Valor Econômico
Debate sobre impositividade das emendas ao
Orçamento é uma discussão sobre quem dá as cartas na capital federal
Está marcada para a próxima sexta-feira, no
Supremo Tribunal Federal (STF), uma audiência pública sobre um tema que está na
raiz mais profunda do mau humor do Congresso Nacional em relação ao Executivo:
se a impositividade das emendas ao Orçamento está ou não de acordo com a
Constituição.
Sob um ângulo específico, é uma discussão
sobre quem dá as cartas na capital federal.
Até 2015, deputados e senadores tinham uma
cota na casa dos R$ 5 milhões para propor emendas individuais ao Orçamento.
Eles conseguiam, dessa forma, direcionar recursos federais para obras e
serviços que consideravam importantes para suas bases eleitorais.
Se essas obras ou serviços seriam executados, era outra conversa. Dependeria da disponibilidade do caixa, das prioridades de cada ministério, da chamada vontade política. Daí porque se tornou frequente parlamentares dizerem, na virada do século, que o Orçamento era uma peça de ficção. Porque a emenda estava lá, mas aquilo não queria dizer muita coisa em termos de realização. Podia nunca sair do papel.
Daí decorreu que a execução das emendas se
tornou uma moeda de troca na relação do Planalto com o Congresso Nacional. Era
uma ferramenta importante do presidencialismo de coalizão.
“Todos os governos utilizavam-se desse
instrumento para conseguir passar sua agenda”, descreveu à coluna um técnico
que atua no Executivo. “Isso se chama fazer política.”
Para especialistas como o ex-ministro da
Fazenda Mailson da Nóbrega, porém, aquela era uma situação que atentava contra
o direito do parlamentar de opinar sobre a destinação dos recursos públicos. Na
sua visão, o Orçamento deveria ser 100% executado - o que não ocorria.
Essa situação perdurou até 2015 quando, num
momento de fragilidade do governo da então presidente Dilma Rousseff, o
Congresso modificou a Constituição para tornar impositivas (obrigatórias) as
emendas individuais. O processo avançou nos anos seguintes para as emendas de
bancada, depois para o aumento dos valores envolvidos. Hoje, cada deputado tem
uma cota de R$ 40 milhões, e os senadores, R$ 60 milhões.
Como parte das emendas é obrigatoriamente
executada, o Poder Executivo viu enfraquecido um importante instrumento de
pressão sobre o Congresso. O equilíbrio de forças na Praça dos Três Poderes
mudou desde então.
A discussão no Supremo pode mudar o jogo
novamente em direção ao antigo presidencialismo de coalizão, comentou o
técnico. Daí a tensão que tomou conta do Legislativo e deu combustível à série
de derrotas que deputados e senadores impuseram ao governo na semana passada.
“Essa questão de fundo é quase existencial para o Congresso hoje”, comentou o
técnico. “Eles estão muito incomodados com essa questão, extremamente
incomodados.”
A audiência pública no STF dará subsídios
para três ações: duas que discutem as transferências especiais, conhecidas como
“emendas Pix” e outra sobre a impositividade das emendas.
Um ponto levantado pelo ministro Flávio Dino,
relator das ações, é se a impositividade é compatível com a cláusula pétrea da
separação entre Poderes. A esse respeito, o Congresso Nacional argumenta, em
uma petição, que não existe afronta, “na medida em que não cabe exclusivamente
ao Poder Executivo influir nas matérias de natureza orçamentária”. Ao
Legislativo, acrescenta, cabe deliberar sobre leis orçamentárias, inclusive
apresentando emendas.
“Não se trata de criticar para destruir; é
para firmar o conjunto dos três Poderes”, disse Dino em evento promovido no
início do mês pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base
(Abdib). As emendas, acrescentou, são importantes “porque o Brasil é grande” e
“permitem uma certa descentralização”.
No entanto, frisou, é preciso que se saiba
coisas básicas, como a origem e o destino das emendas. E o uso do dinheiro tem
de ser rastreável. Nesses pontos, disse, foi possível avançar onde “não havia
regulação nenhuma”.
Remanesce o problema da arquitetura no Estado
brasileiro na repartição de competências, disse. “Na hora que as emendas
crescem e viram impositivas, deslocam recursos da esfera federal para as
municipais”, disse. No entanto, a Constituição estabelece competências
específicas para União, Estados e municípios. Prefeituras não investem em
portos ou BRs, exemplificou.
Há ainda uma discussão sobre se esse é o
melhor uso do dinheiro. O governo federal tem R$ 200 bilhões para seus gastos
discricionários, dos quais 25% são para emendas. “Significa dizer que R$ 50
bilhões por ano que poderiam ir para grandes obras estão sendo pulverizados em
pequenas obras”, comentou o ministro.
Na audiência, será debatida a economicidade
das emendas. E também formas de reduzi-las, à luz da experiência internacional.
O debate sobre emendas vai muito além de
definir quem manda no Orçamento. Tem a ver com o desenho da federação, o
equilíbrio entre Poderes e a qualidade do gasto público. É tarefa para a
política com “p” maiúsculo.
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