Se os líderes das nações europeias errarem, o mundo pode mergulhar em nova recessão econômica
Isolado do dia a dia dos mercados por um retiro voluntário na velha Londres, trago ao leitor da Folha algumas reflexões sobre o que tenho lido sobre a crise da Europa unida. Longe da internet e da sala de operações da Quest em São Paulo, o mundo parece outro.
Leio os principais jornais europeus sabendo que estou 24 horas atrás do fuso horário do mercado financeiro. Mas essa sensação de estar atrás dos acontecimentos me faz voltar a um mundo mais reflexivo de uma década atrás e no qual os acontecimentos estão sempre ligados pelo tempo mais lento da história. E ler nos jornais de papel as reflexões de analistas mais sóbrios do que os que frequentam os sites do mundo eletrônico me fez entender as causas mais profundas dos problemas que os líderes políticos da Europa terão de enfrentar nos próximos meses.
Para muitos desses analistas, os problemas de hoje derivam de uma leitura romântica e demasiadamente racional das sociedades que formam a comunidade europeia de hoje, reunidas pela utopia de um só espaço político e econômico.
A ideia dessa união surgiu quando as cinzas da destruição criada pela Segunda Guerra ainda estavam presentes e o desejo de não mais viver essas experiências dominavam os povos da Europa.
Foram os políticos marcados por essas duas guerras devastadoras que lideraram os primeiros movimentos na direção da integração econômica e que seria seguida mais adiante pela política.
Mas as primeiras décadas do sonho europeu de uma só sociedade foram marcadas, de forma pragmática, por movimentos contínuos, mas cuidadosos em relação à integração da economia.
A questão política ficou restrita, por muito tempo, apenas na criação de um governo europeu -Executivo e Legislativo- sem poder real e restrito à pequena Bruxelas.
Todos sabiam que as decisões mais importantes continuavam nas mãos de líderes nacionais, eleitos em seus respectivos países por franceses, alemães, italianos e outros.
Nos 40 anos que separaram a criação da chamada comunidade do aço da Europa -primeiro passo na integração econômica- da queda do Muro de Berlim, muitos políticos sentiram que a ideia de uma só Europa perdia força.
As guerras vividas no século anterior eram, cada vez mais, coisas dos velhos e do passado, com o dia a dia de cada país marcado pelo espírito nacional de cada nação e, principalmente, pelas dificuldades que os jovens encontravam para acessar o mercado de trabalho.
Como o mito da Europa unida pela economia prometia tempos melhores, a busca continuou a ser vista como desejável, e os passos nessa direção continuaram a ser tomados.
Marca viva dos anos de guerra, a força simbólica da unificação da Alemanha, com a queda do Muro de Berlim, levou ao passo definitivo da criação do euro e, segundo muitos analistas, ao início do fim do sonho de uma Europa única.
Na euforia da vitória sobre o comunismo, François Miterrand e Helmut Kohl, líderes políticos que conduziam de fato o processo de integração, deixaram de lado questões técnicas para aproveitar o momento de opinião pública favorável e forçaram a criação do euro.
Os problemas enfrentados hoje mostram de forma clara que a criação de uma moeda única naquele momento foi um erro. A questão da dívida pública em um grande número de países mostrou o vazio existente nas regras de integração fiscal de economias tão diferentes como a alemã e a grega.
Mas, o que fazer agora? Voltar atrás ou caminhar adiante na direção de uma verdadeira comunidade de países? Essa dúvida é que está por trás das especulações e do vaivém das cotações do euro, do dólar e das ações nos mercados financeiros do mundo todo.
Se os líderes das nações envolvidas nesse imbróglio escolherem o caminho errado, podem criar uma crise bancária ainda mais grave do que a que estamos vivendo. E, se isso ocorrer, dada a fragilidade da economia americana, que ainda digere os excessos financeiros dos anos Bush, o mundo pode mergulhar em nova recessão econômica.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 68, engenheiro e economista. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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