Folha de S. Paulo
Vance, vice-presidente dos EUA, diz que se
forma uma diretriz trumpista de política externa
O vice-presidente dos EUA, J.D. Vance,
tuitou que vai sendo criada uma "Doutrina Trump". O bombardeio do Irã
seria um exemplo prático dessa diretriz.
"Estamos vendo o desenvolvimento de uma
doutrina de política externa que vai mudar o país (e o mundo) para melhor: 1)
defina claramente o interesse americano; 2) negocie de modo agressivo para
garantir o seu interesse; 3) use força esmagadora quando necessário".
O fato de Trump ser ególatra, ignorante e
"transacional" (negocista, no caso) tanto determina quando dificulta
o entendimento das ações de seu governo, que não brotam apenas dos seus
sentimentos de autopreservação e do que seria o interesse americano
Trump também é levado por correntes ideológicas ou de ideias acadêmicas e da burocracia estatal. Pelo interesse econômico grosso ou pela reação da elite econômica (vide o recuo nas "tarifas"). Pela política que lidera e o impulsiona, o MAGA e os Republicanos
Vance tenta vender politicamente o bombardeio
ordenado por Trump, para o povo em geral e para coordenar a elite trumpista. É,
pois, um indício de como, aos trancos e barrancos, se inventa uma doutrina.
Trump não é adepto de "mudanças de
regime" (de outros países). Acha que investimentos de esforço e dinheiro
em políticas de longo prazo ou em "soft power" são desperdício,
perdas dos EUA, o que fica evidente no desmonte de agências de assistência, no
abandono de acordos internacionais, ambientais, comerciais ou militares.
Para o bem ou para o mal, não quer promover o
que, na visão americana, seriam direitos humanos, democracia, economia liberal.
Tem apreço por direitistas e autocratas, mas não é "neocon" como a
turma dos Bush.
Ainda há muito falcão intervencionista entre
os republicanos, mas a base popular MAGA e seus líderes maiores são contrários
ao envolvimento em guerras, embora tolerem demonstração bruta e pontual de
força —é o que Vance está dizendo. No mais, cada um por si e os EUA acima de
tudo. O novo armamentismo e a formação de novos blocos geopolíticos e
geoeconômicos são também efeito dessa "doutrina" embrionária.
"Doutrina" é a forma que tomaram
diretrizes de como os EUA vão empregar sua força a fim assegurar seus
interesses —e quais interesses.
Conversa diplomática, tratados, ameaças,
organização e tamanho da força militar, intervenções e guerras, um pouco mais
ou um pouco menos de cada um desses elementos, acabam por organizar essa
mensagem, a "doutrina". Seu núcleo é uma ameaça organizada de uso da
força.
Pelo menos desde 1823, vários governos
acabaram por inventar doutrinas a fim de formatar ideias e expectativas de
aliados, adversários e inimigos; de orientar militares, alta burocracia e o
público. A "doutrina" não é arrumadinha como um programa de governo
ou um tratado de relações internacionais. Não raro, depende de acidentes e
improvisos, organizados depois dos fatos.
Nas reviravoltas e nos atropelos do
pós-Segunda Guerra, foi pensada por gente bem-preparada e desenvolvida de modo
mais inteligente nas três décadas seguintes, começando pela Doutrina Truman.
Foi uma reação fuleira e de interesses grosseiros, pelo imediatismo, com George
Bush, filho, que usou o 11 de Setembro de 2001 para destampar uma onda de
intervenções, guerras e ocupações que renovaram a desordem bárbara no Oriente Médio,
que persiste até agora.
Convém pensar bem no que vai ser a
"doutrina Trump".
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