quarta-feira, 25 de junho de 2025

Baixo compromisso com o centro da meta - Nilson Teixeira

Valor Econômico

A sinalização dada pelo Copom de interrupção do ciclo de alta da Selic é prematura, pois diversos fatores ainda justificariam a manutenção do aperto monetário

O Copom elevou a taxa Selic em 25 pontos-base para 15% na sua reunião de 18 de junho, seu maior valor desde meados de 2006. Mesmo sendo contrária à expectativa da maioria dos participantes de mercado, a decisão foi acertada. O comunicado e a ata sinalizaram, porém, a provável interrupção do aperto monetário em julho, mantendo os juros estáveis por “período bastante prolongado” para avaliar se o nível atual assegura a convergência da inflação à meta.

Essa previsão de interrupção é prematura, pois diversos fatores ainda justificariam a manutenção do aperto monetário:

Continuação incerta da desinflação: a permanência da taxa Selic em 15% em julho exigiria maior confiança em uma trajetória sustentada de recuo da inflação e de seus núcleos para 3% dentro do horizonte relevante da política monetária. No entanto, o declínio recente, influenciado pela apreciação cambial e pela menor variação dos preços de alimentos e de bens industrializados, ainda não foi capaz de elevar a probabilidade de convergência da inflação no médio prazo para o centro da meta.

Efeito limitado da apreciação cambial na inflação de longo prazo: embora com trajetória oposta à usual em momentos de aversão ao risco, a apreciação cambial tem contribuído para o recuo da inflação. O impacto desse movimento, porém, será concentrado nos próximos 12 meses, com a inflação para prazos maiores sendo mais influenciada pelo subsequente efeito inercial. Ademais, essa dinâmica tende a ser mitigada pela baixa expansão da produtividade e pela expectativa de cortes de juros mais agressivos em resposta à apreciação do real.

Expectativas desancoradas: as projeções de inflação IPCA permanecem acima do centro da meta há anos, com média de 5,8% nesta década (5% excluindo 2021). A interrupção do aperto monetário antes de se ter maior convicção sobre a convergência das projeções de inflação para prazos mais longos é, portanto, excessivamente arriscada.

Demanda ainda resiliente: a ata da reunião de junho reconhece corretamente que, por conta das suas defasagens, grande parte dos efeitos do aperto monetário está por vir. Assim, a taxa Selic a 15% e os juros reais elevados tendem a contribuir para a desaceleração da atividade. Como a defasagem e a magnitude desse efeito são variáveis e desconhecidas e os indicadores de atividade seguem relativamente robustos, é baixa a convicção sobre a continuidade da desaceleração e a deterioração das condições do mercado de trabalho para sustentar uma desinflação prolongada - fragilizando a perspectiva de recuo das expectativas para prazos mais longos.

Maior risco fiscal com as eleições: em um ambiente polarizado, a campanha presidencial pode ampliar os gastos públicos em 2026, agregando pressões inflacionárias. Ademais, cresceu o risco de crise fiscal já em 2027 devido à possível falta de recursos para o funcionamento da máquina pública.

Cenário global conturbado pressiona a inflação: o ambiente internacional, marcado por embates comerciais e conflitos geopolíticos, dificulta qualquer projeção sobre a taxa de câmbio e os preços de commodities, em particular o petróleo.

Dominância fiscal distante: apesar da menor potência da política monetária e da descoordenação entre a política monetária contracionista e a fiscal expansionista, não há evidências de dominância fiscal. A alta da taxa Selic continua eficaz, apesar de ser requerido um aperto monetário maior do que com políticas alinhadas.

A sinalização de pausa do aperto monetário em julho lembra a decisão - que se provou equivocada - de iniciar o ciclo de corte de juros em agosto de 2023. Naquele momento, as condições eram mais favoráveis, com a inflação e as expectativas menos distantes do centro da meta, em um ambiente de menor incerteza na área fiscal e no cenário global.

Sinalização de pausa do aperto monetário lembra a decisão equivocada de iniciar o ciclo de corte de juros em agosto de 2023

Apesar de a diminuição da taxa Selic de 13,75% para 10,5% em maio de 2024 ter sido acompanhada de uma melhoria na dinâmica inflacionária, as projeções de inflação de curto e médio prazos voltaram a aumentar imediatamente após o fim do ciclo. A resiliência da atividade, o aumento da inflação corrente e a maior desancoragem das expectativas de inflação para todos os prazos atestaram o erro na condução monetária, exigindo sua reversão em setembro de 2024.

Decorridos nove meses desde o início desse aperto, com alta da taxa Selic de 10,5% para 15%, os riscos fiscais são maiores, a inflação corrente é mais alta e as projeções para todos os prazos estão menos ancoradas, com números de 2027 a 2029 variando entre 3,5% e 4%.

Uma alternativa à preferível continuidade do aperto monetário seria a manutenção dos juros em 15% em conjunto com um “forward guidance” mais claro sobre a estabilidade dos juros. O Copom optou por essa estratégia, mas a comunicação não foi explícita o suficiente. A expressão “período bastante prolongado” não transmite a ideia de horizonte realmente longo, uma vez que, em 2022, os juros foram reduzidos oito reuniões após a inclusão de sinalização similar.

A autoridade monetária precisaria ter vinculado o início do ciclo de corte de juros a condições mais claras, como o recuo da inflação para, digamos, 3,5%, uma forte confiança na convergência das expectativas para o centro da meta em prazo curto, ou, então, o aumento significativo da taxa de desemprego. A inclusão da frase de que o Copom não hesitaria em “prosseguir no ciclo de ajuste caso julgue apropriado” também é pouco convincente, pois não explicita critérios para a retomada do aperto monetário.

Em suma, a interrupção do aumento da taxa de juros não é compatível com o compromisso de buscar o centro da meta de inflação. Os participantes de mercado reconhecem isso ao projetarem início de um ciclo de afrouxamento monetário até o 2º trimestre de 2026, mesmo sem que seja assegurado o cumprimento do centro da meta. A sociedade parece entender que a busca de uma inflação de 3%, mesmo que no médio prazo, não é objetivo do Banco Central, confirmando a avaliação de descompromisso da instituição com o centro da meta.

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