbolo
desse nomadismo eleitoral era o maranhense José Sarney, que depois de deixar a
Presidência da República em 1990, rejeitado pela maioria dos brasileiros, teve
que se candidatar ao Senado pelo Amapá, e não pelo Maranhão, seu feudo
político. Apesar de poucas vezes ter sido visto no Amapá, seja antes ou depois
das eleições de que participou, Sarney foi eleito três vezes.
Desde então, registram-se outras dezenas de
casos, de Damares Alves a Eduardo Bolsonaro, de Marina Silva a Eduardo Cunha.
Está claro que o domicílio eleitoral está se tornando uma mera formalidade. Não
deveria ser.
A legislação é flexível no que diz respeito
ao domicílio eleitoral. De fato, não há necessidade de morar em determinado
lugar para estabelecer esse domicílio. Basta ter algum vínculo profissional,
familiar, patrimonial ou político com a cidade para a qual o candidato queira
transferir seu título. No entanto, quando se pretende representar os interesses
dos eleitores no Congresso Nacional, é conveniente conhecer os dramas e as
aspirações desses eleitores. Do mesmo modo, quando se pretende administrar uma
cidade ou um Estado, deveria ser obrigatório conhecer os problemas com os quais
o candidato terá que lidar, seja ao apresentar propostas na campanha, seja
quando tiver que governar, caso vença a eleição.
Nada disso parece ser levado em conta nos
cálculos dos partidos e dos candidatos quando se montam estratégias de campanha
que incluem mudança de domicílio eleitoral. Não se oferece mais uma genuína
representação local, e sim um discurso ideológico vazio, que drena as energias
políticas do País e nada tem a ver com problemas reais. Os candidatos não
precisam mais nem comer pastel para fingir que são paulistanos; basta que sejam
notórios, truculentos ou excêntricos o bastante para angariar votos de quem perdeu
a fé na política.
O pulo do gato
O Estado de S. Paulo
Eletrobras quer repassar Eletronuclear em
troca de vagas no Conselho para o governo
A obstinação do governo Lula da Silva de
elevar seu poder de decisão na Eletrobras renderá à companhia, privatizada há
dois anos, a chance de se desvencilhar de um ativo incômodo: a participação de
35% na Eletronuclear. Em troca do aumento de um para três assentos da União em
seu Conselho de Administração, a Eletrobras negocia entregar sua parte na
Eletronuclear, que voltaria a ser 100% estatal, recebendo como pagamento uma
pequena parcela (em torno de 3%) dos 43% que a União manteve em seu capital
depois da privatização.
Acaba sendo para a Eletrobras um bom negócio,
que somente o interesse político do governo sobre a empresa pode justificar. A
queda de braço para retomar o poder estatal na companhia – que historicamente
serviu de central para o loteamento de cargos entre partidos políticos – se
arrasta desde a posse de Lula e em maio do ano passado passou à esfera do
Supremo Tribunal Federal (STF), numa ação impetrada pela Advocacia-Geral da
União (AGU).
Astutamente, o governo não questionava a
privatização, mas a fixação do limite de voto de qualquer acionista a 10%,
independentemente de sua proporção no capital, um dos pilares que garantiram o
interesse privado na companhia. Trata-se de um mecanismo comum no mercado para
garantir a governança de companhias com capital pulverizado e sem controlador,
que passou a ser o caso da Eletrobras. Ocorre que o governo reivindicava na
Justiça o direito à indicação de conselheiros em número proporcional à sua participação
societária remanescente.
Ao que tudo indica, o acordo deve ser fechado
com a composição do Conselho de Administração – instância onde são tomadas as
decisões estratégicas da empresa – aumentando de 9 para 10 membros. Ou, seja,
mesmo com três indicados, matematicamente o poder do governo nas decisões não
chegará a um terço. Sem dúvida será uma participação forte, mas não o
suficiente para empurrar de pronto a Eletrobras ao papel de financiadora dos
projetos lulopetistas, como parece ser a intenção do governo.
De outro lado, passando adiante a
problemática e endividada Eletronuclear, a Eletrobras se livra de vez de um
fator que contribui para travar a valorização de suas ações. A companhia,
responsável pela administração das usinas nucleares de Angra dos Reis, foi
retirada do processo de capitalização justamente por isso e também pela questão
de segurança nacional embutida no segmento de energia nuclear. Angra 1, em
período de renovação de concessão, precisa de investimentos estimados em R$ 3
bilhões. Já a inconclusa Angra 3 precisa de mais de R$ 20 bilhões para terminar
a obra.
De acordo com reportagem do Estadão, na negociação o governo tenta ainda antecipar parte dos R$ 32 bilhões da outorga que a Eletrobras deveria pagar em 25 anos. Quer antecipar R$ 20 bilhões até 2026, quando termina o mandato de Lula, para abater a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e baratear as contas de luz. Decerto um paliativo temporário, já que a CDE, que banca subsídios do governo, tem orçamento anual que já passa de R$ 37 bilhões. A obsessão do governo com a Eletrobras está com jeito de tiro no pé.
Transplante é ato de solidariedade
Correio Braziliense
O Brasil ocupa a segunda posição no mundo em
número de transplantes, atrás dos Estados Unidos. No ano passado, no DF, foram
realizados 839 procedimentos, e nos primeiros seis meses deste ano, 456
A finitude da vida é inevitável. Condições
sociais, econômicas, raça, cor e poder não blindam ninguém da morte. Ela chega
para todos, desde o mais pobre até o mais rico. Mas os avanços da ciência e da
medicina permitem, por meio do transplante de órgãos, recuperar a saúde dos que
sofrem com a falência de algum deles, cuja função é indispensável para
continuarem vivos.
Hoje, o Brasil ocupa a segunda posição no
mundo em número de transplantes, atrás dos Estados Unidos. Um bom exemplo vem
do Distrito Federal, onde cresce o número de transplantes, permitindo alongar o
tempo de vida das pessoas que necessitam dessa intervenção para recuperar a
saúde. Nacionalmente, a capital da República ocupa o segundo lugar em número de
transplante renal, de medula e córnea, e o primeiro em coração e fígado.
No ano passado, na capital da República,
foram realizados 839 procedimentos e, nos primeiros seis meses deste ano, 456.
Mantido o atual ritmo, a expectativa é de um recorde de transplantes no
Distrito Federal. Minas Gerais, nos primeiros nove meses do ano passado, por
meio do Sistema Único de Saúde (SUS), realizou 1.435 transplantes, sendo
557 de rim, 138 de fígado, 60 de coração, 11 de pâncreas e rim, seis de
pâncreas, e 663 de córnea. São Paulo foi o estado que mais fez
transplantes de órgãos — 7,2 mil —, o que representou um aumento de 7% na
comparação com 2022, e o maior número dos últimos seis anos.
De acordo com a Associação Brasileira de
Transplantes de Órgãos (ABTO), em 2023 foi extraordinário, com taxas de doação
e transplante superiores aos de anos anteriores. O relatório da instituição
mostrou que foram recorde as taxas de doadores e transplantes de fígado,
coração, córneas e células hepáticas. Desde o fim da pandemia de covid-19,
2023, a taxa de procedimentos de córneas (78,8 em cada 1 milhão) foi a melhor
do que as registradas em anos anteriores.
Para o Ministério da Saúde, o resultado do
ano passado foi o melhor da última década, com 29.261 transplantes.
Porém, no primeiro semestre deste ano, ocorreu uma queda nas doações (4%) e nos
procedimentos cirúrgicos, o que frustrou a expectativa de alcançar
taxas superiores às do ano anterior.
No próximo mês, o Ministério da Saúde deverá lançar mais uma edição da campanha Setembro Verde, criada pela Lei nº 15.463/2014, a fim de conscientizar a população sobre a importância da doação de órgãos, cujo dia nacional é 27 de setembro. Por mais incongruente que pareça, tanto na vida quanto na morte, é possível adiar o encontro de um de um igual com a morte. Basta um gesto honroso de solidariedade com os que sofrem devido ao colapso da função de um elemento do seu corpo. É também uma forma de manter o elo de afeto com o ente querido que se foi, mas que permanecerá vivo não só na saudade e na lembrança, mas por ter salvo uma vida, ainda que a tenha perdido.
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