quarta-feira, 25 de junho de 2025

O STF e a questão existencial do Congresso - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Debate sobre impositividade das emendas ao Orçamento é uma discussão sobre quem dá as cartas na capital federal

Está marcada para a próxima sexta-feira, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma audiência pública sobre um tema que está na raiz mais profunda do mau humor do Congresso Nacional em relação ao Executivo: se a impositividade das emendas ao Orçamento está ou não de acordo com a Constituição.

Sob um ângulo específico, é uma discussão sobre quem dá as cartas na capital federal.

Até 2015, deputados e senadores tinham uma cota na casa dos R$ 5 milhões para propor emendas individuais ao Orçamento. Eles conseguiam, dessa forma, direcionar recursos federais para obras e serviços que consideravam importantes para suas bases eleitorais.

Se essas obras ou serviços seriam executados, era outra conversa. Dependeria da disponibilidade do caixa, das prioridades de cada ministério, da chamada vontade política. Daí porque se tornou frequente parlamentares dizerem, na virada do século, que o Orçamento era uma peça de ficção. Porque a emenda estava lá, mas aquilo não queria dizer muita coisa em termos de realização. Podia nunca sair do papel.

Daí decorreu que a execução das emendas se tornou uma moeda de troca na relação do Planalto com o Congresso Nacional. Era uma ferramenta importante do presidencialismo de coalizão.

“Todos os governos utilizavam-se desse instrumento para conseguir passar sua agenda”, descreveu à coluna um técnico que atua no Executivo. “Isso se chama fazer política.”

Para especialistas como o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, porém, aquela era uma situação que atentava contra o direito do parlamentar de opinar sobre a destinação dos recursos públicos. Na sua visão, o Orçamento deveria ser 100% executado - o que não ocorria.

Essa situação perdurou até 2015 quando, num momento de fragilidade do governo da então presidente Dilma Rousseff, o Congresso modificou a Constituição para tornar impositivas (obrigatórias) as emendas individuais. O processo avançou nos anos seguintes para as emendas de bancada, depois para o aumento dos valores envolvidos. Hoje, cada deputado tem uma cota de R$ 40 milhões, e os senadores, R$ 60 milhões.

Como parte das emendas é obrigatoriamente executada, o Poder Executivo viu enfraquecido um importante instrumento de pressão sobre o Congresso. O equilíbrio de forças na Praça dos Três Poderes mudou desde então.

A discussão no Supremo pode mudar o jogo novamente em direção ao antigo presidencialismo de coalizão, comentou o técnico. Daí a tensão que tomou conta do Legislativo e deu combustível à série de derrotas que deputados e senadores impuseram ao governo na semana passada. “Essa questão de fundo é quase existencial para o Congresso hoje”, comentou o técnico. “Eles estão muito incomodados com essa questão, extremamente incomodados.”

A audiência pública no STF dará subsídios para três ações: duas que discutem as transferências especiais, conhecidas como “emendas Pix” e outra sobre a impositividade das emendas.

Um ponto levantado pelo ministro Flávio Dino, relator das ações, é se a impositividade é compatível com a cláusula pétrea da separação entre Poderes. A esse respeito, o Congresso Nacional argumenta, em uma petição, que não existe afronta, “na medida em que não cabe exclusivamente ao Poder Executivo influir nas matérias de natureza orçamentária”. Ao Legislativo, acrescenta, cabe deliberar sobre leis orçamentárias, inclusive apresentando emendas.

“Não se trata de criticar para destruir; é para firmar o conjunto dos três Poderes”, disse Dino em evento promovido no início do mês pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). As emendas, acrescentou, são importantes “porque o Brasil é grande” e “permitem uma certa descentralização”.

No entanto, frisou, é preciso que se saiba coisas básicas, como a origem e o destino das emendas. E o uso do dinheiro tem de ser rastreável. Nesses pontos, disse, foi possível avançar onde “não havia regulação nenhuma”.

Remanesce o problema da arquitetura no Estado brasileiro na repartição de competências, disse. “Na hora que as emendas crescem e viram impositivas, deslocam recursos da esfera federal para as municipais”, disse. No entanto, a Constituição estabelece competências específicas para União, Estados e municípios. Prefeituras não investem em portos ou BRs, exemplificou.

Há ainda uma discussão sobre se esse é o melhor uso do dinheiro. O governo federal tem R$ 200 bilhões para seus gastos discricionários, dos quais 25% são para emendas. “Significa dizer que R$ 50 bilhões por ano que poderiam ir para grandes obras estão sendo pulverizados em pequenas obras”, comentou o ministro.

Na audiência, será debatida a economicidade das emendas. E também formas de reduzi-las, à luz da experiência internacional.

O debate sobre emendas vai muito além de definir quem manda no Orçamento. Tem a ver com o desenho da federação, o equilíbrio entre Poderes e a qualidade do gasto público. É tarefa para a política com “p” maiúsculo.

 

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