Sentado na confortável poltrona de couro, da sala de monitoramento do Palácio das Princesas, o governador Eduardo Acioly Campos, filho do escritor Maximiliano de Campos, sobrinho do sociólogo Renato Carneiro Campos e neto do ex-governador do estado, Miguel Arraes de Alencar, concedeu magnanimamente uma entrevista de três horas aos repórteres dos principais jornais de Pernambuco.
O que chama a atenção, antes de tudo, é a sem-cerimônia que caracterizou a conversa do governante com os representantes dos três jornais. O gestor parecia estar muito a vontade, apesar das reiteradas batidas de mão na mesa, das mãos crispadas e do pé revirado, como os jornais fizeram questão de mostrar. Eduardo Campos sempre foi uma pessoa tensa e fumava compulsivamente, inclusive em ambientes fechados. Também sempre pareceu não ter critério alimentar nenhum, ao contrário do ex-prefeito João Paulo da Silva.
A entrevista foi reveladora de vários pontos que talvez o próprio governador não tenha se dado conta: família, oposição, nível da atividade econômica do Estado, relacionamento com o governo federal, a sua base de sustentação a nível estadual e federal, suas relações com o PSDB, o PSD, o PT e outros aliados, o seu modelo de gestão da educação, saúde, segurança, a prefeitura do Recife, suas pretensões políticas para 2014 etc.
Baseado em pesquisas de opinião que lhe dão 90% de aprovação popular, Eduardo Campos exibe uma autoconfiança ilimitada e esnoba a oposição, afirmando que ela corre o risco de falar para 6% da população. E que o estado vive dias de exuberância econômica, com a vinda de inúmeras empresas para Pernambuco.
Que fêz os maiores investimentos em Educação e Saúde, da história do estado. Que se tornou um interlocutor importante para a reeleição da presidente Dilma, sua prioridade política nacional, apesar das boas relações com Gilberto Kassab, Aécio Neves, Beto Richa e outros.
O que o governador Eduardo Campos não deixou claro ou explicitou suficientemente foi a natureza das parcerias, o modelo administrativo, os custos ambientais e fiscais, o grau de patrimonialismo ou familismo que tem caracterizado a sua gestão. O principal mandatário de Pernambuco fêz referência a Fundação Roberto Marinho e ao Instituto Ayrton Senna, quando fala da educação.
Omite a inovação administrativa que transferiu a saúde para área privada, nem diz que a gestão dos novos presídios é particular, sendo o que o primeiro a ser inaugurado – o de Itaquitinga- já sofreu multas da CPRH por irregularidades ambientais em sua fase inicial de implantação. Mas grave é, contudo, a criminosa política de atrair investimentos ao custo de concessões ambientais e fiscais, não reveladas à sociedade ou aos contribuintes ou às entidades submunicipais que participam da partilha tributária. É o caso de se perguntar se o nosso gestor estadual ganhou carta branca para ignorar a lei e conceder favores ou cessão de direitos a particulares, sob a alegação de política de geração de empregos e renda. É oportuno lembrar que Eduardo Campos se elegeu prometendo combater a “guerra fiscal”, lutar por um novo pacto federativo e uma ampla e justa reforma tributária.
Estranho também é o seu estilo administrativo, caracterizado por um misto de gerencialismo e familismo e inúmeros auditores do Tribunal de Contas, que fazem as vezes de secretários de Governo. Tudo amparado por uma pletora de estatísticas e aparelhos de alta tecnologia de informação. É o caso de afirmar: tanto tecnologia a serviço de ideias, costumes e modos políticos tão antigos... como as oligarquias de Pernambuco.
Interessante é como governador situa a sua obra administrativa e sua obra como articulador político (presidente do PSB e articulador dos apoios a presidente Dilma no nordeste). A impressão que fica é que Eduardo Campos tem uma visão meramente instrumental e estratégica da gestão. A sua preocupação não é tanto a qualidade de vida ou a melhoria social da população do estado, mas como transformar isso num ativo de alta especificidade para atuar no processo sucessório estadual e federal.
E aí se revela claramente a natureza de suas alianças políticas: amplitude, diversidade, clientelismo, fisiologismo, adesismo, utilitarismo – desde que tudo isso possa servir de meio, instrumento, moeda para barganhar nos grandes acordos políticos nacionais e estaduais. Nesta arte, o neto superou com certeza o avô, que fixava limites ou princípios para o seu pragmatismo. Se Eduardo Campos quer ser alguma coisa (presidente, vice-presidente, ministro, senador etc.) ele não só não dirá, como subordinará toda a sua atividade política a esse objetivo. É o seu estilo, a sua maneira de atuar.
Michel Zaidan, historiador, professor da Universidade Federal de Pernambuco.
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